março 31, 2009

Até já

"Mas com os pós modernos nada complicados sentimo-nos realizados"

Mais uma imagem da nossa arrebatada modernidade. A aldeia de Ruivós situada no concelho do Sabugal, ainda não dispõe, em pleno século XXI, de saneamento básico, mas faz o pleno século XXI com (a partir desta semana) a chegada da Internet sem fios à borla. De resto que vão cagar ao monte…

março 30, 2009

Abra a sua conta emigrante

Lá vai ele, não sei se o avistam, o inefável Isaltino de sua graça e Morais, lá vai ele, exultando confiante com a embalagem proporcionada pela “alforria” da ex. fugitiva de Felgueiras e o desenlace venturoso do sr. Avelino outra vez candidato a Canavezes. Lá vai ele, Isaltino, concedendo que terá porventura errado ao não declarar qualquer coisita ao fisco. Mas o resto não, oh não, a conta na Suiça em nome de seu primo taxista, parece que casado com uma cabeleireira, qualquer coisa como duzentos e muitos milhares de euros, é mesmo uma conta em nome de seu primo, e Isaltino, obviamente, nada tem a declarar sobre isso, a não ser que na Suiça, “os taxistas e as cabeleireiras ganham bem” (e parece que a vida lá é barata…). 
Mas não apenas os taxistas e cabeleireiras, o Inútil está em condições de afirmar que também ganham bem os cortadores de carnes verdes e aprendizes de pedreiro; os ajudantes de cozinha; as senhoras de limpeza; os empregados de mesa, copa e esplanadas; barman e trolhas por conta própria; os seguranças com conhecimento de línguas (alemão e francês e algum italiano); os empregados em Hotéis a elevada altitude; os moços dos transportes e alguns das indústrias de mobiliário e montagem de tectos falsos; e os pintores. Já por exemplo os DJs de música popular portuguesa ganham melhor no Luxemburgo.

março 29, 2009

Mas em que rua fica a África do Sul?

Sueca à boleia

Não dá para fazer muito mais do que isto…Dizia ontem o Cristiano Ronaldo entre dois “penso que”. E a malta responde: pois, o problema é mesmo esse...

março 27, 2009

O que vale é que ninguém rouba livros senão…isso são coisas do Genet

Apoiar as corticeiras em lugar dos carteiristas corcundas. Apoiar os bancários em lugar dos ladrões de bicicletas. Apoiar o banco contra a fome: é mesmo isso. Ou atirá-lo sobre, desde que a cubra. A liga dos ladrões pode finalmente emergir das profundezas de Paris. E todos nós temos a nossa Paris. Que pena nenhum Victor Hugo para o contar…

março 26, 2009

Os modernos (II) : o descargo de consciência

Imagem:  Inútil

Apesar da nossa disposição estar centrada na vacuidade encenada do enredo diário; apesar disso, o caminho desagua sempre na foz de um exemplo. Há uns tempos tínhamos uma aldeia sem electricidade ao lado de uma central eólica com capacidade de produção para alimentar uma cidade de 300 000 habitantes. Agora temos uma pilha de novas tecnologias (empapadas de incorrecções) ao lado de um canastro juncado de analfabetismo por todos os lados. E, note-se, sem qualquer referência ao vocábulo “livro”, que esse está dotado de um plano e de uma estratégia, digamos “muito próprios”. Basicamente, é como colocar berços ao lado do bidão dos plásticos.

março 24, 2009

A propósito de magia

Mas já o disse: tudo mudou tanto! Os anjos, se ainda ambulam pelo mundo, modificaram-se de tal maneira que nem mesmo nós [as fadas], que os compreendíamos bem e que partilhávamos com eles alguns – só alguns – dos seus traços subtis, somos capazes de os reconhecer. Na época que evoco – o ano de 1174 – vivia um anjo, atrevo-me a dizer que permanentemente, na torre principal do castelo. Durante os trabalhos agrícolas do mês de Março, quando os aldeões podavam as vinhas, descia ao campo ondulado e auxiliava-os na sua tarefa, sem que eles dessem por isso. A seguir regressava ao castelo, que não era ainda tão complicado como o descreve a miniatura das “horas” (très riches) do duque de Berry, mas que não carecia de grandeza imponente, e eu, do meu refúgio do campanário, espiava as suas idas e voltas, no alto da sua cela, lendo, à luz trémula de uma candeia, um livro de devoção. Apesar de sermos vizinhos e os únicos habitantes sobrenaturais de Lusignan, nunca falámos um com o outro. 

