Um gajo ouve falar o não faz sentido nenhum António
Borges, e mesmo quando ele foge com a boca para a verdade, quer dizer, para uma
parcial verdade, aquilo dos empresários e respectiva tendência para a idiotia -
e para encherem as suas algibeiras, temos que ter em conta que este trajecto de
homem se confunde com a própria trajectória (pleonasmo assumido) do cretinismo
como uma das belas-artes. Mas com um propósito, não se pode duvidar disso. Com um propósito.
setembro 30, 2012
setembro 29, 2012
Mas qual exposição?
Doug Dubois,”My Last Day at Seventeen” - encontros de
imagem (Braga Parque); Braga (Inútil).
Não lembra ao diabo, mas lembrou não sei a quem. É
aquela coisa de aproximar a arte, ou, para utilizar uma palavra nómada, a cultura
(neste caso a fotografia), do centro comercial, enfim, das pessoas, a montanha
vai lá, não sei se estão a ver. O braga parque, o local desta exposição, não é
especialmente recomendável, mas encaixa no caminho da parquetematização, da
simulação, do simulacro dos espaços e das vivências, como registou Baudrillard,
simular é fingir ter o que não se tem. Ainda por cima é triste: quem vem de
fora nem sabe ao que vem (braga parque é uma galeria?), nem tem que saber
(conheço um caso concreto), e depois chegam ali e não acreditam. Outros, da
cidade ou de perto, deslocam-se propositadamente, e lá chegados parece que não
encontram o sítio, perdem-se procurando e exposição, ou abalroam-na. Os outros
todos simplesmente passam. Ninguém vê nada. As pessoas circulam, vão à sua
vida, fazem as suas compras, almoçam, e se lhes perguntarem, talvez digam: mas
qual exposição?
setembro 28, 2012
Fuga para a memória
A televisão [portuguesa] é hoje, em si mesma, uma memória. Em alguns casos boa. Ainda se
consegue, concedo, de longe em muito longe ver um ou outro filme, uma ou outra
série, um ou outro documentário (recentemente passou um sobre Herberto Helder
na 2), e nada mais. Ponto. A cabo, pacote básico, ajuda pouco, um ou outro
filme, uma ou outra série, uma ou outra merda qualquer, alguns desenhos
animados, umas gajas a descascar bananas e a RTP Memória. Se calhar é mais a
RTP Memória. Ontem dei por mim a ver o Falatório, (1997) com Dinis
Machado, escritor, entre outros de “O que diz Molero”, also Dennis McShade para
os policiais, de cigarrilha na mão, fumando e conversando (é o termo) com (uma suportável,
à distância) Clara Ferreira Alves: literatura, vida, cinema, família, escrever
não escrever, gandulagens. Muita gandulagem. A semana passada dei por mim a ver
o Falatório, mais uma vez mediado por Clara Ferreira Alves (houveram outros apresentadores),
com José Saramago, Sebastião Salgado e Chico Buarque, na televisão portuguesa!,
ano de 1997. Por exemplo.
Recordo uma sala de cinema que foi a minha escola de cinema (não havia sequer outra disponível). Recordo a televisão das Conversas Vadias, com Agostinho da Silva. Um pequeno mundo. Era público. Era um serviço. E acabou.
[alfred]
Recordo uma sala de cinema que foi a minha escola de cinema (não havia sequer outra disponível). Recordo a televisão das Conversas Vadias, com Agostinho da Silva. Um pequeno mundo. Era público. Era um serviço. E acabou.
setembro 27, 2012
Para trás, em linha recta em direcção ao desconhecido
«No geral, não percebi muitas coisas. O nome do
grupo, de certa forma, é uma brincadeira, e, de certa forma, é completamente
sério. Creio que há muitos anos houve um grupo vanguardista mexicano chamado os
real visceralistas, mas não sei se foram escritores, pintores, jornalistas ou
revolucionários. Estiveram activos, também não tenho muita certeza, na década
de vinte ou trinta. Naturalmente, nunca tinha ouvido falar desse grupo, mas
isso é devido à minha ignorância em assuntos literários (todos os livros do
mundo estão à esperta que eu os leia). Segundo Arturo Belano, os real
visceralistas perderam-se no deserto de Sonora. Depois mencionaram uma tal
Cesárea Tinajero, ou Tinaja, não me lembro, acho que nessa altura eu discutia
aos berros com um empregado por causa dumas garrafas de cerveja, e falaram das Poesias do Conde de Lautréamont (…)»
Os detectives Selvagens”, (pp.15), Roberto Bolaño.
Tradução Miranda das Neves. Edição Teorema/leya.
