À minha frente na fila (ou bicha se preferirem) do supermercado, quatro elementos, a saber: em primeiro lugar uma senhora sozinha, colorida, bem vestida, à moda, mas com gosto; em segundo, outra senhora, menos à moda (ou à moda sem propósito de o ser), descontraída e à coca (vinha do trabalho); em terceiro, um casal: ele com a barriga apontada ao céu (e não será este um limite) e uma camisola de manga curta dois números abaixo do decoro requisitado. Acresce um bigode para mostrar a sua raça e uma indiferença acéfala que joga bem com os tempos modernos. Ela senhorita do seu homem, pianinho, escondida atrás do armário a dar com os croissants de promoção - mais 4 garrafas de Muralhas, para o que der e vier. Em seguida um jovem a definhar antecipadamente nos seus 12 anos e muitas bichas pela frente, carregando uma pasta de chocolate e bolachas. E eu. Tudo é pouca coisa.
Quando me acerquei, a primeira da fila, aprumada no vagar dos gestos, estava já em plena luta com o porta-moedas. Dez minutos a vasculhar as moedas para chegar à nota. Lentamente. O olhar perdido, vago, pardacento: calmantes e anti depressivos, aos molhos, à escolha, um fardo de luz a embaciar o olhar. À justa conseguiu pagar antes do fecho… e ali ficou a ruminar um pensamento. De seguida, a desenrascada número dois, empina os camarões congelados para toda a fila ver. São camarões! Debalde. A menina teve que ir pesá-los longe. Engana-se. A senhora detecta. “São de 5 Euros menina… se a gente não está atenta”, e continua a sussurrar alto.
A menina vai (re) confirmar. Chama a colega. Começa a conversa entre a desenrascada e o casal. “ Já não é a primeira vez, oh…se a gente.. oh…se a gente”. A malta une-se na sofreguidão do castigo. Os braços em cruz sobre o peito. A esfinge da inquisição. Atentos. Passou. Vai o casal. A senhora já se perfila, espreita a qualquer desvario da caixa. De frente para nós: nossa ilustre representante. Observa. Ups…” e as maçãs menina?...”, “já te apanhei”-pensa. “As maçãs são ao quilo mas tem que levar o saco todo” – explica a menina. O bidão de bigode não mexe um dedo. Já está de cartão em riste (vários cartões, aliás). Olha para a sua pequenina e ela olha para nós. Eu quase lhe cuspo em cima e o jovem da frente começa a dançar e a cantar alucinado uma música tribal africana que até segundos atrás desconhecia. A coisa continua. Nada a assinalar, mas a pequenina faz ainda um olhar circunspecto, altivo e eficaz na sua penúria de encantos: “Por esta passa” - dizia aquele olhar a espezinhar a menina da caixa que ainda lhe agradecia. De seguida o puto entrega o dinheiro e na metamorfose que se adivinhava no seu corpo em desatino com aquela sequência, lá deixou o troco para a caixa. Eu saio também, com as cervejas a tiracolo e uma ânsia inútil no coração.
Repugna-me esta gentinha tão atreita nas insignificâncias, nos pormenores, sempre pronta a espezinhar os outros desde que devidamente aconchegada. Gente mesquinha nos seus propósitos, mas naturalmente cobarde e delatora.
Repugna-me esta gentinha tão atreita nas insignificâncias, nos pormenores, sempre pronta a espezinhar os outros desde que devidamente aconchegada. Gente mesquinha nos seus propósitos, mas naturalmente cobarde e delatora.
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