dezembro 14, 2010

E na padaria falta açúcar?


Caro cliente: aqui não passa nada. É mais betão. As tostas mistas, a bem dizer, não passam de patelas em pão de saco, sem manteiga que as valha. Bolos: lembranças doces que polvilham os nossos sonhos em ecrãs tecnicolor, geometricamente decentes, com direito a lisonja remelosa. Nada disto engorda. Na memória, cada sombra vasculha o seu sucedâneo através de fontes perfeitamente legitimadas no abraço de uma câmara ligada: tas aí?...

dezembro 12, 2010

Por acaso até ia escrever umas coisas inteligentes sobre o momento Sporting que dura que dura mas: obrigado por tudo Manel

Imagem com a cortesia alvalaxia.blogspot.com 

De um lado uma espécie de equipa do Sporting, com (mais) um treinador a acostumar essa espécie de equipa a não ganhar. Ainda desse lado, uma espécie rara de dirigentes, gestores néscios bem barbeados, levam essa espécie de Sporting aos píncaros do derrotismo: qualquer derrota é uma boa derrota; qualquer derrota é um click(!).  Do outro lado, ontem, estava o Sporting a treinar o Vitória de Setúbal. Ainda vale a pena descer a correr as bancadas para junto da vedação e dizer “Olha o Manel Fernandes!”.

Nota: parece que essa espécie de Sporting perdeu com o Vitória de Setúbal, cujo treinador é o Sporting...

novembro 28, 2010

Memorial de uma posta de ontem: na padaria


Somos grandes. Na padaria, deus a tenha, preparam-se as festas com bonomia. A cada Martini acresce uma cerveja para aclimatar o desejo, e o pãozinho santo é servido com destreza, a cada cozedura, ora branquinho, ora torradinho, mas nunca, nunca, para nos fazer recordar o antigo pão. Finda a desmama da cimeira da nato e da greve geral, dúzias de tumores pequeninos florescem à volta do balcão vitrina da padaria e, imagina-se, ali ao lado, em todas as casas as intumescências imperam em pequenas salas de ensaio, tipo “hall de entrada” e restantes pleonasmos que nos sustentam num desmaio contínuo até ao centro comercial. Pelo menos está quentinho, dir-me-ão, enquanto comentamos o jogo do dia. E o “Sporting quase ganhou”, dizia-me o sr. Silva, com o seu sportinguismo envergonhado a tiracolo, sem respingar ao moderno portista sr. Lopes, salientando este, a renuncia belíssima do sr. Silva a ter tomates, ao mesmo tempo que respondia a um outro “Lopes” vermelho de Benfica (que por um acaso tinha sido recentemente operado a um “talo na perna”), que também tinha uma coisinha má, o que lhe dava sólidas razões para emborcar uns quantos portos brancos (enquanto acariciava a muleta), demonstrando por a mais b, que o título para eles seria uma miragem.

novembro 23, 2010

Recordação: será sonho ou uma greve geral?

Acordar cedo e gelar enquanto aqueço o chã, voltando logo a seguir para o recinto dos lençóis e cobertores, com um jornal à vista e alguns livros e apenas um braço de fora, o que torna tudo tão impraticável…penso (pensava) como vai ser?, e logo caminho em círculos, em círculos, prestes a morder a cauda, nem sequer é um labirinto antigo, ou um conto do Borges ou do Calvino....nem sei bem o que escrever enquanto limpo o nariz. Não é uma imagem bonita, isso não...


novembro 19, 2010

A circunstância fixe


Por um acaso sei onde estou. Ali, quase longe, um país anota as purgações de um outro que é o seu. Afinal é mesmo perto. Na grande capital, brincam-se aos políticos e às guerrinhas. Já se sabia, os grandes chefes multiplicam-se na roda à volta da fogueira, fumando o seu cachimbo em área permitida, enquanto outros treinam à manif com dia e hora marcada, antecipando placidamente o seu momento. É toda uma estrutura de ensaio, rematada nas mais singelas instâncias da simulação: todos juntos, cada um no seu (esboçado) lado da barricada. Resta-nos, um dia destes, a visita à casa de alterne crise, onde se assentam as alternadeiras cognominadas mercados. Paga-se um copo, mas nem se fode nem se sai de cima.