A capa da edição portuguesa é uma merda tão grande, mas tão grande que até apetece vomitar e vomitar-lhe, tal o asco do amarelinho mais a merda das letrinhas em relevo, mais as palavras do Ferreira mais a Sontag que não tem culpa nenhuma. Um focinho de bradar e de fugir para qualquer leitor de livros que seja um leitor. Mas parece que assim vende bem. Da falecida e agora embalsamada Teorema na leya, como lhe chama o Cão. Mas sem referências ou conhecimento do autor ninguém lhe pegava, como diz a Zobaida (momentaneamente sem link).
setembro 26, 2012
setembro 25, 2012
Um Sporting Sá Pintoniano absolutamente literário (contra um Gil Vicente não poderia ser de outra forma)
Tás lá Sá Pinto, caso contrário, como diz a Lianor [na farsa de Inês Pereira]: “dai isso por esquecido,/E buscai outra guarida.”
Sacado daqui
Nenhum jogo que disputarás será a Batalha de Agincourt. Não és Henrique V. Também não sou Shakespeare. Mas sempre que tiveres dúvidas, lê a peça. Vais ver que está lá mais do que em todos os livros sobre futebol que possas ler.
Sacado daqui
setembro 23, 2012
Mera excrescência da crosta do mundo
«Podemos dizer que o único que certamente cumpre
uma finalidade, no meio disto tudo, é Agilulfo. Não falo do seu cavalo, não
falo da sua armadura, mas de qualquer coisa de solitário, de preocupado
consigo próprio, de impaciente, viajando a cavalo dentro da armadura. À volta
dela as pinhas caem dos ramos, os ribeiros correm entre os calhaus, os peixes
nadam nos ribeiros, as lagartas roem as folhas, as tartarugas arrastam-se com o
duro ventre pelo chão, mas, no entanto há uma ilusão de movimento, um perpétuo
vaivém, como o agitar das ondas. E nestas ondas Gurdulú vai e vem, prisioneiro do jogo das coisas, espalmado, também ele, na mesma massa, com as pinhas, os
peixes, as lagartas, as pedras e as folhas, mera excrescência da crosta do
mundo.»
“O cavaleiro inexistente”, (pp.145-146), Italo
Calvino. Tradução de Fernanda Ribeiro. Teorema.
[peão]
setembro 21, 2012
setembro 20, 2012
O mais inútil de todos os refugiados, um esteta! (II)
Ao atravessar a fronteira checa, a vista do arame farpado e das guaritas da sentinela deprimiu-o. Mas também notou, com alívio, que não havia cartazes publicitários
“Utz” (pp. 98), Bruce
Chatwin. Tradução de José Luís Luna. Quetzal.
[Duchamp]
setembro 19, 2012
setembro 18, 2012
Preferia não o fazer
«O que
acontece agora sabem os mortais,
e o que
será um dia os deuses sabem,
os únicos
senhores de toda a luz profunda.
Mas o que
vai acontecer em breve
o atento
sábio sabe. O seu ouvido
às horas
do silêncio há que escuta
inquieto
e perturbado estranhos sons
que às
vezes vêm de eventos que estão presentes.
E
respeitosamente atenta neles,
enquanto
as gentes fora nada ouvem.»
“Os
homens sábios entendem o que vai passar-se*”, in 90 e mais quatro poemas, Constantino Cavafy. Tradução de Jorge de
Sena. Asa.
*Porque os
deuses sabem dos eventos futuros, e os homens dos eventos presentes. Mas o
sábio sabe do que vai passar-se.
setembro 17, 2012
E o que diz a padaria?
O que diz a padaria? A padaria continua. A
menina do balcão continua atrás do balcão. Está rija, escanzelada, quer ser escanzelada,
quer ser rija. O careca fica a olhá-la, aparece por acaso, e fica, também por
acaso. O Ernesto electricista continua Ernesto, e continua electricista sempre
que pode, de resto biscateia. Ao seu lado, o Silva, quer-se presente, tem a
escola da vida, a universidade da vida, o curso todo, mas muda de conversa,
essas palavras já deram o que tinham a dar. Está ali, fala do gatinho e do
neto, e do futuro do netinho fala também o Mendes, junto aos velhos tempos, recordando o Guimarães,
um tipo porreiro mas com mau vinho.
