junho 30, 2008

Hoje amanheceu assim

Na maioria dos casos as pessoas, mesmo as mais facinorosas, são mais ingénuas e simplórias do que pensamos. Nós próprios também.

junho 27, 2008

Teatro dos sonhos

Teatro Romano de Braga

Hoje, a sério, quase fui ao teatro. Evoco os Gregos a enlaçar a vida num palco em anfiteatro. Recordo Coimbra num desmascarar de corpos em audições, idas, vindas, idas, vindas, de um ensaio. Gente sem pasmo, sem leituras, sem pensamento. Gente a vir de um ensaio. Raramente encontro peças que valham a lembrança de um cotovelo na face. Um murro fechado na sombra. O café (que já não existe) circunspecto recolhe esses artistas da coisa artística.
Mais devagar, escolho um Orson Welles a timbrar um verão de enganos. Um vagão arejado. Ao menos, posso fazê-lo.

junho 25, 2008

1913-2008

Na terça ou quarta-feira já tinha percebido qualquer coisa a luzir acerca de Albert Cossery. Não associei. Andava a pardalar. Hoje, após uma salada fria de bacalhau e tês copos de um branco maduro a latejar no silêncio do meu quintal, confirmei a notícia. A leste como ando de quase tudo levei com a porta já fechada na cara. Um dos poucos gajos realmente livres deste mundo tinha-se ido. Fui lendo, ao longo dos anos, grande parte da obra (apenas oito livros) deste egípcio parisiense. Apartei-o da estante e reli qualquer coisa, ao acaso. Já havia escrito aqui um artigo dedicado ao escritor que me acompanhou em alguns dias. Sem pressa de o fechar, releio, enquanto escrevo, algumas páginas de “As Cores da Infâmia”. Sei agora, sempre o soube, que tenho um tornozelo e respectiva argola ligando-me, exilado, a este mundo. Acendo um cigarro e, devagar, acrescento um uísque ao burburinho da cidade que é o silêncio mais vazio. Fim.

SE QUISEREM VENHAM BUSCAR-ME!

Foto Anjo

junho 23, 2008

I Kant?

Via http://matria-minha.blogspot.com

É necessário não ter ilusões. Desmamar-se rapidamente de todo e qualquer procedimento que enfraqueça a espírito. Aprender. Recusar-se a não aprender. Sovar bem sovados os sinistros representantes da insidiosa e bovina pasmaceira do burgo.
Hoje é véspera de São João, anteriormente foram os dias São Selecção nacional e era vê-los (os Tugas) ontem a festejar em Genebra a vitória de Espanha. Para a semana, já notificaram, torcerão pelos Turcos. É imperativo comemorar sempre qualquer coisa. Já agora, eu torço (o pescoço) pela Rússia. A silly season é todo o ano...

junho 20, 2008

Ontem como hoje

Agasalho a noite com seriedade. Resplandecente, a coxa de peru assada, ainda prevalece na sombra. Estava a ler Whitman, como um irmão em universo. Pessoa passava nesse momento, acanhado na sua frase. Ontem, após uma desmama de petingas com arroz de feijão, encontrei o mar e todo o sal na voz inconsolável da lua. Grande. Parece que a equipa de todos nós tinha perdido uma jogataina com os inválidos da Alemanha. Sem desnorte, acolhi a derrota com uma colecção inviolável de cervejas de ponta. Sem mola. À chegada, a casa vivia nos livros e no gato, com a noite já encolhida no travesseiro. A ilha da televisão, atarantada, nutria os desvarios da noite com uns senhores a falar sobre os espaços entre linhas da defesa portuguesa. Sonhei então um vale a verdejar entre labirintos antigos. E reis. E batalhas verdadeiras.

Oh, uma canção para a selecção!

And I know it's over - still I cling
I don't know where else I can go
(Over and over and over and over
Over and over...)
I know it's over
And it never really began
But in my heart it was so real

"I Know it´s over", The Smiths

http://www.youtube.com/watch?v=Yz5JtWNwJ-k

junho 19, 2008

Olhe que não, olhe que não...

Estava a ler "Gulag- uma história", de Anne Applebaum quando, a páginas tantas, deparo com uma passagem em que um investigador (eram assim denominados) afirma a um detido, (sabemo-lo pelas suas memórias): “nunca prendemos ninguém que esteja inocente. E mesmo que você não fosse culpado, não poderíamos libertá-lo porque nesse caso as pessoas diriam que andamos a deter inocentes”. É perfeito. Recorda-me um conto surrealista de um escritor Catalão, Pere Calders, lido há muitos anos e citado de memória em que, a dada altura, cresce (ou surge já crescida) de forma inopinada uma grande árvore na sala de jantar de um individuo. Este, atónito, comunica o facto às autoridades, que lhe respondem que tal não é possível. O homem insiste. E, mesmo que tivesse acontecido, já imaginou (acrescentaram) o que diriam as outras pessoas, o mundo ficaria de pernas para o ar. Não, realmente não se imiscuiu nenhuma árvore na sua sala de jantar. Olhe que não…
A realidade ultrapassa, em muito, qualquer ficção.

junho 18, 2008

Cresçam e apareçam

Já quase não perco tempo com telejornais. A coisa oscila entre as 24 horas de Le Mans e o açougue jornalístico. Hoje porém, numa brecha das iscas de futebolada, deparei com a Sra. da educação no jornal da SIC. Não ficou muito longe de ir às fuças ao jornalista que, com as suas bíblias (segundo a Sra.), contrariava o elevado pensamento ministerial. Sublime. A Sra. e o Sr. jornalista nem precisam de recorrer a estatísticas ou a carolas de sapiência reconhecida(?). Não se macem. Basta ler os exames. Aquilo é para degredados mentais, petizes da escola primária e felinos em part-time. O meu gato confirma-o. Miau.

junho 16, 2008

Já é segunda-feira?