novembro 15, 2010

Poderiam ser vitupérios à solta na desmama

Eu apenas ia escrever sobre uma cena. Aliás, tudo terá começado com um artigo no Ípsilon, aquele apetrecho que vem acoplado com o Público às sextas, sobre um livro “O Estaleiro” de Juan Carlos Onetti, um gajo que eu quero mesmo ler, mesmo ler, nem sei bem porquê, mas julgo que subjugado por milhares de pensamentos que convergem num sentido: o pessimismo. Vai daí, neste mundo claustrofóbico animado, deparei-me com uma cena “Da cidade nervosa” do Vila- Matas, uma compilação de textos do sr. Enrique, (tipo compêndio – uma cena menor para vender livros), em que se lia qualquer coisa tirada do Elias Canetti, que por momentos, vá-se lá saber, me pareceu Onetti. Confusão. Mas, pois, era assim:

Alguém que jura viver no seu próprio país disfarçado de forasteiro até que o reconheçam. Morre, profundamente amargurado, como forasteiro.

 

setembro 04, 2010

Se ontem vi o jogo?

Os maiores do (meu) mundo anacrónico.


Eu ontem, nada escrevi. (…)

A padaria folga: o sr. Madaíl, imbuído de um espírito envelhecido em cascos de carvalho, enaltece(u) as capacidades da equipa nacional jogar, supostamente, em piloto automático; o preceptor Queirós guarnece os seus discursos imodestos com o patriotismo da (sua) honra ferida; um qualquer secretário de estado entaramela duas patuscadas na nossa inteligência, a reboque de um protagonismo televisivo angustiante. As televisões filmam. E os dias passam, magnificentes, assinalando a vertigem desmiolada do final do verão, num eterno horário nobre, com direito a análises do mais fino calibre, recordando-nos que, afinal, não bastam as pequenas vitórias, e que nunca venceremos a nossa guerra. E vai daí o caso pia. E a mesma patuscada na nossa inteligência. Sim, o caso pia, e vai piar.

Compreendo. E assim estarei na lama mais funda, perto do sítio das vísceras, na leitura africana que nos encerra à boleia de um olhar antropológico e, às claras, nas horas vagas, depois do jantar, enquanto o Malato nos estimula a insónia. Quero ser maldito. Coisas (a saber) dos trópicos. Mas, indolente, nesta violência que encerra um calhamaço de noites sem dormir, ainda assim, enquanto um pulmão refila, um corpo aventura-se…moído...

agosto 22, 2010

Biologia quântica

É verdade que comecei por pensar no Ambrose Bierce, um gajo que ninguém conhece, a não serem os leitores desabituais da Antígona e um amigo meu, que para lá caminha; mas o violador de telheiras foi mais além, e aconselhou-me o pontal de Quarteira e um outro de Mangualde, para mandar às malvas a sua transgressão no arquivo. A coisa só não foi séria porque o sr. Lobo Antunes (tenho para aí umas duas mil páginas do tipo, não lidas, em casa), decidiu-se a não participar, alegando falta de segurança?, num evento em Tomar. Gosto de Tomar, e tirando uns filmes malucos que assisti no fim-de-semana, parece-me que tudo isto são sintomas de uma modernidade muito rebuscada. Entretanto, enquanto escrevia a minha monografia antropológica sobre os calções e as camisolas de alças utilizadas pelos emigrantes portugueses em férias no entre Douro e Minho, soube que o Sporting tinha ganho um jogo a uns gajos da Madeira, cujo treinador será um dia, finalmente, o sr. Alberto. Fiquei feliz. Não tanto pelo Sporting, mas pela Madeira e o tal clube terem a possibilidade, assim tão próxima, de se aproximarem dos primatas originais.   

agosto 15, 2010

Como é que se espera?

