março 22, 2020

Isolamento (IV)



Tudo neste livro está em avançado estado de decomposição. Tudo menos a memória. O corpo debate-se, não é bem um corpo, é uma forma vaga de espaço anatómico, algo que habita o pré-pensamento. O “Arquipélado Gulag” de Aleksandr Soljenítsin é um conjunto de fragmentos, vivências, histórias com pessoas (dir-se-ia que sim) lá dentro, quase sempre lá dentro: detenções, processos, prisões, campos, timoneiros, siglas, números. Sem lugar na “História universal da infâmia” de Borges, por manifesta incapacidade imaginativa do autor. Sem lugar no mundo. Apenas no fim do mundo. Com licença: Não, nós somos pó! Estamos sujeitos às leis da poeira. E nenhuma medida do nosso sofrimento é bastante para nos fazer sentir para sempre a dor geral. Espera aí, tenho que respirar, estou a chegar ao fim, falta-me apenas o prefácio. A edição é da Sextante Editora, tradução directamente do russo de António Pescada. Incompleta relativamente ao original, diz-se.

Tinha que desopilar e segui para o século XVI: Ele, Thomas Cromwell, é um bom pretexto. Seguimo-lo em Wolf Hall, caminhamos agora a seu lado em “O Livro Negro”. “Falcões. Wiltshire, setembro de 1535”, escreve à partida Hilary Mantel. Resolvemos a questão não a levantando. E seguimos viagem (página 253 neste preciso momento).

Um fartote de tempo. Banda sonora: álbuns dos The Cure (“Faith” e mais alguns antigos a dar com a chuva). “Virus meadow” (não foi propositado), dos And also the trees. The Felt (qual?). Uma pen antiga a rolar: vários. ANTENA 3, RUM. Acasos. Jornais no ecrã. Ao que nós chegamos. 

E filmes? Filmes ou cinema? Como assim?
Foi um prazer revisitar “Blade Runner” de Ridley Scott. Rever Rutger Hauer, por exemplo: I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Mais chuva. Lágrimas. Coisas nunca vistas. Tive que sair dali a correr, mas só depois de acabar o filme. E depois? “Promessas Perigosas”, ou melhor, “Eastern Promises”, de David Cronenberg. Mais chuva. Máfia russa – a sério? Um filme que nos ensina a não brincar às tatuagens e andar por aí a mostrá-las em banhos públicos. O poder dos símbolos é tramado. E por fim (outros não chegaram a secar no meu cérebro), o mais surpreendente: “Split” (Fragmentado, até lhe fica bem) daquele gajo de A Vila e do Sexto Sentido, M. Night Shyamalan, com um James McAvoy em grande, e não é o único. Diz que é um psychological horror thriller film, mas talvez seja um pouco mais de que isso. No fim, e após apurada pesquisa durante o sono, ficamos a saber que (supostamente) faz parte de uma trilogia. Apenas vi o Fragmentado.  
Agora vou lanchar e depois quem sabe tirar um Tarkovski do armário. 

2 comentários:

flor disse...

um pp (post perfeito :)

Gabriel Pedro disse...

pp (por momentos pensei que era pronto pagamento- por procuração não me passou pela cabeça:)
obrigado:)