“Não sou aquilo que leio”, dizia-me Alfredo, do alto de um guindaste de cervejas. Atendi, em tormento, o telemóvel, sem oportunidade de replicar. Pensei, não sei já se o terei dito, não sei, mas era qualquer coisa como não ser de companhia, sem reparar que parafraseava Pessoa, ou melhor, Álvaro de Campos. Nada disse. Acometi num soslaio de evidências, a minha perdição singela na escrita infinita. Tudo está escrito e, claro está, vamos à moda, reescrevendo. Pensei em Borges, um labirinto que vai de mim até ao sonho. Bebi mais uma cerveja e mais outra, afinal a selecção havia perdido por dois sem tirar, com a homóloga (é assim que se diz?) Suíça. Quis, sem força que a valha, disfarçar o azedume, com um Whisky a go go. A expensas de um ridículo bem-estar desejei um bom filme. Acabo a coçar a orelha, paredes-meias com o embaraço de retiro flamejado pelo domingo.

junho 14, 2008

Um desassossego

A bloguice é como a boa tasquice. Só vai quem quer, só se bebe com quem nos apraz, e sabe-se de umas coisas. Cheguei a esta pelo Portugal dos Pequeninos. E o PP chegou lá por outros. O caso prefigura a pançuda sociedade de pastosos bovinos que tudo acolhe, que tudo permite e consagra, numa modernidade parola de instalações e associações artísticas. Dá-se o caso que o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa mais a modernaça escrevinhadora (?) de folhetins tormentosos (com direito a bolsas mas não a um pontapé no cú), Inês Pedrosa, directora da Casa Fernando Pessoa, decidiram brindar o povo com um encaixotamento da lírica pessoana na cena hip-hop. Não tarda, está o Tony da Carreira e o Scolari a apregoar loas a Pessoa na selecção, com o Cristiano a dizer que o tipo até dava uns toques, mas não se recorda de o ver jogar.
O Mestre, a quem ninguém ligou peva em vida, ainda tem que levar com estas politicamente correctas e brejeiras demonstrações públicas, de quem não leu uma linha que seja.

junho 13, 2008

Foi num 13 de Junho de 1888

Fernando Pessoa

O homem foi muitos. Tantos, que me embaraço neste cantinho onde teço as minhas teiazinhas. Desses muitos, saliento agora um, pelo impacto no adolesceste dormente que era eu. Chama-se Tabacaria, e foi escrita pelo Eng. Álvaro de Campos, amigo e heterónimo de Pessoa.

Fernando Pessoa faria hoje 120 anos.

TABACARIA (Um fragmento)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida(...)

Álvaro de Campos, 15-1-1928

junho 11, 2008

O anjo em directo (da Suiça?)

Alfredo confidenciava-me, ainda há pouco, a sua incompreensão, pela degenerada e reduzida participação das hostes Lusas na paralisação dos camionistas e, porque não, do pessoal das pescas. “Afinal” dizia-me, “a gasolina sobe para todos, e a insatisfação grassa nas mesas de café, ou não é?...”. Por fim, acrescentava que, “paralisar não é morrer, e sempre dá para seguir as jogatainas, ópio encaixotado em embalagens diárias de calmante, à tripa forra. Parava tudo!"
O que Alfredo não sabe, ou não quer saber, é que a jogataina esfomeada, já enlatou as vozes em contentores de passagem livre. A jogataina, e o ego destorcido pelas arrobas de reportagens, esmagam a (pouca) vontade no carrossel das vitórias emblemáticas.

Viva Portugal!

junho 10, 2008

Hoje amanheci num planeta estranho?

Acordei a pensar que uma selecção de camionistas faria as delicias estratosféricas cá do burgo avinhado em êxtase e pataniscas jornalísticas. Entretanto fiquei a saber que os jogadores da selecção Sagres (eu aprecio a Boémia) comem alimentos açucarados horas antes do jogo, supostamente, afirma o pasmado jornalista, para lhes dar energias.
Informado até aos ossos de tão relevantes assuntos, assumo um ar grave e sento-me a reflectir.
Recordo parte de um verso (lapidar) do poeta acerca do acto de escrever, algo funesto e a milhas da importância do assunto acima citado, mas de alguma forma arrolado:

Ah! Arquitectar cadáveres
Enquanto sobe a gasolina!

junho 06, 2008

O amanhecer melancólico dos guindastes

O amanhecer possível, entre caixotes e mudanças da vida empacotada.

Sou um tipo anacrónico. Deveria ter nascido no século XIX em Itália, ou pouco antes, em qualquer lado. Ou se calhar, ainda mais atrás, em Cartago e seguir Aníbal contra essa mesma Itália, no dorso de um Elefante ou de um Cavalo. Ultrapassar os Pirinéus, e depois dançar desvairado, bem às portas de Roma, para ser derrotado mais tarde por cobardia alheia. Ah! o nascer do sol, entre montanhas, sangue, lâminas a tinir.
Maça-me esta confraria de objectos que nos mina o desejo, a vontade e a força, emparedando-nos irremediavelmente. Maça-me a membrana de vácuo que nos acolhe em milhares de imagens. Nessa projecção, esvaio-me até a um nascer do sol longínquo. Talvez lá consiga chegar.