A confusão instalou-se definitivamente. A casa sabe a pó e é pasto de aranhas insubmissas; estou sujo e uma membrana adiposa pende do meu abdómen, oferecendo ao conjunto, um corpo humano instalado à beira de um ataque de sofá, e um cérebro relativamente encaixado na cavidade craniana onde surge a questão: “qual terá sido o filme da semana?”. Ao sonho do final da manhã, em que um membro da raça felina, andrógino, e um outro da raça humana, género feminino, assistiam placidamente ao “Babel” do Iñárritu, foi-me objectado que me teria enganado na semana. E no dominó que tenho vestido ultimamente, não? – pensei, enquanto me dirigia ao local das escadinhas onde sempre leio a semana em atraso, através de uma manta de jornais.
Duas mortes: Ruy Duarte de Carvalho, antropólogo, o escritor cineasta e viajante, que morreu longe; um senhor que se recordava de “ter mudado inteiramente de pele, pelo menos uma meia dúzia de vezes ao longo da vida”, e que me transportou por momentos para outras minhas peles, enquanto assistia com a uma espécie de júbilo ao desenrolar da manhã. E outro escritor, historiador e cronista, Tony Judt, o mesmo que me levou a um pequeno ataque quando vi o preço do seu “Pós Guerra – A História da Europa desde 1945”, que vou ler, já estará algures numa prateleira em fila de espera, enquanto me entretenho solitariamente com o “Danúbio” de Magris. De resto, na imprensa, tudo nos recorda que o inferno é em Portugal.
Afinal, o filme da semana foi o “Zatoichi” de Takeshi Kitano, uma preciosidade adquirida por 1,95 Euros com o Público. Quanto ao “Origem” de Christopher Nolan, que fomos ver ao cinema, o melhor é aproveitar o “Memento”.
Mais tarde, ali ao lado do intrépido (vencido) Sporting, um “Almoço de 15 de Agosto”, de Gianni di Gregório, que eu sei que não viram, pois não?

julho 03, 2010

E agora algo completamente diferente: as meias finais

Parece que Portugal perdeu com a Espanha. O Sr. Queirós, uma espécie de bardo que bem poderia ser uma triste personagem do Walser, agastou-se com a perspectiva de perder o emprego (leia-se emprego e não trabalho). O Sr. Cristiano pensa que. E o Gilberto Madaíl aproveitou para afogar as mágoas e ir às putas. Nada sobra. Entretanto, foram-nos ao bolso em festa este mês. Os esfomeados brincam ao cinema negro e os GNR lançam literalmente um álbum contra os copos no desemprego. Outros ainda aparecem na TV (está sempre ligada com gente a querer entrar) com um séquito de crianças ranhosas a coroar a sua lúgubre passagem por este estreito: “o que é que eu faço com 150 Euros?” perguntava um regaço inchado em trinta anos bem envelhecidos (pelo trabalho não, que se ficasse a saber) e um olhar néscio até à medula. E entretanto, sem saber como, emprenha(-se). Até pelos ouvidos. Já cansa.

maio 30, 2010

Nota: a bola também se joga com a mão

O Sporting Clube de Portugal ganhou ontem o primeiro título europeu para o andebol português. A coisa nem sequer deu em directo no canal público. Entretanto, o Sporting faz agora parte de um grupo muitíssimo restrito de clubes que ganharam títulos europeus em quatro modalidades diferentes. No caso do Sporting: Futebol, Hóquei em Patins, Atletismo e Andebol. Para que conste que a bola também se joga com a mão. 

maio 23, 2010

Irmãos em universo *

"Quando já se tem muita experiência do mundo, começamos a interrogar-nos se a experiência de todo esse tempo nos serviu realmente para alguma coisa e se aprendemos algo que possa ser para os nossos filhos, discípulos, amigos. Como não tenho filhos nem  discípulos, concentro-me nos amigos. Reúno-os mentalmente num quarto às escuras, como se estivéssemos numa sessão de espiritismo. Cria-se uma certa expectativa face ao que agora lhes possa dizer. Esgoto todas as possibilidades de não ter de falar, porque, na realidade, ter de transmitir o que quer que seja para a posteridade é um problema, um grandessíssimo problema e uma chatice. Mas finalmente  obrigam-me e digo:

- Os que melhor falaram da morte morreram."