Da Miquinhas rareiam notícias, também não é de fiar, e o Tabuletas foi para o Luxemburgo a mando do cunhado, não se sabendo se por lá solta fogos. A padaria continua, esvazia, meia de leite, meio galão, meia vida. Agora chega o Tone, o da bomba, encosta-se ao balcão, o olhar triste consagra o momento, o Mendes limpando as beiças de gelado ao netinho, “no meu tempo…”, e um pedido de Super Bock soa, fresquinho, ali ao lado. “A mim é que não me apanham mais, esse lambões”, diz o Silva a esfolhear o Record e a olhar o rabiosque da sobrinha da Custódia, “tão crescida que está, quem a viu”…
Da Miquinhas rareiam notícias, também não é de fiar, e o Tabuletas foi para o Luxemburgo a mando do cunhado, não se sabendo se por lá solta fogos. A padaria continua, esvazia, meia de leite, meio galão, meia vida. Agora chega o Tone, o da bomba, encosta-se ao balcão, o olhar triste consagra o momento, o Mendes limpando as beiças de gelado ao netinho, “no meu tempo…”, e um pedido de Super Bock soa, fresquinho, ali ao lado. “A mim é que não me apanham mais, esse lambões”, diz o Silva a esfolhear o Record e a olhar o rabiosque da sobrinha da Custódia, “tão crescida que está, quem a viu”…
setembro 16, 2012
O mais inútil de todos os refugiados, um esteta!
«A
refeição não correspondeu às suas expectativas. Não pela qualidade ou
apresentação, mas a sopa, embora requintada, parecia não ter gosto; a truta
estava afogada num espesso molho gruyère e o leitão estava
recheado com outra coisa qualquer.
Olhou
outra vez com inveja para o grupo que fazia um piquenique na margem oposta. Uma
mulher jovem pegou no filho ao colo, que tinha gatinhado até à borda de água.
Teria gostado de se juntar a eles: partilhar os espadões que tinham trazido de
casa e que, com certeza, sabiam a qualquer coisa! Ou fora ele que perdera o
paladar?
A
conta foi mais cara do que esperava. Foi-se embora maldisposto, sentia-se
enfartado e um pouco tonto.
Chegara
também a uma conclusão deprimente: que o luxo só é luxo em condições adversas.»
“Utz” (pp.89), Bruce
Chatwin. Tradução de José Luís Luna. Quetzal.
setembro 15, 2012
setembro 14, 2012
Em que rua param os estudantes?
A
pergunta impõe-se: por onde anda a estudantada, como se diz: o futuro do país? Pois, sabemo-la ali a
brincar às praxes, ou festejando a entrada em cursos sem quaisquer
perspectivas. Mesmo nas praxes, na rua, não se vislumbra qualquer ligação à
terra, nem que seja como folguedo ou reinação com o país, com esta actualidade que já foi o ontem e que vai ser o amanhã. Nada.
Os liceais, os do ensino superior, acaso pensam que as coisas não lhes
dizem respeito, que não interferem directa e indirectamente com o seu presente e futuro - o seu e de quem
os rodeia-? Abandono escolar, emprego, desemprego, trabalho precário, recibos
verdes, emigração, pobreza. Apenas palavras, sem sentido? E as associações de
estudantes, já agora, onde param?
Tornaram-se
uma massa acrítica e indiferente, pese a parafernália de portáteis e ipads a
tiracolo. Quando muito vão a jogo, com esforço, por causa das propinas ou das
bolsas, mas ainda assim, preferem o aconchego do banco. São confortavelmente
suplentes, aguardando a sua vez, se esta chegar. Se calhar, demitiram-se!
[só sei]
[só sei]
setembro 13, 2012
setembro 12, 2012
A mosca anarquista
«Assim como o seu amigo Sr. Utz podia dizer à
primeira vista se uma peça de porcelana de Meissen era feita da argila branca
de Colditz ou de Ezgebirge, também ele, Orlík, após ter examinado ao
microscópio a membrana iridescente da asa de uma mosca, clamava saber se o
insecto vinha de uma das lixeiras que agora rodeavam o novo jardim da cidade.
Confessou estar encantado com a vitalidade da mosca.
Era moda entre os seus colegas entomologistas – principalmente os membros do
Partido – aplaudir o comportamento dos insectos sociais: formigas, abelhas,
vespas e outras variedades de himenópteros que se organizavam em comunidades
regimentadas.
– Mas a mosca – disse Orlík – é uma anarquista.»
“Utz” (pp. 35),
Bruce Chatwin. Tradução de José Luís
Luna. Quetzal.
Por falar em moscas. O CÃO refere uma outra raça que
as moscas, umas e outras, temem. Ou deveriam.
mosca
mosca
setembro 11, 2012
setembro 09, 2012
Utz?
«No dicionário etimológico de Grimm, Utz tem toda a espécie de conotações
negativas: “bêbado”, “idiota”, “batoteiro”, “negociante de pilecas". “Heinzen, Kunzen, Utzen oder Butzen”, no dialeto da Baixa Suábia, corresponde ao
equivalente de um bicho careta qualquer.»
