setembro 29, 2009

Já começou



ainda o sangue não chegou ao rio e as bandeirinhas já se desfraldam ao vento que passa. Extravagâncias se anunciam. No café Portugal e na padaria, pelo menos, já se desanuviou o ambiente...

setembro 25, 2009

Enquanto o país estoira o Sporting não joga nada e é verão o ano todo…


o Alfredo decide dedicar-se à filosofia, na senda de Ignatius, o rapaz da "Conspiração de Estúpidos" que o senhor John Kennedy Toole escreveu antes de decidir fechar a porta. Mas não contem a ninguém...

setembro 22, 2009

Também me parece

À hora X, no café Portugal
À mesa Z, é sempre a mesma cena:
Uma toupeira ergue a mãozinha e acena…
Dois pica-paus querelam, muito entusiasmados:
Que a dita dura dura que não dura
A dita dita ditadura – dura desdita!
Um pássaro canta diz isto assim é pena
E um senhor avestruz engole ovos estrelados.

"Rua 1º de Dezembro", Mário Cesariny

setembro 21, 2009

As transições defensivas em campanha eleitoral


Com o desemprego a substituir-se ao diabo nos nossos pesadelos, uma engenhoca de escutas entretém o rebanho em vésperas de nada. Na padaria jura-se a bom jurar que a maquineta era um gravador potentíssimo parecido com aqueles onde se metiam as cassetes para jogar no velhinho ZX SPECTRUM. Ora o partido tende para o engenheiro ora para os sr. Presidente, um “um senhor”, outro “um senhor”. Esta aflição de encher o bandulho com retalhos da vida de um país servidos na sopa televisiva ainda vai no adro, e quando o andor chegar ao nicho (ou no dia seguinte), perplexos ficarão os frequentadores da padaria, e os outros todos, acordando para a realidade crua, servida nas mesmas televisões entre os restos eleitorais, novas amizades, mudanças súbitas de orientação e alguns cumprimentos aos vencidos e parabéns aos (justos vencedores). Até lá, como se verá, nem uma ideia, nem debate sério, assomará à portinhola das coisas aqui em baixo. Qualquer assunto pertinente, qualquer problema concreto do país e dos nativos será devidamente amordaçado e obviamente colocado na prateleira dos acessórios (justamente sancionado com o respectivo cartão), enquanto no tabuleiro da devassa, dos interesses instalados e por instalar, se faz aquilo que se deve fazer numa campanha eleitoral, a saber: jogar à macaca com os jornalistas e o povinho; prometer nova equipa e estratégias não esquecendo o trabalho, muito trabalho; simular umas faltas, insultar o adversário, pedir desculpa, sondar o árbitro, dar uns cacetes e levar outros; dar umas entrevistas prometendo fidelidade e amor eterno ao clube enquanto se negoceia à socapa com outras cores, porque nunca se sabe o dia de amanhã; e ainda, se possível, jurar a pés juntos que lhe estão a fazer a folha. Ora, para economização da inteligência e outras javardices já temos a manada do futebol. Força Sporting!

