«Uma hora antes de raiar a madrugada do dia 7 de
março de 1974, kaspar Joachim Utz faleceu, de uma segunda e há muito prevista
apoplexia, no seu apartamento da rua Siroká, nº5, que dava para o Velho
Cemitério Judeu em Praga.
Três dias mais tarde, às sete e quarenta e cinco da
manhã, o seu amigo, Dr. Václav Orlík, encontra-se à porta da igreja de São
Sigismundo à espera do carro mortuário, apertando na mão sete dos dez cravos
cor-de-rosa que pensara poder dar-se ao luxo de comprar à florista. Notou, com
satisfação, os primeiros indícios da chegada da primavera. No jardim em frente,
gralhas com pequenos ramos no bico esvoaçavam à volta dos canteiros de tílias
e, de quando em quando, uma pequena avalancha desabava do telhado inclinado de
um prédio.
Enquanto Orlík estava ali á espera, foi abordado por
um homem cujo cabelo grisalho lhe caia na gola da gabardina como uma cortina.
– O senhor
toca órgão? – perguntou o desconhecido com uma voz de catarro.
– Receio bem
que não – respondeu Orlík.
– Eu também
não – disse o homem e desapareceu a arrastar os pés por uma rua lateral.
Às sete e cinquenta e sete, o mesmo homem
desaferrolhou, do interior, os enormes portões barrocos da igreja. A seguir,
sem sequer fazer um aceno a Orlík, subiu para a galeria do órgão e, sentando-se
ao centro do coro de talha dourada e
anjos a soparar em cornetas, começou a tocar uma marcha fúnebre, composta por
dois sonoros acordes, aprendida na véspera com o organista que era demasiado preguiçoso
para se levantar da cama a horas e que tinha encontrado, no sacristão, um
substituto.»
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