setembro 17, 2012

E o que diz a padaria?



O que diz a padaria? A padaria continua. A menina do balcão continua atrás do balcão. Está rija, escanzelada, quer ser escanzelada, quer ser rija. O careca fica a olhá-la, aparece por acaso, e fica, também por acaso. O Ernesto electricista continua Ernesto, e continua electricista sempre que pode, de resto biscateia. Ao seu lado, o Silva, quer-se presente, tem a escola da vida, a universidade da vida, o curso todo, mas muda de conversa, essas palavras já deram o que tinham a dar. Está ali, fala do gatinho e do neto, e do futuro do netinho fala também o Mendes, junto aos velhos tempos, recordando o Guimarães, um tipo porreiro mas com mau vinho. 
Da Miquinhas rareiam notícias, também não é de fiar, e o Tabuletas foi para o Luxemburgo a mando do cunhado, não se sabendo se por lá solta fogos. A padaria continua, esvazia, meia de leite, meio galão, meia vida. Agora chega o Tone, o da bomba, encosta-se ao balcão, o olhar triste consagra o momento, o Mendes limpando as beiças de gelado ao netinho, “no meu tempo…”, e um pedido de Super Bock soa, fresquinho, ali ao lado. “A mim é que não me apanham mais, esse lambões”, diz o Silva a esfolhear o Record e a olhar o rabiosque da sobrinha da Custódia, “tão crescida que está, quem a viu”…

[Marc le Mené]

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