“ O Unicórnio”, Manuel Mujica Lainez, Edição Cotovia. Tradução de António Gonçalves

A loja dos horrores

Ensombra-nos os dias, o tédio indolente e o queixume baço. Os refúgios, pasme-se, não permitem sequer o sonho, menos ainda a magia. Submisso e entrevado, o povo rejubila à porta de qualquer esmolinha. Nem precisa de entrar. Basta ficar a ver.
Ainda hoje, dia 24 de Março, um desmaio dos sentidos acorrentou-me, ainda que momentaneamente, à sombra da TV. Seriam 12h53m. Na RTP1 discutia-se um “drama em Aveiro”. Na SIC, umas senhoras acompanhadas de um rodapé fantástico enchiam o ecrã: “dominaram o ladrão, bateram-lhe e chamaram a policia”. Na TVI, a guarnecer um olhar consternado de ambos os apresentadores, o qual consiste essencialmente num franzir delicado da sobrancelha acompanhado de um ligeiríssimo esgar, contava-se a história do “filho da (vamos chamar-lhe assim) Florbela que morreu afogado num poço”. Tudo isto entalhado num cenário de milhares de cores berrantes. 
E ainda não havíamos chegado ao Sr. Lucílio nem ao Doutor Honoris Causa, Sr. José. 

março 22, 2009

É emparedar o gajo!


O sr. (árbitro) Baptista, sem rio que o valha para baptizar as hostes vermelhas, decidiu-se por um festim a gosto das mesmas, não olhando a reparos, lançando sobre o jogo a aritmética da trafulhice. Não o escrevi ontem, a frio, posto que ainda resvalaria para o armário dos ambulantes que se reconhecem especialistas no jogo das transições ofensivas. Sou inútil. Sei-o de antemão pela queda das vozes que me acompanharam neste caminho calafetado de armários a reboque de um carpinteiro desconhecido. E de anjo, a expensas de umas asas a crédito, pouco guardo, dir-se-ia, gentilmente numa lealdade de cão amarelo. Mas nada é demais. A grande penalidade, essa, sem contar com as canhotas que sobejaram em costados alheios, remetem-me para a sombra do desvario, da foice e da martelada. Isto não conta para nada depois de uma tortilha adamada e, por sortilégio, avinhada. Isso foi ontem. Hoje, uma pipa, oh grande Allan Poe, de amontillado, e um Lucílio emparedado.

