Mas já o disse: tudo mudou tanto! Os anjos, se ainda ambulam pelo mundo, modificaram-se de tal maneira que nem mesmo nós [as fadas], que os compreendíamos bem e que partilhávamos com eles alguns – só alguns – dos seus traços subtis, somos capazes de os reconhecer. Na época que evoco – o ano de 1174 – vivia um anjo, atrevo-me a dizer que permanentemente, na torre principal do castelo. Durante os trabalhos agrícolas do mês de Março, quando os aldeões podavam as vinhas, descia ao campo ondulado e auxiliava-os na sua tarefa, sem que eles dessem por isso. A seguir regressava ao castelo, que não era ainda tão complicado como o descreve a miniatura das “horas” (très riches) do duque de Berry, mas que não carecia de grandeza imponente, e eu, do meu refúgio do campanário, espiava as suas idas e voltas, no alto da sua cela, lendo, à luz trémula de uma candeia, um livro de devoção. Apesar de sermos vizinhos e os únicos habitantes sobrenaturais de Lusignan, nunca falámos um com o outro.
“ O Unicórnio”, Manuel Mujica Lainez, Edição Cotovia. Tradução de António Gonçalves
“ O Unicórnio”, Manuel Mujica Lainez, Edição Cotovia. Tradução de António Gonçalves
Um comentário:
Não conheço o autor mas costumo seguir as suas propostas e não me dou mal...
Luis afonso
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