“Utz” (pp.19-20), Bruce Chatwin. Tradução de José Luís Luna. Quetzal.
setembro 08, 2012
setembro 07, 2012
Utz começa assim:
«Uma hora antes de raiar a madrugada do dia 7 de
março de 1974, kaspar Joachim Utz faleceu, de uma segunda e há muito prevista
apoplexia, no seu apartamento da rua Siroká, nº5, que dava para o Velho
Cemitério Judeu em Praga.
Três dias mais tarde, às sete e quarenta e cinco da
manhã, o seu amigo, Dr. Václav Orlík, encontra-se à porta da igreja de São
Sigismundo à espera do carro mortuário, apertando na mão sete dos dez cravos
cor-de-rosa que pensara poder dar-se ao luxo de comprar à florista. Notou, com
satisfação, os primeiros indícios da chegada da primavera. No jardim em frente,
gralhas com pequenos ramos no bico esvoaçavam à volta dos canteiros de tílias
e, de quando em quando, uma pequena avalancha desabava do telhado inclinado de
um prédio.
Enquanto Orlík estava ali á espera, foi abordado por
um homem cujo cabelo grisalho lhe caia na gola da gabardina como uma cortina.
– O senhor
toca órgão? – perguntou o desconhecido com uma voz de catarro.
– Receio bem
que não – respondeu Orlík.
– Eu também
não – disse o homem e desapareceu a arrastar os pés por uma rua lateral.
Às sete e cinquenta e sete, o mesmo homem
desaferrolhou, do interior, os enormes portões barrocos da igreja. A seguir,
sem sequer fazer um aceno a Orlík, subiu para a galeria do órgão e, sentando-se
ao centro do coro de talha dourada e
anjos a soparar em cornetas, começou a tocar uma marcha fúnebre, composta por
dois sonoros acordes, aprendida na véspera com o organista que era demasiado preguiçoso
para se levantar da cama a horas e que tinha encontrado, no sacristão, um
substituto.»
setembro 06, 2012
setembro 05, 2012
setembro 04, 2012
Diz que Blaise Cendrars também lhe cantou a sina
«Esta tempestade invulgar em direcção ao ouro
torna-se cada vez mais avassaladora; a notícia corre mundo; só de Nova Iorque
zarpam uma centena de navios; hordas gigantescas de aventureiros partem da
Alemanha, Inglaterra, França, Espanha, nos anos de 1848, 1849, 1850, 1851.
Alguns dobram o cabo Horne, viagem mais demorada ainda para os impacientes, o
que os faz optar pelo perigoso caminho através do istmo do Panamá. Num ápice,
uma companhia recém-formada constrói uma linha férrea no istmo – na qual mil
operários morrem de febre – , para que fossem poupadas aos impacientes três a
quatro semanas e assim pudessem chegar mais cedo ao ouro. Caravanas descomunais
atravessam o continente, gente de todas as raças e idiomas; todos revolvem a
propriedade de Johann August Suter como se fosse sua. Sobre a terra de São
Francisco, sua propriedade segundo legislação emanada do governo, cresce uma
cidade a uma velocidade alucinante; desconhecidos transaccionam entre si a sua
propriedade, as suas terras e o nome Nova Helvécia, o seu império, desaparece
por detrás da palavra mágica Eldorado,
Califórnia.»
“A descoberta do
Eldorado – J.A Suter, Califórnia, Janeiro de 1848” (pp.138-139), in Grandes Momentos da História da Humanidade –
catorze miniaturas, Stefan Zweig.
Tradução de Fernando Ribeiro. A esfera dos livros.
setembro 02, 2012
Se os túmulos falassem
«O que ao visitante causa grande espanto é ver aqui
Afonso Henriques, quando ainda não há muitos dias o deixou à porta do Castelo
de Guimarães, mais o seu cavalo, ambos muito cansados. Repreende-se por estar
brincando com coisas sérias, e encara primeiro Afonso, depois Sancho, um que
conquistou, outro que povoou, vê-os deitados sob estes magníficos arcos góticos
e decide em seu coração de viajante que neste lugar se celebram quantos desde
aquele século XII lutaram e trabalharam para que Portugal se fizesse e
perdurasse. Se se levantassem as tampas destes túmulos veríamos um formigueiro
de homens e mulheres, e alguns seriam os que tiraram estas pedras da pedreira,
as transportaram e afeiçoaram, e, sentados nelas, na hora do jantar, comiam o
que mulheres tinham cozinhado, e se o viajante não põe aqui ponto final é a
história de Portugal que acabará por ter de contar.»
“ Viagem a Portugal” (pp.228-229), José Saramago.
Caminho.
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