março 20, 2009

Os modernos

À minha frente na fila (ou bicha se preferirem) do supermercado, quatro elementos, a saber: em primeiro lugar uma senhora sozinha, colorida, bem vestida, à moda, mas com gosto; em segundo, outra senhora, menos à moda (ou à moda sem propósito de o ser), descontraída e à coca (vinha do trabalho); em terceiro, um casal: ele com a barriga apontada ao céu (e não será este um limite) e uma camisola de manga curta dois números abaixo do decoro requisitado. Acresce um bigode para mostrar a sua raça e uma indiferença acéfala que joga bem com os tempos modernos. Ela senhorita do seu homem, pianinho, escondida atrás do armário a dar com os croissants de promoção - mais 4 garrafas de Muralhas, para o que der e vier. Em seguida um jovem a definhar antecipadamente nos seus 12 anos e muitas bichas pela frente, carregando uma pasta de chocolate e bolachas. E eu. Tudo é pouca coisa.
Quando me acerquei, a primeira da fila, aprumada no vagar dos gestos, estava já em plena luta com o porta-moedas. Dez minutos a vasculhar as moedas para chegar à nota. Lentamente. O olhar perdido, vago, pardacento: calmantes e anti depressivos, aos molhos, à escolha, um fardo de luz a embaciar o olhar. À justa conseguiu pagar antes do fecho… e ali ficou a ruminar um pensamento. De seguida, a desenrascada número dois, empina os camarões congelados para toda a fila ver. São camarões! Debalde. A menina teve que ir pesá-los longe. Engana-se. A senhora detecta. “São de 5 Euros menina… se a gente não está atenta”, e continua a sussurrar alto.
A menina vai (re) confirmar. Chama a colega. Começa a conversa entre a desenrascada e o casal. “ Já não é a primeira vez, oh…se a gente.. oh…se a gente”. A malta une-se na sofreguidão do castigo. Os braços em cruz sobre o peito. A esfinge da inquisição. Atentos. Passou. Vai o casal. A senhora já se perfila, espreita a qualquer desvario da caixa. De frente para nós: nossa ilustre representante. Observa. Ups…” e as maçãs menina?...”, “já te apanhei”-pensa. “As maçãs são ao quilo mas tem que levar o saco todo” – explica a menina. O bidão de bigode não mexe um dedo. Já está de cartão em riste (vários cartões, aliás). Olha para a sua pequenina e ela olha para nós. Eu quase lhe cuspo em cima e o jovem da frente começa a dançar e a cantar alucinado uma música tribal africana que até segundos atrás desconhecia. A coisa continua. Nada a assinalar, mas a pequenina faz ainda um olhar circunspecto, altivo e eficaz na sua penúria de encantos: “Por esta passa” - dizia aquele olhar a espezinhar a menina da caixa que ainda lhe agradecia. De seguida o puto entrega o dinheiro e na metamorfose que se adivinhava no seu corpo em desatino com aquela sequência, lá deixou o troco para a caixa. Eu saio também, com as cervejas a tiracolo e uma ânsia inútil no coração.
Repugna-me esta gentinha tão atreita nas insignificâncias, nos pormenores, sempre pronta a espezinhar os outros desde que devidamente aconchegada. Gente mesquinha nos seus propósitos, mas naturalmente cobarde e delatora. 

março 19, 2009

Pedaços da vida inteligente no planeta azul: a canção portuguesa

Expunha o Nelinho, dirigindo-se no Porcalhoto, ao seu amigo imaginário que é afinal o café todo, após a ingestão de 20 cervejas, meio Croft e um café:

Queres vir comigo para a Guiné, matar aquela gente toda?, és meu amigo…
Pausa, e depois:
Uuuuh...uuuuh…uh

Pausa...

A ansiedade é que nos põe a cabeça maluca…Paris é caganeira [sobre o jogo do Braga com o PSG] …queres emigrar?, vai tu…eu inglês ou francês não aprendo…para isso temos o Algarve.

março 17, 2009

dizia-me o Alfredo

A cor da minha pele…como se isso fosse a cor da minha pele…

A carga pronta e metida nos contentores

Contentor cool

Numa freguesia de Barcelos cerca de 17 crianças e adolescentes, com idades compreendidas entre 6 e 14 anos, têm aulas num contentor colocado para esse efeito no espaço do recreio. Para que conste, as crianças são de etnia cigana (normalmente são trolhas). Algumas foram recambiadas de outras escolas. O caso foi denunciado ontem nas televisões pelo próprio presidente da junta. Acresce que as aulas são ministradas apenas por dois professores e da parte da tarde para não bater com as aulas dos “outros” da parte da manhã. Esta merda deve ter um nome.

Hoje no jornal da tarde da RTP1, no intervalo das 150 ligações directas à visita do rei da Jordânia e da sua belíssima amada, princesa Rania, incluindo escolas, empresas, parques de estacionamento, casas de banho públicas e do sr. Zeller afirmando que os “dois povos são muito semelhantes”, foi avançado que a DREN, sob mando da inigualável, inqualificável e cerebralmente inepta, Margarida Moreira, informou tratar-se de um caso de “discriminação positiva”. Nada de mais, na Rússia até já houve um reality show que se passava num contentor…

março 16, 2009

Para os Açores em força…


Woody Allen,"TAKE THE MONEY AND RUN"(1969)- "Inimigo Público" na tradução portuguesa

