fevereiro 27, 2009

Mendigos e Altivos

"Mendigos e Altivos", Albert Cossery, edição Antígona
Um mendigo foi condenado em Barcelona por ter roubado um pão, digamos, com alguma violência. Foi notícia rápida na prateleira das curiosidades. Por cá, uns dias antes, não muitos, o sr. Névoa com aquele seu ar azeiteiro de quem acabou de almoçar um cabrito inteiro, 25 bolinhos de bacalhau e duas doses de papas foi igualmente condenado, mas por corrupção activa para acto lícito (não me canso de rir enquanto a espuma me jorra da boca à conta deste lícito), e respectiva multa. O mendigo, cujo advogado foi pago em sementes de sésamo juntas ao longo dos anos, foi condenado, obviamente por acto ilícito. À saída terá afirmado que um ano passa depressa na pildra e que por lá sempre se come qualquer coisita. Interrogado sobre se declarava culpado, apenas retorquiu que “quem tem cu tem medo” numa clara alusão às vicissitudes da cadeia.
Entretanto joga-se no loto e este fim-de-semana é garantido um coliseum cheio. 

fevereiro 26, 2009

coisas do espírito

O silêncio morde
Endurece as veias
Rasga e borda seu nome
nas sobras do corpo
cingindo-o

Um rosto de pedra
assoma
e mais além cresce

Tudo isto na sombra
de perfil
rente à abóbada de um segundo

"e as paredes brancas", II Poema, in "Poesia em Miniatura" de Fernando P. Ginja, poeta e amigo, desaparecido algures no mundo, qual Rimbaud intrépido, sem arma a tiracolo e bem capaz de se amarrar a qualquer galho. 

adenda: imagem cedida por casoual.files.wordpress.com

fevereiro 24, 2009

uma patuscada de libido


 "A Origem do Mundo", Gustave Courbet


A pândega é todo o ano. Depois do sr. Névoa ter sido condenado em tribunal a pagar 5 mil euros de multa por sido dado como provado o crime de corrupção activa para acto lícito (a coisa parece que é diferente quando há tentativa de corrupção activa para acto ilícito – isto tem qualquer coisa de obsceno) e o dito sr. grunhir que não terá cometido nenhum erro (assim sendo vai continuar a fazer o mesmo), eis que na mesma cidade do sr. Névoa, Braga, a PSP apreendeu numa feira de livros de saldo alguns exemplares de um livro sobre pintura. A polícia considerou que o quadro do pintor Gustave Courbet, reproduzido nas capas dos exemplares, era pornográfico, adiantou uma fonte da empresa livreira. Como? Apreendeu? Sem rir, ia referir que o referido quadro até está exposto num museu, mas depois recordei a censura (mais tarde deu-se o dito pelo não dito) carnavalesca no caso Magalhães e fui fazer as malas…

fevereiro 23, 2009

na pele de um comentador: o carnaval aqui não é todo o ano?

enquanto os folhetins do burgo enaltecem, cada qual no seu bueiro, a perfídia mais rudimentar e um total desprezo pela coisa pública (e não raro privada) de uns quantos autodidactas da sacanice, profissionais da política azeiteira e verdadeiros idiotas a tempo inteiro (que saudades dos sazonais); enquanto isso dizia eu, e enquanto na padaria, ainda assim, se discute uma multidão de nadas e pelos cantos se “polemiza” entre panadinhos guarnecidos de dúzias de maleitas, medicamentos e carneiradas, e quando tudo fundeia à martelada e com banda a acompanhar, outros vão a banhos de carnaval sem mais folia que um bloco de mármore a armar ao festivo. Até nisso fancaria. 

