maio 30, 2008
maio 29, 2008
Hoje amanheceu assim
A chuva chove mansamente… como um sono
que tranquilize, pacifique, resserene…
A chuva chove mansamente… Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine(…)
in "A Circulatura do Quadrado", Cecília Meireles
maio 27, 2008
À moda da casa caixote
Hoje não houve frango das terças (notifica o próprio, que nunca se sabe…) mas uma vitela de estufado com um arroz branco singelo no ponto mais seco e repartido da noite. Sem salada. Um tinto cheio do Dão trespassou o palato, com cor, harmonia e uma voz de carvalho (francês?) a esconder as mágoas no trago veloz. Não foi mais um dia a dias, nesta quinta estação (irreconhecível?) das nossas dores. Foi um dia justo, apartado e quase insignificante; um dia a dias de ciência simples e singela. Pensei no mar e, depois, muito depois, cozi a alma à vaga mais profunda, e ainda lá estou, alinhavando vozes sem comando, arremetidas pelo vento.
maio 26, 2008
É verdade: em terra, no ar e até debaixo de água...
O Anjo fumou. Nenhuma desculpa acrescenta um sulco à sua face desavinda e inútil.
maio 24, 2008
Estamos arrumados rumo ao pó...
Ao retorcer recantos escondidos da casa e outros claramente mais acessíveis, testemunha-se, mais uma vez, a perda de contacto com os objectos que guardamos, aparentemente, por sensibilidade, prazer, necessidade ou futura demanda. Debalde. A casa caixote revela-nos fragmentos de cada miséria mundana ou um encontro desafortunado com a preguiça. Vou (irei) mais uma vez proceder a um labiríntico arquivo apenas pelo prazer de o esquecer em três tempos. O meu sonho: que o labirinto (como o mapa do conto de Borges) se confunda com a minha casa, ou com o meu rosto.
Apenas os livros, as bandas desenhadas e até os herdados livrinhos de piadas do PREC com mamas à mostra, nos declaram a sua excêntrica participação diária, aconchegando-nos. De resto, apenas pó. Aquilo que também seremos um dia.
maio 23, 2008
A caminho da tenda
Parece que os deuses se remetem ao silêncio na pastoral portuguesa. Braga, bem perto de Babilónia, assinala os seus dias com sombreados esquecidos na imobilidade das janelas. Dos meus vizinhos, assinale-se a ventura da frincha, com cortinados domesticados no melhor tecido. Assoma-se o olhar entre essas nuvens de pasmo que dormitam na reclusão do véu. Um ventre de clausura comunicando na devassa solidificada da tenda. Por vezes, sem desdém, atribuo esses hematomas oblíquos das casas, ao sinal da cruz, neste vale insano de água benta. À falta de melhor, trespasso os dias com sonhos de desvario, ainda assim, desaguando sempre na brancura da padaria: “O que vai ser, três de água?”.
maio 22, 2008
Sobe balão sobe
Na senda inútil da subida(s) dos combustíveis, parece-me insidioso qualquer comentário num país a carvão, ou quando muito (nada mal) a vinho. Os esbirros acinzentados por anos de penumbra sem pensamento, embatem no calcanhar visigótico do nosso malfadado desenvolvimento; os outros, da plebe mais inorgânica e inexpressiva que se possa imaginar, mobilam a vida como a casa: a crédito. Aí está a morte que Celine falava, com ou sem combustível, ninguém quer saber. A esta hora, provavelmente, relata-se a costeleta com esparguete que o Cristiano envia directamente ao guarda-redes. Com paradinha. Inútil.
maio 20, 2008
Dos sonhos
Volto sempre ao frango das terças. Um assado que encerra todo um dia, numa penumbra ajuizada. É com um enfado de séculos que amorteço as minudências, a expensas de um culminar lógico de melodias televisivas. Que passou? Quem matou?
A voz silênciosa do repasto, associada à caverna dos eflúvios de um branco lustroso como oiro, ave de rapina das cavaqueiras mais inusitadas. “Nenhum pássaro me carrega”, penso, recordando um mal literário, atributo de um irmão em universo.
Chego-me à janela. Além, a noite assume a sua vertigem sem comando. Que doce desvario nos tragará em sonhos?...
Recordam-se queridos?
Do Maio de 68, aguarda-se um 69 de todos os dias. A dona de casa, o estudante tinhoso, a gravata do almirante a dias do mesmo. Faltarão os lacaios do canavial e as formigas de Portugal. Todo um comboio de urgências, sem esquecer o tio de soslaio à rapariguinha do shopping e um Estaca a assaltar de meia embutida a loja dos trezentos da vizinha. Acrescente-se um altar de fugas, com flores de laranjeira na eira.
Todos os dias, um Maio sem sessenta, com um oito a lavrar o próximo milionário das revistas que timbraram a moda dos calceteiros de barricadas. Inútil.
maio 19, 2008
maio 18, 2008
Hoje amanheceu assim
Com a chuva agarrada à vidraça, uma ponte de tédio carregou-me à padaria. Depois o tédio, que não era bem tédio, energicamente se sustentou na regueifa. Sucede que, em dia de final da taça, o anjo deveria estar assim:
poisando fugaz sob seu rosto
desleixando-se por fim no veludo dos reposteiros antigos
que cuidadosamente ornavam a sala,
Acedeu e foi à janela respirar o seu ar de tédio
envolto num enlevo de artista.