 Enrique Vila-Matas in “Diário Volúvel”. Tradução de Jorge Fallorca. Teorema  

* A frase título inicial era:  Este gajo faz-me bem. [Escrito na margem do livro]

maio 18, 2010

Alergia

Pois ainda não sei o que se passa. Relevo a banalização do infortúnio de viver nesta cave solarenga, cultivada muito próxima da lixeira e demanda do Sr. Eng. José. Ali e acolá, sucatas repetem este gesto que vai do aço inoxidável até à vertente mais asséptica do ritual analgésico do vento. Dá-se o caso de abrir a janela: os hematomas na paisagem agarram-se a este devir estrumado por horizontes fechados. Não sei para onde ir. E cada vez menos onde ficar.

maio 09, 2010

Mas o que é que se passa lá fora?


Não sei de nada. Após uma breve passagem pelo albergue de saúde e de um jantar digno de um anacoreta, estive a ver um documentário (1º de uma série de 6 episódios) denominado «APOCALYPSE» na RTP2, a horas decentes, ao contrário da anterior passagem que ninguém viu. Desta vez contaram-se, pelo menos, três espectadores razoavelmente atentos. Quanto ao resto não sei de nada.

abril 29, 2010

cenas antigas

Resto zero

Na padaria as (tais) agências reivindicam outro ranking. Os peixes amarelos, vulgo classe aburguesados, esperneiam minis na melancolia da esplanada. “Como é que é possível, estes gajos da economia que nos foderam de coentrada recentemente, tenham ainda palavra para nos endrominar na questão grega?”-  perguntava um martini a um porto adormecido. Um whisky a preceito interrompeu-os por antecipação, com a desmama habitual: “bote aí dois pãezinhos de água e já agora uma natinha…”.

 

 

abril 23, 2010

A norte

A névoa do Sr. Domingos espraia-se desde Braga até aos confins do nosso mundinho. Ninguém levanta voo. O seu cadáver (domingos santos) engelha os nossos horizontes até ali, digamos Tui, onde se vislumbram ainda as bandeirinhas anti Scolari, plantadas pelos nossos em Valença do Minho. Hoje passei perto do local da batalha de São Mamede, um local enfermo onde a poesia defeca cinzas avulso para o belo Ave. Somos todo um festim. Gente madura. Quase a cair.

Eu sou uma pedra

Depois do jantar...

abril 18, 2010

daqui não se vê nada

Da rua da estrada o que se vêem são pequenos desvarios a espreitar o longínquo outdoor. As famílias, quase todas, desaguam na ruela, outrora principal, que vai dar à loja de móveis ali ao lado de mais um chinês. Ao meio, um café. E faz sol neste quadro que infringe as regras do domingo tradicional, após um repasto lavrado em forno eléctrico, começado com o vigor matinal. Já faz whisky, quando escrevo estas margens de erro, após uma conversa literária ao jantar domingueiro, que já não incluiu os famosos restos do almoço, adornados de salsichas e ovos fritos. Faz frio, neste ocaso de memórias que se misturam com a frase: amanhã pica o boi.   

abril 17, 2010

Leopoldo Lugones

Olharam-se então; e o que havia em seus olhos não era delícia senão dor. Algo tão distante do beijo, que nele cabia a eternidade.

in "Francesca".

abril 16, 2010

Por exemplo

“O que se passa no mundo?” – terá perguntado. Longe de casa, e segundo parece, ainda inteiro, escutava com o seu melhor ouvido um tal de Tom Waits. Por exemplo:

abril 10, 2010

Todos ao congresso

Apesar das tecnologias de informação, e dos rascunhos de edificação do nosso primeiro-ministro, individualizados naquelas verdadeiras obras de génio disponíveis na paisagem das beiras; apesar do Magalhães e do tio Zé que cumpriu as novas oportunidades em 3 minutos, 52 segundos e 3 centésimos, perder a caderneta da caixa a uma sexta-feira pode ser um verdadeiro berbicacho.

abril 09, 2010

claustros

Final ainda de sexta-feira, após bife. Um branco inválido acompanha o cigarro. Aqueceu. E a menina dos dias está longe. Estava aqui a pensar em reler o “1984”, assim de jacto, enquanto o whisky não se insinua entre súplicas de gelo. Ah, mas o IRS, até, até quando estará o IRS na berlinda da net, entre variadíssimos planos estratégicos?.... 
Na penumbra política, parece que temos mais um bailador de todas as viagens. O país ensurdece enquanto remoí tantos silêncios. Venha a mulher-a-dias, rapinar estes gestos inúteis.

