Os raios brancos jorram dum tinido de bainhas, a porta roda nos gonzos e
o homem aparece, lívido, entre duas manchas negras. Calvo, de crânio polido,
cara barbeada, os cantos da boca metidos para dentro como os dos velhos dos
asilos, a camisa largamente cortada, um casaco escuro sobre os ombros, ele
caminha afoitamente; e os seus olhos vivos, inquietos, perscrutadores,
percorrem todas as caras; o seu rosto volta-se para todos os rostos com um
movimento compósito que parece feito de mil tremores. Os seus lábios estão agitados;
dir-se-ia que murmuram: «A guilhotina! A guilhotina!» Depois, cabeça inclinada,
o olhar penetrante fixado a direito na linha da báscula, ele avança como um
animal que puxa a charrua. De súbito, choca com a prancha e da sua garganta
eleva-se uma voz fina, acre, como um tilintar rachado, com uma nota alta, aguda,
sobre a palavra assassino duas vezes repetida.
Um batimento surdo; uma manga de sobrecasaca com a marca branca da mão
sobre o prumo esquerdo da guilhotina; um choque delicado; um movimento de
pessoas para a fonte sangrenta que deve jorrar; a cesta escura e luzidia
atirada para dentro de um dos vagões; trinta segundos para tudo isto desde a
porta da prisão.
“Instantes”, in Coração Duplo, vol.2. Marcel Schwob. Tradução de Raúl Henriques.
Cavalo de Ferro.