setembro 17, 2009

Vai ficar lindo à grande vitesse

Saio no próximo apeadeiro, vão ver. E não será bonito. Coisa velha de anos, esta de engalanar a festarola das urnas com obras do máximo porvir. Coisa velha. Coisa a sair do guarda-fatos repleto de bolinhas de naftalina, cujo invólucro é um barraco dos mais lamentáveis que existem. Entra frio; chove; caem as telhas; estala no estio, sem ir a lado algum. Mas, os tipos, apenas aparentemente abandonaram o enlevo dos modelos: há 120 anos era o Belga (viajem com o Conrad no coração das trevas) ontem era o Finlandês. Calou-se o louro. Veio o advento Fontes Pereira de Melo, versão junta de freguesia: o TGV. Não o programa, mas todo um programa. A modernidade. O barraco estala e rejubila, na padaria o TGV anda de papagaio em papagaio até se estatelar no programinha da SIC, ainda a meia de leite vai a meio. Em território de automóveis, de betão e de auto-estradas esvaziadas, onde se encerram linhas de caminhos-de-ferro tão necessárias num país minúsculo (bastaria um bom conjunto de redes sub-urbanas, regionais e nacionais - inter cidades e alfa pendular), e em que cerca de 90% das mercadorias são transportadas por via rodoviária, persevera-se na ligação (supõe-se que rápida) a essa tal de Europa. Essa ligação presume-se(?) que exista já, depois de tantos anos a encher o bandulho com os anais e os sacos de dinheiro europeus. Já pintamos o barraco. Entretanto o tema caciquismo (de uns que é o mesmo que de todos os partidos do rotativismo), assoma à praça pública. Logo aí, expira o modernismo de fancaria. Importar-se-á, como veremos, mais um modelo. Mais uns retoques no barraco. Vai ficar lindo.

setembro 11, 2009

Estudos na minha terra - parte II: o "nosso político"

“Os políticos da geração moderna compreenderam e aceitaram a lição (…) O sistema da violência foi abandonado como inútil, e começou, com êxito, o dúctil método da habilidade. O Conde d` Abranhos, com a sua alta intuição, sentiu que se estava preparando uma nova política, que, condizendo com o seu temperamento, seria o elemento natural em que a sua fortuna medraria como num terreno propício. Ele bem sabia que o governo nada perdia do seu poder discricionário – mas que apenas o disfarçava. Em vez de uma forte patada no país, clamando com força: - Para aqui! Eu quero! – os governos democráticos conseguem tudo, com mais segurança própria e toda a admiração da plebe, curvando a espinha com doçura: - Por aqui, se fazem favor! Acreditem que é o bom caminho!
Tomemos um exemplo: o eleitor que não quer votar com o governo. Ei-lo, aí, junto da urna da oposição, com o seu voto hostil na mão, inchado do seu direito. Se, para o obrigar a votar com o Governo o empurrarem às coronhadas e às cacetadas, o homem volta-se, puxa de uma pistola – e aí temos a guerra civil. Para que este brutalidade obsoleta? Não o espanquem, mas, pelo contrário, acompanhem-no ao café ou `taberna (…)paguem-lhe bebidas generosamente, perguntem-lhe pelo pequerruchos, metam-lhe uma placa de cinco tostões na mão e levem-no pelo braço, de cigarro na boca, trauteando o hino, até junto da urna do Governo, vaso do Poder , taça da Felicidade! Tal é a tradição humana, doce, civilizada, hábil, que faz com que se possa tiranizar um País, com o aplauso do cidadão e em nome da liberdade."

“O Conde d`Abranhos – Notas biográficas de Z. Zagalo –“ Eça de Queirós.
Obra apenas publicada postumamente (1925). Recorde-se que o autor morreu em Paris corria o ano de 1900.