adenda: não confundir carnaval com entrudo

fevereiro 19, 2009

junto ao osso

A minha camisola de manga curta nova

Depois lembrei-me que os Smiths até têm uma música (creio que se chama "That Joke isn’t Funny Anymore") em que o Morrisey canta com indolência a queda, a sua e a dos outros. Ele viu-os. Por isso já nem é anedota e por certo não terá piada pois é demasiado perto de casa (lar) e junto ao osso. Ia a pensar nisto quando me ocorreu que já tinha pão em casa, logo não precisava de ir à padaria, e que todos estes pensamentos, afinal, me recordavam outras caminhadas sem norte que as valha. Decidi continuar quando reparei que a minha t-shirt nova (que não largo há 3 dias) se enquadrava bem neste passeio labiríntico que é a vida. Pensei em Sebald, nas suas intermináveis caminhadas, nos seus medos e nos encontros e desencontros da sua escrita. Mais uma encruzilhada e de repente tudo coincide num ponto. Chegado a casa optei por adiar a sandes estratosférica que ando a congeminar, devidamente encaixada numa base de dados de sandes que estou a criar e a compilar para quando concretizar o sonho de ter uma roulote de comes e bebes com música e biblioteca chamada “Andanças com Heródoto e Borges” (o nome é roubado). Dizia eu que adiei a sandes e abri um livro e li: Para onde vão eles, os mortos de Buenos Aires e São Paulo, da Cidade do México, Lagos e Cairo, de Tóquio, Xangai e Bombaim? Um mínimo, talvez para a cova fria. E quem se lembra deles, quem se há-de lembrar? Recordar, guardar e conservar, escreveu Pierre Berteax já há 30 anos sobre a mutação da humanidade, só teve uma importância vital num tempo em que a densidade da população era baixa, poucos os produtos que fabricávamos e só o espaço era abundante. Não se podia prescindir de ninguém, mesmo depois de morto
Isto escreveu-o W.G. Sebald num texto denominado Campo Santo, que faz parte de uma compilação homónima editada pelo teorema. Decidi voltar à confecção da sandes. 

fevereiro 17, 2009

cantavam os TAXI: quem vê TV sofre mais que no WC

Para além do Sumol já não ter o mesmo sabor que nos idos oitentas, também a televisão derrapou para um sítio que eu sei lá. Do Sandokan só ficou a roulote das bifanas. A Twilight Zone perdeu-se na Twilight Zone. Filmes só para noctívagos idiotas que não se importem com as constantes mudanças de programação e intervalos com a duração de telejornais (dos nossos). Depois temos o programa da Sr. Fátima C. Ferreira a simular orgasmos e barricadas. Todo o espírito do dito se encaixa numa pequena frase que a dona Fátima lançou algures no acalorado (suposto) debate para um dos seus assistentes (num sussurro audível – é o problema dos directos): “aquele não fala mais…aquele já não fala mais”. Cale-se também dona Fátima, por favor.

fevereiro 16, 2009

"ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste..."

As paixões dormem, o riso postiço criou cama, as mãos habituaram-se a fazer todos os dias os mesmos gestos. A mesma teia pegajosa envolve e neutraliza, e só um ruído sobreleva, o da morte que tem diante de si o tempo ilimitado para roer. Há aqui ódios que minam e contraminam, mas como o tempo chega para tudo, cada ano minam um palmo. A paciência é infinita e mete espigões pela terra dentro: adquiriu a cor da pedra e todos os dias cresce uma polegada. A ambição não avança um pé sem ter o outro assente, a manha anda e desanda, e, por mais que se escute, não se lhe ouvem os passos. Na aparência é a insignificância a lei da vida: é a insignificância que governa a vila.  

"Húmus", Raul Brandão

fevereiro 13, 2009

o dia a dias

"Persepolis", adaptação da obra homónima de banda desenhada da iraniana Marjane Satra. Realizado e escrito por Marjane Satra e Vincent Paronnaud (2007). Ímperdível,  mas não passa (nem passou) em todos os cinemas. Resta o circuito DVD.

