o despido latim e as firmes datas fatais
a conjugação do mármore e da flor
e as pracetas com frescura de pátios
e os muitos ontens da história
hoje parada e única.
J.L Borges
Vivo abancado como um anjo no barbeiro. Rimbaud
Final da manhã. O sol debatia-se com um punhado de sombras de Fevereiro, perdido na encruzilhada da rua estreita. Encontrei-o meio envergonhado na vidraça da padaria, onde também li, por cortesia, as parangonas e publicidade da semana: professor oferece-se pau para toda a obra; senhora faz limpeza e afins com mestrado em engenharia das mesmas; procura-se gato e idoso. Meio cego, o gato e sem uma pata (não confundir com aquela senhora das novelas que tem vários handicaps). Alvíssaras para quem o encontrar, ah, e já agora o idoso que vestia…por esta altura já eu tinha decidido entrar à Marlon Brando no “Há Lodo no Cais”, fazendo soar os guizos da porta.
Uma vez lá dentro dir-se-ia que a atmosfera se assemelhava a um arbusto obviamente undercover. Nunca percebi a razão pela qual o SIS não recruta pessoal especializado em observação e detalhe na minha rua.
A sra. Dona qualquer coisa esfalfava-se num galão e torradas, o seu segundo pequeno–almoço, guardando o lugar há horas para a vizinha do lado, coitada, doente, mas ainda assim bem capaz de aparecer até às doze, se Deus quiser. O lugar estava seguro.
“Boa tarde menina” lançei, demasiado cedo, ainda muito longe do balcão, calculando mal a quantidade de sacos espalhados pelo chão, com meia dúzia de olhares ruminantes num soslaio mal servido. De caminho, dois ou três bom dia e com licença, entremeados com a artrose da Dona Sra., à qual ripostava o reumatismo e a gota da Fernandinha, senhora de si. A primeira, quase vencida ripostou anos de trabalho, filhos, devassas, sopinha e o diabo, mas o reumatismo entrincheirado de Fernandinha (sabendo-se de sua sorte com um tumorzinho antigo), mais a gota, resistia a qualquer veleidade mais agressiva. Olharam-me: “ menino…menino…”.
Ao escapar ainda pensei um “ minha senhora, lamento não acrescentar nenhuma maleita, que diabo, nem tenho ido ao Dr., caso contrário, nem queiram saber o que aqui vai, lamento…”. Todavia, já me encontrava a salvo, ao tropeçar num rapazolas magricela que emborcava uma super com ar de quem percebe da coisa.
Chegado ao balcão, saiu-me um Gin por favor em lugar do pão de água. O que me valeu foi a surdez da pequenita e a Santinha estar ocupada em escolher o pão santo e da saúde, um a um, para a velhinha do terceiro ao fundo da rua.
A leste, três papagaios revoltavam-se ao balcão contra aquilo que eles próprios denominavam de “sem vergonha…não há direito…”. Um soquete branco compunha um senhor de fato comprado nos trezentos com direito a Martini.
Dois graçolas falavam alto da sua posição no Banco.
“Quatro pães, menina” disse entre dentes, surripiando um sorriso amarelado à pequena. “ E que tenha um bom dia”…
Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração da cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?
Ruy Belo
Dos olhos e com amor
dizia-se perdido na penumbra sóbria
da biblioteca.
empreitada insuspeita de um solilóquio
mudo dos lugares.
na volúpia tresmalhada do sangue
a quantos a lerem
não disse ou escutou
deslumbrado no mar de outrora.
GP
O campo da Pontinha é um campo paradigmático.
Sr. Bitaites (ex. qualquer coisa do F.C. Porto e da Selecção. Homem da boémia mais paradigmática, soltando-se na Liga dos Últimos)
Caso raro (mas penso que não único), uma colectânea de uma banda com apenas um álbum (à época, The Smiths, 1984). Acrescentou-se uns “lados B” e uns takes de sessões da BBC. Para comprar e ouvir. Quanto a mim:
Em boa verdade, quando ouço falar em posições oficiais, lembro-me logo da pornografia mais reles. Também esta tem as suas posições. Também, para além de outras, terá as suas oficiais e oficiosas, a julgar pela cambada (altamente credenciada) que (sorrateira) destila pedinchando, um pouco de sexo.