Um jovem assaltou um posto de gasolina na ilha do Faial, apontando à menina da caixa uma pistola de pressão de ar. Planeado ao pormenor, o assalto ocorreu já ao final da tarde e rendeu cerca de…100 euros. O jovem empreendeu de seguida a fuga, logo perseguido pela polícia. Foi apanhado perto da meia-noite, quando seguia a pé depois de ter deixado a viatura para trás. O passo seguinte da fuga seria, presume-se, a nado.
Com isto e praticamente sem turismo de massas, pergunto se alguém me arranja por lá um emprego.

março 13, 2009

Carta registada aos (três) sportinguistas que seguem este blog – com aviso de recepção


Existe uma expressão bem nacional que serve para tudo e não quer dizer nada: “é como tudo na vida”. E como tudo na vida o Sporting vai morrer, neste caso como aqueles fanáticos da vida asséptica, vai morrer, dizia, cheio de saúde (financeira - dizem-nos). Governado nos últimos anos sob o signo da economia e do critério quantitativo (para algumas coisas), numa gestão em tudo semelhante à política portuguesa de encerrar centros de saúde e outros equipamentos, decidindo-se com base em critérios como a densidade populacional e a distância para outros centros. Sucede que 20 km no interior representam por vezes o dobro se comparados com outros pontos do país, isto para não falar das condições climatéricas e da estrutura etária e social das regiões. De igual forma, a direcção leonina, altiva no seu enfado para com os sócios, núcleos e simpatizantes em geral, não respeita, suponho até que desconhece, as idiossincrasias do clube e claramente do inefável futebol português. Desde logo, sempre se afastou da plebe como o diabo foge da cruz (apenas nos últimos meses anda em demanda). O eclectismo é hoje uma fachada, provavelmente sem a força de Moniz Pereira mesmo o atletismo já tinha debandado. Não existe um pavilhão. A equipa de futebol raramente treina ou se digna deslocar ao estádio para saudar os sócios. O estádio é um centro comercial, e aposto um dedo mindinho, decrépito não tarda nada. Os jogadores da casa e a colagem constante à formação, fazem do clube uma espécie de colégio interno bem para preparar os meninos para altos (e outros) voos, e ganhar não interessa para nada. As modalidades de referência desaparecem mesmo na vertente não profissional, afastando assim antigos e potenciais sócios, que desde sempre frequentaram as instalações do clube, como aliás o presidente dos lampiões para (diz ele) praticar natação. Em cada dez pequenos praticantes, mesmo com ligações ao quintal da luz, metade, arrisco outro dedo mindinho, ficavam com amor à causa.
Sucede que a juntar a tudo isto ainda se verifica uma mentalidade miserabilista e relativista. Levamos 12 mas cumprimos o objectivo dos oitavos. Fomos eliminados da taça mas vamos à final da copa da liga. Não lideramos o campeonato mas poderíamos e quem sabe, nunca, nunca se sabe, podemos ainda vir a liderar. Sofrer uns 1500 golos na liga dos campeões não é uma vergonha, será quando muito, algo para reflectir dentro do caralho do grupo. Estamos no desporto como na vida, diz sempre o pescocinhos (sr Presidente) enquanto afirma que uma bola de futebol é apenas uma hipérbole de outra de golfe, e se calhar até se joga com um taco, o que não deixa de ser verdade a julgar por alguns jogadores. Pobre e miserável não são palavras sinónimas. Mais a mais, ninguém é responsável, ninguém assume nada, e a estrutura do futebol é de um amadorismo a toda a prova.
Anos atrás alguns amigos meus diziam-me que não compreendiam como é que um clube que não ganhava nada levava tanta gente aos estádios. Eles não poderiam saber. E agora também já não interessa.