um gajo vai a conduzir e leva com isto...

abril 08, 2010

E, sem nos apercebermos, uma espécie larvar de ferrugem prospera nos sonhos. Um destes dias deixo completamente de parte o caderninho de companhia. Vou ter saudades sobretudo da capa preta.

abril 04, 2010

abril 02, 2010

e depois

O mais próximo possível que estarás da felicidade: um bom naco de prosa

Era em Julho, numa tarde quente, e no seu rosto brilhante de suor faiscava um bom humor bárbaro. Enquanto ziguezagueava entre os seus camaradas, um largo sorriso abria-se-lhe nos dentes brancos. Os outros marinheiros eram homens de todas as origens e compleições, de sorte que Anarchasis Cloots bem os podia ter feito figurar como representantes da raça humana na primeira Assembleia Francesa. A cada tributo espontâneo prestado a este pagode negro – o tributo de uma pausa e de um olhar, ou, mais raramente, de uma exclamação – aquela turba variegada dava boas provas de um orgulho que se assemelhava, sem dúvida, ao dos sacerdotes assírios prosternados diante do grande touro de pedra.

In “Billy Budd”, do Sr. Herman Melville

março 31, 2010

Na calha, sempre que um amor me quiser, vou comer um pastel de carne à São Vicente, para morrer saudável entre veículos motorizados. 

março 30, 2010

Ainda agora, enquanto não me tombavam as calças, reflectia sobre a problemática da penumbra. (Elegi, a propósito, muito a propósito, os ossos a quem debitar a conta).

março 24, 2010

Expectoração a meio da semana.

Vitupérios à solta na desmama do enclave laranja, tendo em conta os dez minutos que dispensei como ouvinte condutor de um veículo motorizado. E qualquer coisa de comissões de inquérito, isto lá mais para o final da tarde, [eu] a pensar se havia de ir ao focinho a um colega do trabalho, se havia de encontrar um sítio onde pudesse papar uns caracóis com cerveja. Não raro, hoje por amanhã, não pisco nada da consistência de um real sublimado pela estupidez, o que me leva a suportar, cada vez menos, ainda assim, o meu canastro, e as notícias exageradamente antecipadas da minha morte, já para não falar dos repastos sociológicos que ruminam sentenças sobre a morte de outros. Já não sei nada, mas leio, absorto no tráfego da manhã e do final de tarde, com PEC ou sem vergonha, testemunha salpicada de apanhados risonhos à melhor de três. Sou um condutor de canastros, lá isso sou… 

março 20, 2010

Ontem comecei a ver o Sweeney Todd e de repente começaram todos a cantar

Olha para aí: hoje não trabalho. Vivo arrumadinho da chuva; limpo a casota, leio o jornal e ouço coisas fantásticas nos telejornais da uma hora. Olha: vem aí a primavera, e com ela (segundo uma senhora acho que professora e tal), aflora uma energia complicadíssima, e como os humanos efectivamente não hibernam, podem não estar devidamente preparados para recebê-la, isso já para não falara das depressões à conta da luz (sem EDP pelo meio), e que (o melhor mesmo) quando um tipo está num ambiente quentinho e húmido o melhor mesmo “é dormir”. Ainda apanhei num soslaio tenebroso, uma referência a Durkheim, e como sou um gajo que lê muito e gosta muito de bola, fiquei logo atento: “para um homem se suicidar, tem que existir no seu interior energia vital”. E, no exterior, novelas da TVI, por exemplo, acrescentei mentalmente, mas já com um sabor estranho na boca, derivado, segundo creio, à degustação recente de uma sopa canja desidratada Knorr com uma salchicha e ovo acoplados. Depois vim para aqui, mas antes tocou o telefone….

março 17, 2010

por acaso goin down slow

Seria uma tabacaria?