Se vira o disco, ou o canal, é indiferente. Na esperança ténue de um carinho cinematográfico, ou à falta deste, um acrescento ao cérebro grelado pelas indisposições alcoólicas, conversas sem treta e arremetidas de sacristia, encontra-se, pois o pecado calça-nos os ouvidos, encontra-se todo um leque de relações bilaterais, com um jornalista a reboque de uma marquise em lugar da boca. Este escancaramento, mais as relações, ainda por cima de natureza bilateral, inevitavelmente me projectam para o domínio da pornografia e do putedo mais bravo. Melhor me recordam, mais o parecem, mas sem a verve, sem a magnitude esplêndida do prazer carnal desabrido.
Nisto e naquilo pensava eu, quando deu num remake súbito, a dança espasmódica do momento: as primárias na América. Eu ainda avancei um “que tipos atrasados, aqui já não se chamam primárias mas “2ºciclo” do ensino básico”, quando, a páginas tantas, lá dizia, a Sra. Clinton que depois de um Bush (o segundo) teríamos de ter um Clinton (uma neste caso), segundo(a) para limpar a casa. Obama à sua frente, excitado, quase lhe deu para o batuque. Eu pensei “ que raio, não esclarecem, neste caso, se também o Clinton de serviço vai trabalhar com o charuto?...”
Toda esta parcimónia e gentileza encerra mais olhos que barriga. Porquanto esta dicotomia ou maniqueísmo, mulher branca/homem preto… parece coisa de porno, não?
“When You Are Old…"
Cabeceares à lareira, pega nestes versos
E lê-os devagar, e lembra os universos
Do teu olhar de outrora, tão profunda teia;
Como tua beleza em falso ou vero amor,
E um só foi quem amou de tua alma o ardor
E do teu rosto a mágoa do mutável pranto.
Murmura um pouco triste que o amor se afastou.
Nos sobranceiros montes vagueante andou
E seu rosto escondeu na multidão dos astros.
W.B. Yeats
Devo o encontro com Cavafy a uma memória perdida e insuficiente, espraiada, todavia, num deslumbramento perpétuo pelas coisas. Reconheci-o (não tenho dúvidas que o reconheceria sempre) numa esquina inoportuna, esvaziada por um qualquer salafrário de sacristia académica, poisado, como um anjo, num saldo de hipermercado. Agradeci. Agradeci e morri mais um bocado.
A minha companhia anuiu. Também terei a minha Alexandria?
À noite ainda me sussurra: quando puderes…
Quanto Puderes
Se não podes fazer da vida o que tu queres,
Tenta ao menos isto,
quanto puderes:
não a disperses em mundanas cortesias,
em vã conversa, fúteis correrias.
Não a tornes banal à força de exibida,
e de mostrada muito em toda a parte
e a muita gente,
no vácuo dia-a-dia que é o deles
- até que seja em ti uma visita incómoda.
Tradução: Jorge de Sena
“A Linguagem Perdida dos Guindastes”/”The Lost Language of Cranes”
David Leavitt
Editorial Presença
Nem sempre os títulos justificam os livros e vice-versa. Estes nem sempre correspondem ao livro... e ao original, o que em portugal é quase má tradição. Todavia impõe-se uma leitura. Mas, e o coleccionismo vampírico? Em Títulos fabulosos apenas nos interessam os títulos...seja de livros seja o que for. Proximamente, também, Capas Fabulosas.
Um destes dias o Sr. Machado, mister do S.C. de Braga ainda chega a um cagalhão em lugar da tola. Agora que aparece mais, ninguém o cala na sua inconsequente viagem ao fim da língua. Coisa tipicamente portuguesa, ganhar lanço e armar ao pingarelho, subir (literalmente e passe a redundância) para cima das palavras e sachá-las sem sentido. Fica mal e nota-se logo.
Diz o Sr. Machado após o empate com o Estrela da Amadora (que contou com uns 700 espectadores(?) já com os animais e convidados, na demanda de um futebol português que só existe no papel): Uma equipa jogou no erro para chegar ao golo.
Prefiro a Liga dos Últimos…
Faz hoje 100 anos que o El Rei D.Carlos em caleche acompanhado da Rainha e filhos, ali ao Terreiro do Passo, desceu a rua em direcção ao nada. Alguns tiros e tudo terá terminado. Até a Monarquia Constitucional. Coisas para se ler à lareira, sem o Dr. Saraiva por perto. Ou então, ai a porra, na escola, que esta sempre servirá para alguma coisa.
Dois anos volvidos, a 1ª Republica. Seguir-se-iam uns anitos de foge que te apanho. Até ao Sr. Dr. Salazar e sua inclinação senil para nos embalsamar em perpétua ignorância.