G.P.
maio 17, 2008
Hoje amanheceu assim na Twilight Zone
Depois do mercado, nada melhor que escutar Radioactivity, dos robóticos Kraftwerk; fabuloso tema para limpezas de sábado, encaixotamentos, empalamentos em discotecas manhosas e boites seráficas.
maio 16, 2008
Amanhar a manhã com o gato que não quer saber de Proust
Hesitei entre Lolita e O Gulag e acabei a ruminar disparates entre terrinas de livros técnicos. Pensei nos estudos amorfos que nos descarregam avulso, todos os dias, para melhor nos sustentarem na imbecilidade mais sórdida em timbre pardacento. Na rádio desejei Bach. Acabei, placidamente, sem Lolita, mas juntamente com Mr. Humbert a planear um assassínio, o qual somos, de resto, manifestamente incapazes de materializar.
Voltei então ao hemisfério Norte, sem borrascas a assinalar, aterrando em campo seguro, na casa caixote, amarrado ao teclado, sem faunos (a não ser os de barro nas prateleiras), mas com uma espécie de Gauleses intrépidos, prontamente caçados pelo gato. Proust, mais coisa menos coisa, há-de atirar-se da janela para o mundo. Ou voltar, quem sabe, ao seu quarto, caixotinho de areia.
maio 15, 2008
Anjo inútil pela manhã
Delicio-me em pensamentos farmacêuticos. Vertigens assolam as minhas viagens ida e volta ao mundo antigo. Releio-o e revejo-o. É tão pequeno o meu quintal que tive de o nortear de Beladonas, desmaios e serpentes. E árvores. Subo a uma. Escrevo.
maio 14, 2008
Walden sem bosque
A forma empedernida e confrangedora que nos impulsiona a guardar e acumular uma data de coisas em casa (que certamente servirão, não se sabe, para algo), é reveladora do encaixotamento inexorável da nossa vida. Entre as paredes de cartão, veio-me à memória um tipo (escritor, livro ou fime?, já não sei) que apenas guardava aquilo que podia carregar…
maio 13, 2008
Das bananas
Em conversa recente, alguém me assegurava que os políticos e os dirigentes desportivos emanam da nossa sociedade. É o que temos. Ontem, em apenas dez minutos de contras, percebi a decadência civilizacional a que chegamos. Alguns senhores ali presentes deveriam à saída ser conduzidos directamente aos calabouços do Tarrafal.
maio 12, 2008
Hoje amanheceu assim na Twilight Zone
maio 10, 2008
(Des)Liga (d)os últimos-parte 2: o regabofe voador
Se tens a segunda classe e atrais as moscas, junta-te a nós!
Frase lapidar retirada de um pregão publicado no antigo jornal BLITZ (inicio década de 1990)
Enquanto meio mundo cava a própria sepultura e outro meio é emparedado em tijolo sete (felizmente as nossas construções são precárias), o país irreal discute, enlevado, o estado do futebol. Indigna-se. Aplaude. Refuta.
Alfredo observava, uns dias atrás em conversa comigo, que esse denominado futebol português não existia, era uma falácia, e “Uma pantomina de mau gosto. Sem público, carcanhol e, não raro, com actores xungosos, encenadores necrófagos, mafiosos de mercearia e rafeiros em pele pitbull.” E acrescentava: “É um futebolez de tasco, uma tabuleta de cidade fantasma. Um peido no deserto”.
De resto, pouco importa a coisa. Estamos embebidos num séc. XIX em tamancos e cheiro a peixe, com algumas cintas de ligas (é certo), e pouco bidé.
Volta Maradona!
maio 09, 2008
Diz que sim...
Vladimir Nabokov
maio 07, 2008
maio 04, 2008
Liga dos últimos
Hoje, mais uma final. Sem rir.
Entretanto, afigurava-se obvia (por aqui já havia sido referida), a adopção de um dos melhores programas da televisão do momento, a Liga dos últimos, pela RTP1. Há muito que este cunhava com a sua presença um novo espaço no ecrã da RTPN. Simples, com poucos meios, sem grande alarido, de forma genuinamente participada e, sobretudo, sem aquele falsete de programa que dá voz às gentes, apalhaçando-as, ou sugando as suas misérias em lume brando, sob um manto de comiseração indiferente. Pouca gente o via. E isso ajudava. Muito.
Começou a passar na RTP1 de mansinho, lá para a meia-noite de um qualquer dia para ver o efeito, e já vai em horário nobre de sexta antes do triste Malato. Quando a malta souber que aparece em grande relevo, vai querer brilhar e oferecer umas prendinhas aos apresentadores. Galhardetes, presuntinhos e viras, queixinhas, docinhos e alvíssaras. Transformar-se-ão na paródia de si próprios. Um simulacro.
Deste lado, gente se indignará. Outros, mais avisados, sublinharão que o povo é assim. Outros ainda, debaterão em repastos televisivos a matriz sociológica da coisa. Pulido Valente dirá que está tudo no Eça. Nada a fazer. Será mais um reality qualquer coisa. Adeus capitão Moura.