Entrei na padaria errada, na demanda de uma sandes de queijo prometida por SMS. Todos notaram a minha falta de jeito inusitada, ainda para mais arroupado num dominó desacertado. Pedinchei um panike para a coisa ficar por ali… e um maço de tabaco.

março 15, 2010

Efectivamente

Para falar verdade, eu não gosto do sr. eng. nem dos seus acólitos; mais a mais, na senda da verdadinha, não aprecio por aí além a verdura que cresce nas extremidades dos senhores e dos respectivos engenheiros, nem os nadas por ali perto, no centro das actividades. Das entranhas próximas ou escusadamente iguais, adivinha-se, não morro de amores. Estou para morrer: longe. Da gama de anti-qualquer coisa, prescrevo(-me) o desvario e o percalço inusitado. Já quase não leio. Quase. Mas ninguém me tira as tirinhas antigas dos jornais e a bula das pastilhas. Vive-se. Como andará a padaria?

março 11, 2010

Tenho cada vez mais saudades dos (meus) livros, e ainda assim dos livros, até que por fim, literariamente claro, aconchego-me em ideias que bem poderiam ser ideais, sem outra razão para existirem, sem dúvida, para além do eu…e de eu próprio, passe o pleonasmo ou o caralho...

março 05, 2010

……………………………

Vivo abreviado 
e as palavras soltas que arredam
rompem entre flores que não reconheço.
Ali o gato e porém nada resta.  


……………………………

O meu pasquim predilecto faz vinte anos

Andava eu por andar no famigerado 12º ano, depois de uma reprovação a todos os títulos injusta e contra revolucionária, quando um rapazote que tinha a mania que lia qualquer coisa…

março 04, 2010

gosto de sofás abandonados nas bouças e de tigres (principalmente de tigres)

sempre os mesmos poemas

"Nada consta"

Falta-me a folha cinco
E entretanto a barba foi crescendo
a minha barba veio crescendo ferozmente
indiferente à morte de um ou outro amigo
às letras protestadas aos desgostos domésticos
às viagens lunares às convenções às lutas
Quando as coisas se erguem contra o homem
se eriçam agressivas contra ele
nem ao poeta basta o parapeito das palavras
Eu por exemplo homem de pouco tempo
trazido pelos dias aqui estou
Continuo a dizer: se alguma coisa há
que podias perder e ainda não perdeste
de que já a perdeste podes estar derto
Falta-me a folha cinco
Estou com a barba feita
Ainda este ano talvez em marienbad
eu vi mulheres curtidas pelos lutos
Mal de morte é o meu
em plena posição de pé às três da tarde
em meio do movimento do rossio
sentado à tarde no cinema em dias de semana
Já caem carnes já se perdem pêlos
já quase só me resta a devoção
lisboa certos dias um amigo às vezes
Poucas coisas importantes pensei durante a vida
uma mesa de sol em pleno inverno
um mar incontroverso alguns papéis
- continua a faltar-me a folha cinco -
pois apesar de tudo nada consta



Ruy Belo, País Possível- Editorial Presença

março 02, 2010

A fronteira

Todos os sonhos do mundo acoplados a um anti-histamínico. A fortuna diz-nos boa noite. Nada de anti; nem histamínico à vista.

fevereiro 23, 2010

"Onde é que estão as novas gerações?"

Agora que por aí andam a reboque da sapatada os vampiros assépticos, e seus derivados, em séries e novelas de cepa duvidosa, e se entremeiam as memórias com relativismos amorfos, registe-se num cantinho os oitenta anos do Zeca, se por cá andasse. Dou ao desbarato.

fevereiro 21, 2010

Consta que é domingo...

À hora inquieta do “Coiote” na Antena 3, já carrego duas marrecas de dia às costas, para dizer pouco, e ainda sem adro à vista lanço um último olhar às estrelas pequeninas que se regozijam no meu pedaço de céu. Uma carne estufada com vaca a tiracolo engraça entretanto com um ovo estrelado, mais salada e vinho tinto californiano, confluência sinistra que desagua invariavelmente num leito de whisky a dar para o pensamento. Atrevo-me, por momentos, a sufragar esta melancolia que rumina outros lugares. Sei disso. Mas não me sai da cabeça um livro do Alberto Manguel e um outro do Sebald. E não faço por menos a desmama do Giacomo Casanova: “Creio que na sua maior parte os homens morrem sem nunca chegarem a pensar”,in, “História da minha fuga das prisões de Veneza”, edição Antígona, 2006 (tradução de José Miranda Justo). Não tenho dito.

