As ruas estão desertas mas a
cidade continua povoada. Menos movimentos pendulares e muita gente em casa, eis
a cidade de Braga vista (sonhada?) da janela. Ontem em conversa telefónica um
amigo dizia-me, meio a brincar mas muito a sério (pareceu-me), que esta cidade (talvez nem tanto) com menos
automóveis, menos ruído, menos poluição, menos gente a correr de um lado para o
outro, era a cidade que ambicionávamos. Não era. Não podia ser. O que
desejávamos era uma cidade de escala humana (e Braga geograficamente ainda não
é uma cidade demasiado grande), onde se pudesse andar a pé, de bicicleta, com
bons transportes públicos, melhor urbanismo (bem sei dos erros estruturais do
passado), mais parques, menos trânsito. Mais tempo para todos. Sem fundamentalismos.
A primeira fotografia que aqui
vos deixo foi tirada a 13 de Fevereiro. Cerca de um mês antes, talvez um pouco
mais, tinham-me dito que por ali (eu já digo o sítio e a situação) iria nascer
mais um espaço comercial ligado à distribuição (e/ou fast food). Pelo menos mais um. Durante
anos a única construção do local era uma barraca de uma qualquer imobiliária,
associada a uma suposta urbanização que nunca surgiu, ou a mais uma empresa de
construção que desapareceu do mapa. Tudo coisas não documentadas pela Netflix. Estas
nesgas de terrenos que restam na cidade, interstícios deixados ao acaso entre
prédios, automóveis (sobretudo automóveis) entulho e ervas daninhas, são
pequenos nacos à espera de serem devorados e especulados.
(Braga - 13/02/2020)
Este espaço em construção fica na
rua Américo Rodrigues Barbosa, uma rua cuja entrada apenas é permitida a quem
desce, isto é, quem venha da Rotunda de Infias, ou da Rua do Regimento da Cavalaria
8, onde sita o Pingo Doce. A situação? Bom, estamos ao largo da caótica rotunda
de Infias, vários colégios (D. Diogo é uma dor de cabeça permanente), Liceu Sá
de Miranda, vários milhares de pessoas a residir; junto ao nó de Infias, porta de entrada/saída da
cidade tanto para Norte, como para Oeste, à rodovia, às autoestradas e vários destinos,
ligação à corda comercial da cidade que se estende do espaço comercial Nova
Arcada a Norte onde sita o IKEA, passando pelo Braga Parque, e por aí fora, até
ao Minho Center, Leroy Merlin, etc. Não vamos perder tempo com as minudências
do trânsito, dos estacionamentos, dos atrasos, do stress, nem vamos lembrar a
Braga dos dias de chuva, linda, caótica, cinzenta. Importa referir que nos
últimos três anos o tempo perdido nesta zona em hora de ponta praticamente
triplicou. Eu sou um bom estudo experiencial para aqui chegarmos.
(18/03/2020)
E aqui chegados, pensamos na importância
estratégica(?) de mais este espaço comercial, na sua localização (a
propósito, a rua Américo Rodrigues Barbosa é um beco sem saída, - o que sairá
daqui?), no trânsito resultante, nos estacionamentos. Na nossa vida de todos os
dias. As obras continuam (como continuam as operações cosméticas das ruas
António Marinho e adjacentes) como se poderá ver na fotografia acima. Mas agora
as ruas estão desertas numa cidade povoada de fantasmas. De medo. De solidão e
isolamento. E de repente estas coisas todas são vistas sob uma outra perspectiva,
à luz de um desejo absurdo de normalidade. Mas não nos deixemos enganar. A
normalidade, ainda assim, poderia ser bem diferente. E agora até temos algum tempo
para pensar nisso.
Nota:
a desatar o nó de Infias desde 29/04/2019, mas sem mãos.