março 11, 2009

Recordação em solilóquio mudo

Não é por obra do acaso que aprecio andar sozinho. Em primeiro lugar as conversas são mais interessantes e em segundo tenho quase sempre razão. Uma vez encontrei o César Monteiro nas escadas do cinema King em Lisboa e aquele olhar ressumava a “deixem-me sozinho” misturado com o pessoano “ não sou de companhia” e um outro a lembrar “ se fores gaja e novita, vá lá, podes dar uns gritinhos”. E pedir uma romã. Também acontece ter-se que ficar na casa de um amigo, vá lá, uns tempos, mas amigo que é amigo, ou melhor, amigo é a mesma coisa que um gajo estar sozinho a dobrar, e gosta disso, e ainda assim não dá para desenvolver esta ideia. Amigos e livros e espelhos. Recordo-me de um (amigo) em Coimbra. Nuno L. de sua graça. Batia o pé ao escutar aqueles trengos dos AC/DC, enquanto descolava as páginas de uma Gina usada. Bebíamos à tripa forra e depois abalávamos rente à berma até à Figueira da Foz, ver o mar e comer percebes. Outras vezes na demanda da Figueira desaguavamos em Espanha, outras em Viseu com direito a prova de vinhos e enchidos e queijo (não necessariamente por esta ordem), mais ou menos como no livro do Venedikt Erofeev, De Moscovo a Petuchki - a Lucidez de um Alcoólico Genial (1995 , Cotovia), em que o tipo sempre que procurava o Kremlin ia dar de ventas com a estação de Kurst. Nem todos tem a sua Figueira pois não?...

março 09, 2009

Estreito de Magalhães

Não tenho por hábito lançar a primeira pedra. Nem a segunda ou a terceira. Sucede que ao contrário da rainha, tenho o direito apenas de lançar a última, que se revela (como nos refere o cabeçalho do anjo) inútil. Serve esta (a última) para arrojar à cabeça do sr. Magalhães, protótipo azulado incrementado pelo sr. Eng. Dezenas de erros, daqueles denominados de “ortográficos”, acompanham a saga de uma machina que já inspirava cuidados no seu software (pornografia versus ortografia). Acresce que ninguém conseguiu enxergar, durante todo o processo, desde a realização e instalação do programa até ele chegar às mão das criancinhas, nem os erros de palmatória, nem a possibilidade, nada remota, de visualização de vários filmes daqueles com rodinha 28 no canto superior direito do ecrã. E nisto nem veio a polícia, entretida que estava por Braga a manter a ordem e o pudor. Da ortografia nem se fala. Basta escutar o sr. Lello, um dos fiéis escudeiros do sr. Eng, para perder toda e qualquer esperança de encontrar massa encefálica nem que seja esborrachada pelas paredes. Ainda bem que toda a gente agora tem o 12ºano e até vai coçar a mioleira para a Universidade. Só falta substituir o anúncio antigo:

"Se tens a 2ª classe e atrais as moscas junta-te a nós” por ”se tens o 12º ano, frequência universitária, mestrado ou afins e, naturalmente, se empolgas as moscas, junta-te a nós!"

março 05, 2009

"Posto um apelido tão a matar ao cavalo, quis também crismar-se a si mesmo"


Arribam à nossa caixa do correio alusões a um suposto desleixo (leia-se desinteresse) pela análise da actualidade (presume-se que política e económica…) no “Inútil”. Sucede que a pena que o sustenta, quando não está a deitar os bofes, sabe-se lá bem porquê, deita-se solenemente escarranchada sonhando séculos passados. O corpo que a prolonga anda numa fona a ver onde param as modas. Mais a mais, é anacrónico dos pés à cabeça, bilioso e de uma indolência a toda a prova. Ainda por cima dá cabo do caco a ler. E lê tudo que lhe chega à mão, incluindo os folhetos que acompanham os remédios. Todavia mata o bicho de preferência, e sem desdém, com os “antigos”, por exemplo:

- Hás-de saber, amigo Sancho Pança – respondeu D. Quixote – que foi costume muito usado dos antigos cavaleiros andantes fazerem aos escudeiros governadores das ilhas ou reinos que ganhavam. Por minha parte não só estou resolvido a não quebrar tão grata usança como tenciono ir mais longe. Enquanto que os meus antecessores, as mais das vezes, esperavam que os escudeiros chegassem à velhice, já quando fartos de servir e de aguentar boléus, para os galardoar com um título de conde, quando muito marquês de qualquer parvónia, eu, se Deus nos der vida, talvez dentro de meia dúzia de dias ganhe um reino com outros reinos vassalos e tu sejas coroado rei de um deles. E não te espantes, porque tais fenómenos são o pão nosso de cada dia dos cavaleiros andantes, e com toda a facilidade te poderia dar ainda mais do que te prometo.

Miguel de Cervantes Saavedra, “D. Quixote De La Mancha”, - Tradução de Aquilino Ribeiro

Está por perto

Francis Bacon, Study after Velazquez's Portrait of Pope Innocent X, 1953.