fevereiro 14, 2010

fevereiro 10, 2010

Viva o Academia de Alcochete

No final de um jogo comovedor e disputado (supostamente) até ao limite da razoabilidade que esta carcaça sustém, o sr. Carvalhal, sem chorar demasiado, destacou os [seus] jogadores, que segundo o próprio, tiveram um comportamento “muito digno”. Se fosse apenas um caso de paranóia passageira, ainda vá, mas o quadro afigura-se de contornos a aflorar o sobrenatural. Após 4 derrotas e encaixe respectivo de 12 golos, Carvalhal está plenamente convencido que é o treinador do Imortal de Albufeira. Os (seus) meninos, esses, convenceram-se que são uma equipa de iniciados denominada Academia de Alcochete, com alguns menos jovens a colorirem uma amizade fraterna, gravitando num mundo de graúdos mauzões, de Magalhães em punho, a fugirem risonhamente aos deveres de casa. As invectivas dos adultos, leia-se, dirigentes, entram a 100 e saem a 200, assim como os piropos (para não dizer outra coisa) dos adeptos, exigentíssimos(!), e já agora, como entram os golos. Esta confraria de mimados, supostamente imberbes (sem esquecer os rapazolas que “mandam”), habita risonhamente um limbo de entremeada felicidade e caixão à cova. Esquecem-se, todos, que antes da sportinguização do seu mundinho, Alexandre o Grande, aos 31 anos, e até antes, já havia conquistado parte do mundo antigo e todas as noutes papava dois garrafões de vinho. Do mal o menos: mandem-nos empalar junto à estrada que não vai dar a lado nenhum…

fevereiro 02, 2010

Olha o bife e um gajo ainda fica como o Ozzy


Um jogo de bola é apenas um jogo de bola. Certo. A morte do artista, leia-se, Sporting, ocorre(u) logo no primeiro acto. À parte disso, não temos mais sonhos no mundo. 
Tecnicamente, e para espingardar, o Sporting está já ali ao lado do
(cabrão) Belém, descendo as calcinhas com um ronronar imperceptível mas dinâmico, caminhando inexoravelmente para a puta que o pariu…


Sandes de queijo

Entretanto, e a páginas tantas, como diria o milinho, vou definhando já perfeitamente enquadrado no milieu das dores. É para aprender? Não é. Sempre a considerar…

janeiro 28, 2010

por agora é apenas isto depois de um atum em lata com batatas, cenouras e ovo ao jantar:

Até me enervo. Por pouca coisa, diga-se, porque não há um casting para os [estes] dias. Um gajo tem que aprender sozinho, e assim sucessivamente…

janeiro 26, 2010

da política

“Há ausências de memória, ou mentiras, que assustam; abrimos os ouvidos, esfregamos os olhos, sem saber se fomos enganados pela vigília ou pelo sono[…]Não percebemos se este homem recebeu da natureza uma autoridade tal , que tem poder para recriar ou aniquilar a verdade”.

Das “Memórias de Além-Túmulo” de Chateaubriand, sobre um tal de Talleyrand, que fora ministro dos Negócios Estrangeiros de Luís XVIII, in “Um Diário de leituras”, de Alberto Manguel. As “Memórias” do Chateaubriand não são fáceis de arranjar por aqui…



janeiro 25, 2010

Das noites

Um gajo entaramela uma pergunta:

“o que está a dar [na televisão]?”

