Arribam à nossa caixa do correio alusões a um suposto desleixo (leia-se desinteresse) pela análise da actualidade (presume-se que política e económica…) no “Inútil”. Sucede que a pena que o sustenta, quando não está a deitar os bofes, sabe-se lá bem porquê, deita-se solenemente escarranchada sonhando séculos passados. O corpo que a prolonga anda numa fona a ver onde param as modas. Mais a mais, é anacrónico dos pés à cabeça, bilioso e de uma indolência a toda a prova. Ainda por cima dá cabo do caco a ler. E lê tudo que lhe chega à mão, incluindo os folhetos que acompanham os remédios. Todavia mata o bicho de preferência, e sem desdém, com os “antigos”, por exemplo:
- Hás-de saber, amigo Sancho Pança – respondeu D. Quixote – que foi costume muito usado dos antigos cavaleiros andantes fazerem aos escudeiros governadores das ilhas ou reinos que ganhavam. Por minha parte não só estou resolvido a não quebrar tão grata usança como tenciono ir mais longe. Enquanto que os meus antecessores, as mais das vezes, esperavam que os escudeiros chegassem à velhice, já quando fartos de servir e de aguentar boléus, para os galardoar com um título de conde, quando muito marquês de qualquer parvónia, eu, se Deus nos der vida, talvez dentro de meia dúzia de dias ganhe um reino com outros reinos vassalos e tu sejas coroado rei de um deles. E não te espantes, porque tais fenómenos são o pão nosso de cada dia dos cavaleiros andantes, e com toda a facilidade te poderia dar ainda mais do que te prometo.
Miguel de Cervantes Saavedra, “D. Quixote De La Mancha”, - Tradução de Aquilino Ribeiro
Um comentário:
Quixote: o sonho mais inocente, a aventura mais doce e fuga mais deliciosa deste pardieiro quotidiano (atrevo-me a acrescentar)... excelente escolha!
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