A história recente do Irão (eu prefiro Pérsia) cruzando-se com a história de uma mulher. O país e a mulher estilhaçam-se. Até hoje. Estão longe e ao mesmo tempo perto um do outro. Foi Italo Calvino quem nos revelou que a cidade não nos conta o seu passado, antes contém-no como as linhas de uma mão. O mesmo se passa com o ser humano: cada ruga, cada sinal, cada olhar, contém o seu passado. No final, como insinuava Borges, cada rosto é um mapa. Cada sulco deste, uma linha que encerra uma história. 
Pouco, ou nada, se sabe a ocidente desta Pérsia de hoje como da de ontem. Num fabuloso romance histórico “Criação” (Edição Dom Quixote), Gore Vidal transporta-nos para o império Pérsia do século V a.C., cruzando Dário e Xerxes, seus soberanos, com Buda, Confúcio, Heródoto, Péricles e Sócrates. Um dos períodos mais estimulantes da humanidade. O protagonista do romance é neto do profeta Zaratustra e embaixador da Pérsia. Viajante incansável, oferece-nos uma perspectiva notável da época, ao mesmo tempo que nos revela as tradições e a história de um império gigantesco às portas da Europa. Sem esquecer a fundação de Persepolis, a cidade dos reis, hoje um gigantesco museu ao ar livre. 

fevereiro 06, 2009

a sua passagem por cá não foi "inútil"

Achei estranho ontem à noite passar os Cramps na rádio. Até comentei isso. Hoje soube porquê. Morreu Erick Lee Purkhiser, ou melhor, Lux Interior, fundador e líder dos Cramps. 

fevereiro 05, 2009

um processo: uma estória contada de memória e em cima do joelho

Imaginem um tipo (tipo investigador) que necessita de consultar determinado acervo em arquivo, disponível (todos os indícios contribuíam para tal pensamento) para consulta. Este tipo, tipo investigador (não, não é investigador tipo PJ) desloca-se ao local: uma instituição estatal, guarnecida desse tal acervo em arquivo (segundo as más línguas num local pouco aprazível com visitas de pombas e outros animais acolhedores, o que apenas aguçou mais o interesse do tal investigador tipo), abre a porta (logo estava aberta ao público) e entra placidamente depois de ter recusado um Euro a um (outro) tipo encostado à porta que nada tinha que ver com a instituição mas que necessitava de, segundo as suas próprias palavras, “pelo menos um euro”, ou “mais coisa menos, coisa” para, digamos, uma situação. O investigador subiu depois umas escadas. Que pena não serem em caracol para nos preparar para o cenário seguinte: duas senhoras, uma de pé vestida como quem anda por casa e tem um quintal e uma outra sentada, de bata, segundo lhe pareceu e (o investigador jurou-me) a fazer croché, acomodavam-se no hall. Por momentos o investigador recuou, talvez se desse o caso de se ter enganado. Olhou e viu um guichet. Salvo. Mas ninguém lá dentro. A senhora que estava de pé interpelou-o perguntando ao que vinha. Ele explicou. E tal…”consultar o arquivo para um trabalho de investigação no âmbito” de tal e tal, e se for necessária uma “credencial” e tal. A senhora ouvia sem perceber patavina e foi “consultar uma colega”. Cinco segundos depois já lá estava a explicar que não havia problema, ter-se-ia que marcar umas horas para que um colega pudesse estar presente para o “acompanhar” e sabe-se lá mais o quê . O investigador acrescentou que a coisa deveria “ser demorada” e para várias visitas logo o colega…”não faria mais nada”… e que de qualquer forma seria de “todo desnecessário”, mas a senhora apenas acrescentou que deveria enviar um E-mail com o que procurava e a disponibilidade, pronunciando E-MAIL muito devagarinho, com solenidade a até orgulho. Apenas aí o investigador compreendeu estar perante uma espécie de plano tecnológico travestido de fato de treino e chinelas. Perguntou a morada do E-mail. A senhora respondeu, algo seca e até com algum desdém: “é tal”. 
Na rua o investigador meteu a viola ao saco. “Basta um E-mail”, pensou…
No dia seguinte enviou o tal E-mail explicando a situação ao pormenor incluindo a deslocação ao local, afinal desnecessária, e descrevendo com minúcia o que pretendia e a sua disponibilidade. Dias passaram. O investigador convence-se que o trabalho na instituição deve ser sufocante para nem sequer haver tempo para responder. Mais uns dias e ele decide-se por…enviar outro E-mail solicitando a visita e enviando o anterior em anexo. Mais uns dias. E outros. O investigador telefona. Ninguém atende, uma, duas, três vezes. Finalmente uma voz ensonada, que no entanto ganha logo tom de funcionalismo público, responde do outro lado. Ele expõe a situação. Ela deixa-o expor. No final diz-lhe calmamente que, enfim…vai “falar com uma colega”. “Só um segundo”, diz. Volta mais tarde e aplica o mesmo “só um segundo, sim” mas este com música. De volta à música explica que de momento não pode ajudar porque a “colega dos E-mails está ao telefone…será que pode ligar mais tarde?”. “Colega dos E-mails?” rosna um já completamente desorientado investigador… “colega dos E-mails?...” ainda se ouve. Entretanto após várias tentativas para obter ligação telefónica, parece que o investigador optou (e a nosso ver bem) por dirigir-se ao local mais uma vez e, não obtendo resposta concreta, contactar “alguém” que já lá tenha estado ou “conheça” aquilo por "dentro". Não basta fazer obra, edificar, ter ideias. Andamos nisto das ideias e da obra há séculos. simplesmente é necessário que as coisas funcionem. E já agora as pessoas saberem, em cada local, o que estão ali a fazer…

