maio 31, 2012

As palavras vãs e as palavras-chave

– Tem de haver sempre em França dois partidos – continuou monsieur de La Mole; – dois partidos não só de nome, mas dois partidos bem claros, bem distintos. Precisamos de saber quem é que devemos esmagar. Por um lado, os jornalistas, os eleitores, a opinião, em suma: a juventude e todos quantos a admiram. Enquanto ela se atordoa com o rumor das suas palavras vãs, nós temos a vantagem certa de poder recorrer ao tesouro.

“ O vermelho e o negro” (pp.327), Stendhal. Tradução de José Marinho. Relógio de água.

Foi logo pela manhã: where the darklands are - e com um sol do caraças!



and i awake from dreams
to a scary world of screams
and heaven i think
is too close to hell

maio 29, 2012

["A hipocrisia, para ser útil, deve ocultar-se"]

“Os salões da aristocracia são agradáveis para se dizer que se esteve lá, mas é tudo. A total insignificância, as conversas vulgares, sobretudo aquelas que vão para além da hipocrisia, acabam por impacientar. A delicadeza, por si, só impressiona nos primeiros dias. Era o que Julien sentia. Depois do primeiro encantamento, sobrevinha o espanto. A «delicadeza», dizia ele, «não é mais do que a ausência daquela espécie de cólera própria da brutalidade».”

O vermelho e o negro” (pp.266), Stendhal. Tradução de José Marinho. Relógio de água.

salão

maio 27, 2012

Adeuses ao bacalhau

anjoinútil produções

Sábado à noite. Um repasto digno dos deuses, isto atendendo que Vénus, na pena de Camões, nos augurava herdeiros dos romanos, calhando, dignos até dos seus deuses, não se percebendo a divergência de Baco, um dos nossos predilectos, afinal. E entretanto um verdadeiro bacalhau com natas, acompanhado por salada, azeitonas (das viçosas, pequeninas e ainda com raminho) e picles (para cortar), não esquecendo a broa de milho, a preceito. Perfeito. Terá cozinhado Vénus?

maio 25, 2012

E insensível às salsichas com chucrute


“Após alguns meses de constante aplicação, tinha ainda o ar de quem pensa. A sua maneira de baixar os olhos e de contrair a boca não revelava a fé capaz de acreditar em tudo e de tudo suportar, até mesmo o martírio. Era com cólera que se via suplantado nessa postura pelos mais rudes camponeses. Havia boas razões para que eles não tivessem ar de quem pensa.”

“ O vermelho e o negro” (pp.159), Stendhal. Tradução de José Marinho. Relógio de água.

É disso que se trata: as portas da percepção



Estive a (re)ouvir o álbum homónimo dos The Doors, editado em 1967. Volto sempre. Fica ainda melhor, após longo pousio. Músicas renascem, outra vez, mesmo o desgastado Light my fire, quase sempre todas as restantes. É menino para se ouvir do início ao fim. Não há ali nenhum tema que nos apeteça apelidar de tema, é tudo canções, boas canções, dificilmente alinháveis à época, nunca catalogáveis, estupidamente intemporais. Reconheci-me, tempos outros, numa velha marquise, assistindo desafinado, tim-tim por tim-tim à sequência do disco. É disso que se trata.

maio 23, 2012

Oh, fale-nos um pouco de si, Monsieur Julien


"Não se deve pensar muito mal de Julien; inventava correctamente as palavras de uma hipocrisia cautelosa e prudente. Não estava mal para a idade. Quanto ao tom e aos gestos, tinha vivido com camponeses e faltara-lhe o convívio dos grandes modelos. Mais tarde, mal lhe foi dado aproximar-se desses senhores, conseguiu rapidamente tornar-se tão admirável pelos gestos como pelas palavras."

“ O vermelho e o negro” (pp.45), Stendhal. Tradução de José Marinho. Relógio de água.

The dubufe family

maio 22, 2012

Bomba psicadélica roque



Para que conste, o tema aqui escolhido é de 2009, e tem cerca de 9:38m de puro som. Pertence aos Black Bombaim, uma banda de Barcelos, o que se afigura como não de somenos, tratando-se da cidade mais iminentemente marada que eu conheço, e à qual pertenço por cordão umbilical indelével - cuja raiz remonta a tempos castrejos e quimeras de anjos inúteis.

Os BB lançaram agora, ao que parece, o 2º álbum “Titans”… já com convidados à fartazana, iminências e crocodilos a fazer de dinossauros.

maio 18, 2012

Pacotes de transparência


O ministro Relvas, sem se rir muito, exibe-se, por Braga, revelando-nos o seu desígnio de um pacote de transparência. Carecemos. Que sim senhor, carecemos. Ontem, ao final da noite, num desses programas a metro informativo, na TVI24, um dos intervenientes condescendendo, remata certeiro - o tema era a justiça e as prescrições em série - sobre os pobres cá em baixo: oh, que sim, “têm o direito à justiça mas na prática não conseguem ter direito à impunidade”. Apenas isso. Impunidade… que outros conseguem. Uma questão metafísica relacionada com capital disponível. Escreve Camilo Castelo Branco, no seu “Senhor Ministro” que, na “assembleia do género humano, havia famílias que pareciam umas latrinas das fezes das outras”. De tão transparente, o dito parece-nos perfeitamente adaptável.


lenceria

maio 16, 2012

"We're on a road to nowhere"


Desemprego oficial atinge novo recorde de 14,9% no primeiro trimestre.

road

Duas vítimas inconscientes da mesologia

A meu ver, a Gaitas que fazia o seu Paradou em todas as carvalheiras bem copadas, ou nos amieirais das orlas do rio, assistiu a alguma cena edénica daqueles dois seres primitivos, dasabados da sua inocência por terem aceitado da mão da natureza orgânica, insidiosa o pomo vedado. Foi a ciência, é o que foi. Ele de mais a mais sabia o que Adão nunca aprendeu – traduzia o Eutropio, já tinha lido o Meu Vizinho Raimundo de Paulo de Kock, e alguns capítulos do Velho Testamento. Ela é que estava pura e analfabeta como Eva – uma besta mociça, sem mácula de ABC quando caiu não sei em que devesa – quem o sabia era a Gaitas e os justos céus, onde está o olho iniludível do criador disto e daquilo.”

“Senhor Ministro” (pp.41), Camilo Castelo Branco, Edição Vega.

maio 08, 2012

O caderninho de papel velino, perfumado, encadernado em marroquim


“Felícia estudou muito, com um grande desejo, e em poucos meses lia com desembaraço e escrevia fonicamente. Quanto a exprimir-se, não vingara defecar-se das parvoíces inveteradas. O abade não lhas corrigira no trato íntimo de dezasseis anos, por entender que a gramática lhe era tão supérflua que nem os abades precisavam dela, quanto mais as criadas.”

“A Corja” (pp.70), Camilo Castelo Branco. Edição Ulisseia.

cool?

maio 03, 2012

Forte na brejeirice com grandes brutalidades montesinas


"Não tinha ideal; era um estômago com algum latim e muitas féculas; lia as Geórgicas de Virgílio à sombra dos castanhais, de papo arriba, à perna solta, como um grande rafeiro aganado dos calores de Julho que regala o ventre nos refrigérios da bafagem.”

“Eusébio Macário” (pp. 49), Camilo Castelo Branco. Edição Ulisseia.