E escuta(invariavelmente):

“O costume…”


...

janeiro 23, 2010

A semana requentada


Não sei bem, mas um destes dias, um destes dias, com a camisinha aberta até ao início do fim do diafragma, onde de resto (não faço por menos) pontificará um Cristo pendurado em prata de lei, entre convulsões mais ou menos enérgicas resultantes do consumo excessivo de espumante fita azul, comentarei, entre pratos, a notícia da semana; a saber, o Ricardo Sá Pinto, contra todas as expectativas, violentando um ex. caixa de supermercado que ganha agora 120.000 ouros, assim por alto. Por agora, não sei bem porquê, deambulo com o Chatwin, entre uma assoalhada e outra, enfarpelado de mutante intrépido, à procura de um tal Ravenstein, saído da pena de um gajo mais ou menos americano: um tal Bellow. “De belouuu não tinha nada”, remata o desaparecido Alfredo, menos fresco de que uma alface, e não é para menos, depois do temporal que se arremeteu contra as estufas do oeste. Depois, se tiver vagar, ainda vou ao youtube, guarnecer a minha sapiência de notas sobre fruta, bola e o sr. Pinto da Costa. Mas isso será lá mais para o fim da noite, quando encontrar o Céline espalmado numa vidraça, como consta numa obra apócrifa de um (outro) amigo meu. Que é um regalo para as vistas...

janeiro 20, 2010

Arroz de tomate e feijão com panadinhos

Estaria quase? Andávamos em experiências, envolvendo os nossos devaneios e um corte e sutura que não nos levava a lado algum.Em sintonia, cada vez mais, um conjunto inexorável de certezas acentuava o nosso falhanço: estávamos quase, quase lá. Por exemplo, cada vez menos leituras nos acompanhavam os dias, embora nos sonhos, entre o regurgitar solitário de um trabalho e outro, elas lá estivessem, as leituras, ou o seu negativo, sem se conseguir determinar a existência (visível) de livros, objecto indeterminado. Em cada momento, o seu contrário nos recordava o passar inexorável do tempo, sem que este jamais se apoderasse (a início) das coordenadas da nossa vida. Uma porta ali; uma pedra familiar acolá. E nada, nadinha de espaços com sentido abstracto, tudo palpável, concebível e, presumivelmente justo. Quem sabe com direito a férias…

janeiro 19, 2010

Afinal de contas uns enchidos e vinho tinto

Ali ao lado, um no parking afere cada visita como se fosse sua. Não é. Mais, só se for o rosto fechado de um conhecido quando, por acaso, nos cruzamos num desses túneis pedonais que nos carregam para o outro lado de um prédio em escadinhas sinuosas. O prédio, já de si desnecessário, alicerçou a ventura de um túnel, inventado para estes cruzamentos de poucos metros, justificando umas arrobas de cimento armado e afins. A gente até imagina o outro lado, é ali, ali mesmo, pouca coisa, e já está a subir um sobejo de empedrado que lá ficou à deriva de qualquer fôlego intervencionado. De resto, ah, aquele rosto, ali atrás, faz pitorescamente parte de uma paisagem interior, literalmente interior, alheia à sua própria passagem. E é muito mais fácil não nos cruzarmos. É para isso, julgo, que serve a modernidade: uma passagem, sem afectos, e afinal de contas, de encontro a um antigo empedrado. 

janeiro 17, 2010

"Nostalgia do interior"

À pergunta título de um livro do Chatwin "O que faço eu aqui?", a resposta enigma, singela e intermitente de Walser, algures num trilho esquecido: "As fadigas, os grosseiros esforços necessários para alcançar honras e fama neste mundo, não foram feitas para mim". Insatisfeito, pensei, não sei bem porquê, em Ruy Belo, e nesse instante que invoca um outro recente, sentei-me e li:
"Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?"
"Quanto morre um homem" enquanto procura o seu interior...

janeiro 10, 2010

A trincheira I: e se?

Não demora nada. Mas demora. Tudo isto pesa. Escrever, escrevinhar sublinhe-se, sobre cada coisa, qualquer coisa, e depois retomar, ainda assim não vem mal nenhum ao mundo, pois tudo entardece, como diria um amigo, na ventura de um segundo. Cada vez mais reconheço na maturidade a superficialidade de um desperdício: e se…? Certamente não me arrependo, enquanto no balouço imaginário da corda ao pescoço, ainda percorro um caminho. E depois o para onde?, cada vez mais, um passo à retaguarda, pese esse trilho torto que descai invariavelmente para um abismo. Não escolho. Não tenho como. 

hoje amanheceu mais ou menos assim (e com alguma neve)



O Inútil está de volta...