fevereiro 03, 2009

dependurados

Por acaso até vi os primeiros minutos do programa da dona Fátima Campos Ferreira. Mas não vale a pena sequer tentar explicar aquilo. No Porcalhoto a criançada esboçava um ar sério propício ao bocejo, mas aguentava-se sem implorar para mudar para os Apanhados ou coisa parecida na SIC. No dia seguinte teria que assinalar posição, já se sabe. Eu, supostamente distraído com a leitura dos classificados, essa espécie de organismo inválido parente do centro de emprego, mantinha-me langorosamente nas mesmas páginas, ora para trás, ora para a frente, já que a meu lado o Sr. Alberto Sapateiro espumava por ler a secção da necrologia pertencente ao mesmo caderno. Entretanto, sobre a actualidade, acompanhada a par e passo e a cada minuto na comunicação social, dos despedimentos, apenas ultrapassada pelos directos sobre as condições atmosféricas, deixo-vos um texto que encontrei no Georden.

fevereiro 02, 2009

mais uma moedinha mais uma voltinha

Parece-me que, ao contrário do sociólogo Sr. Alberto Gonçalves que escreve aos domingos uma página inteira cheia de polpa (de tomate) no DN, não consto da lista daqueles a quem o futuro augura um conjunto de alvíssaras, seja no plano sociológico, económico/financeiro, seja como escriba (insolente?) politicamente (in)correcto, a não ser talvez se voltar à hotelaria (prefiro o balcão mas previno que rende poucas gorjetas). Todavia, para que conste, também já viajei de ALFA e igualmente (pasme-se) aprecio escutar os outros, principalmente quando não tenho outra hipótese. Posto isto, devo expressar que as minhas relações (actuais) com pistas, sejam elas de automóveis, dançáveis ou outras se resumem a uma pequena de comboios (com locomotiva Americana da 1º metade do séc. XX de cor preta e carruagens vermelhas), a qual apenas aparelhei uma vez (embora aqui não acreditem e eu não tenha testemunhas) num exíguo espaço que resta do atafulhado escritório, e presto-me então para uma 2ª montagem já com o gato a filmar em formato digital. Desta forma estou à vontade (e advirto que não tenho qualquer afinidade com automóveis) para, pese a minha indiferença com o andar da carruagem do país, ainda assim louvar a lata, de uma impudicícia (e já agora com naturalidade) sem nome deste gajo: se o estado me der o dinheiro trago a F1 para Portugal, declarava em entrevista ao DN de ontem o Sr. Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP).E você o que faria se o estado lhe desse dinheiro?...