Grande exposição no Museu do Prado...

março 03, 2009

Às voltas e espreitando a janela

Este livro aportou um dia lá em casa, ainda com a capa (belíssima) intacta, com o Sartre a tiracolo, ou como diz um amigo meu, “à cabeça de uma esplanada sexual”. Ainda hoje não sei bem como lá terá chegado. Recordo que quando comecei a lê-lo o sol espraiava-se generosamente pela marquise e na rádio passava uma qualquer música dos Trovante (foi há muitos anos atrás). Da cozinha emanava um cheiro quotidiano a estrugido, ervas, limpeza e à avó. Seria certamente perto do meio-dia e ela ainda estava viva. 

março 02, 2009

Os clássicos e os outros menos clássicos

Estava deitado na cama a reler “Este Oficio de Poeta”, resultado de um conjunto de palestras dadas por J.L Borges na Universidade de Harvard, enquadradas no Curso Norton, corria o Outono de 1967, por cá editadas com a chancela da Teorema, quando me deparei com o seguinte, na página 53: Os homens têm buscado o parentesco com os heróis derrotados, não com os Gregos vitoriosos. Talvez seja porque há na derrota uma dignidade que dificilmente pertence á vitória. É claro que isto é uma mera opinião. Podemos acrescentar que nem todos os derrotados são heróis (nem quiseram ou não puderam sê-lo). Ou que existem várias tipificações para derrota. Ou ainda que, se quisermos, nas batalhas e nos poemas épicos do passado todos são heróis (ou quase todos). Ou até, se pretendermos armar ao pingarelho, afirmar que derrota também significa”roteiro”, “viagem”, “itinerário”. Vista sob qualquer das perspectivas a derrota do Sporting com os latagões de Munique, pode (e se calhar deve) à primeira vista (sempre turva) ser encarada como “falhanço”, “insucesso”, “perda”, “destroço”, ou ainda, afastamento do “percurso” ou perda da “rota”. Sucede que, embora correcta, a análise peca por ser epidérmica e simplista. É um facto que a história do Sporting se faz mais de malogros na praia do que sucessos. Ora isso também faz cama. Moí. Cresce. Diz-se até que o melhor ano do Sporting foi aquele em que quase ganhou tudo: taça UEFA, campeonato, taça. Tudo isto é, perdoem-me, genético. Mas desta vez foi diferente. Os incautos, valorizaram uma suposta “vergonha” afirmando que antigamente era diferente. Antigamente quando, 10 anos, 25 anos, 40 anos? No tempo de Homero (um tipo que nem se sabe bem se existiu)?
O que aconteceu foi uma epifania: sofrimento; auto-flagelação; abismo; anti-heróis. Um épico ao espelho. Literatura. Ou quase. Eu diria: lenda. E para isso é preciso morrer. Nada mais será como dantes e estes anti-heróis reinventam o “eis o Sporting”. Isto também ganha cama. Cresce. Mas não se sabe onde vai dar. No sábado foi diferente com os tamanqueiros no Dragão de Komodo. Veio-me logo à memória (e a minha memória é coisa fraca e conservada em álcool) um livro de Ernst Jünger, “Tempestade de Aço”, em Alemão In Stahlgewittern (lindo este som), sobre a 1ª guerra mundial e a (sua) experiência nas trincheiras. Todavia o exemplo não me parece o mais indicado. Com efeito, os homens das trincheiras, derrotados ou vitoriosos, foram heróis dignos. Ou talvez a denominação “heróis” já não seja a mais apropriada. Talvez “vítimas” dignas fosse mais apropriado. Mas à distância dos cadáveres, preferimos sempre “heróis”. De qualquer modo no jogo de Sábado não se vislumbraram heróis ou qualquer sucedâneo, vítimas ou suplicantes, mas uma espécie de luta de galos algures num arrabalde da cidade do México. O Sporting podia ter ganho. Mas fico com a sensação que desfez a cama. E estava tão quentinho.

Adenda: com isto voaram uns bons vinte Euros, gastos na tasca em tabaco e cerveja (Bohemia, claro).

é daquelas coisas que não se explicam