setembro 05, 2009

O voto inútil

Já rabeia na padaria o bichinho das eleições. Um conjecturável comunista (filho de um verdadeiro marxista), rapaz de pedinchices e de pouco trabalho, aceitou (presume-se que) abnegadamente, dois bonezinhos e uma bolsinha com as cores de uma lista (nos antípodas do seu pensamento filosófico político) candidata à junta de freguesia. Cheira a vitória e não convém defraudar os “amigos”. Recebida a lembrança, avança com um sorrisinho e sentencia humildemente: “voto nas pessoas, não nas cores”. Ele presumivelmente nem vota. Mas carece, precisa muito, de continuar a gravitar perto daquelas mesas, a aparar as migalhas, cuidadosamente, e a receber vitupérios pela frente e à canzana. E para quê? Neste caso particular, pasme-se, apenas para poder andar por aí. Sentir-se entre afeiçoados. Digno. Mais próximo do centro da mesa, balofos avinhados em álcoois mais ou menos respeitáveis, esses sim, correm por dentro, farejando o bolo, a possível sinecura. A escudela pode ser sua. Estes, quanto a social-democracia, socialismo ou física nuclear, apenas lhe adivinhando os dentes rebolam de imediato para outro assunto: bola, o preferido; o Liedson na selecção (continua a ser bola, mas de carácter histórico filosófico); ou a possível lambidela política no encerramento do jornal das sextas na TVI (a rubrica da actualidade). Três segundos após o início de qualquer destes temas, pode advir um quarto ou quinto, de preferência começado por:” diz que” ou “ouvi na televisão” ou “como diz o outro”, ou ainda, quando (na melhor das hipóteses) assoma um pensamento efectivamente próprio, ou é intransmissível ou principia com o creditado “vi num documentário”. Foi assim que um tipo de andar aligeirado pelo Favaios, improvisou que qualquer um que se naturalize português, deveria, para além dos pressupostos legais (a versão original era: “as cenas que têm que ser cumpridas”), fazer um teste sobre cultura e história portuguesa, “como fazem na América” (esta é a parte do documentário). Assentimos. Mas talvez fosse interessante começar por fazer os testes aos nativos. Teríamos um país mais esvaziado. E, como explicava outro dia na padaria um Ucraniano a dois papagaios de ventre dilatado e semblante abigodado:”porra, vocês não sabem nada da vossa história. Até eu estudei os descobrimentos portugueses, e outras coisas”. O ventre maior, generoso, condescende com um sorriso de néscia bonomia, ao mesmo tempo que coloca as mãozinhas gordurosas em concha atestando: “ah…ah, a minha escola já foi há muito tempo..eh…eh…há muiiito tempo, fiu”. 

setembro 02, 2009

Estudos na minha terra - parte I: o povo vota no povo

"Estudando desapaixonadamente a nossa vida social, revelam-se-nos nela os seguintes sintomas, entre outros, pouco lisonjeiros:
Falta de iniciativa; espírito quase constante de hesitação, que não exclui alguns raros impulsos energéticos no começo, mas seguidos em breve de abandono da empresa começada (excitabilidade esgotável). – Incapacidade progressiva para o trabalho e sobretudo para o trabalho intelectual persistente, a que se liga muitas vezes a consciência de inaptidão (an instinctive consciousness of inadequacy before us, Beard). – Pusilanimidade na vida pública manifestando-se principalmente na incapacidade de ter opinião independente; ou ao contrário, afirmação exagerada de ideias revolucionárias, de que se está longe de conhecer os fundamentos. – Grande pressa em chegar às posições mais altas a que se pode aspirar; como que se receia (para empregar a frase vulgar) que o mundo fuja. – Predomínio dos sentimentos egoístas sobre os colectivistas; falta de espírito de generalidade. – Espírito excessivo de imitação (tipificado é a neurose de imitação, latah dos malaios ). Insânia moral frequente, manifestando-se em formas múltiplas. – Pessimismo, hipocondria e fatalismo social; o primeiro levando a nação a considerar-se como irremediavelmente perdida; o segundo fazendo-a considerar a sua sorte como dependente de condições fora da sua vontade. – Alternando com esse pessimismo e a desconfiança de todos e de tudo a que ele leva, confiança momentânea, que faz aceitar como salvador o primeiro charlatão ou a primeira nulidade que se impõe por quaisquer circunstâncias externas; sonhos absurdos de grandeza, que tornam mais dolorosa a triste realidade quando ela se impõe com a brutalidade dos factos (…)
"

Francisco Adolfo Coelho, “Esboço de um programa para o estado Antropológico, Patológico e Demográfico do Povo Português (
1890), in Adolfo Coelho, Obra Etnográfica;

Adenda: Estudos para o preâmbulo insano que nos acompanhará durante a carniça da campanha eleitoral até às urnas, sempre com o pensamento em mente - pleonasmo em gracejo do Alfredo – de que os governantes, e agora mais que nunca, emanam desse tal de povo.