fevereiro 26, 2008

Padaria e melancolia

Final da manhã. O sol debatia-se com um punhado de sombras de Fevereiro, perdido na encruzilhada da rua estreita. Encontrei-o meio envergonhado na vidraça da padaria, onde também li, por cortesia, as parangonas e publicidade da semana: professor oferece-se pau para toda a obra; senhora faz limpeza e afins com mestrado em engenharia das mesmas; procura-se gato e idoso. Meio cego, o gato e sem uma pata (não confundir com aquela senhora das novelas que tem vários handicaps). Alvíssaras para quem o encontrar, ah, e já agora o idoso que vestia…por esta altura já eu tinha decidido entrar à Marlon Brando no “Há Lodo no Cais”, fazendo soar os guizos da porta.

Uma vez lá dentro dir-se-ia que a atmosfera se assemelhava a um arbusto obviamente undercover. Nunca percebi a razão pela qual o SIS não recruta pessoal especializado em observação e detalhe na minha rua.

A sra. Dona qualquer coisa esfalfava-se num galão e torradas, o seu segundo pequeno–almoço, guardando o lugar há horas para a vizinha do lado, coitada, doente, mas ainda assim bem capaz de aparecer até às doze, se Deus quiser. O lugar estava seguro.

“Boa tarde menina” lançei, demasiado cedo, ainda muito longe do balcão, calculando mal a quantidade de sacos espalhados pelo chão, com meia dúzia de olhares ruminantes num soslaio mal servido. De caminho, dois ou três bom dia e com licença, entremeados com a artrose da Dona Sra., à qual ripostava o reumatismo e a gota da Fernandinha, senhora de si. A primeira, quase vencida ripostou anos de trabalho, filhos, devassas, sopinha e o diabo, mas o reumatismo entrincheirado de Fernandinha (sabendo-se de sua sorte com um tumorzinho antigo), mais a gota, resistia a qualquer veleidade mais agressiva. Olharam-me: “ menino…menino…”.

Ao escapar ainda pensei um “ minha senhora, lamento não acrescentar nenhuma maleita, que diabo, nem tenho ido ao Dr., caso contrário, nem queiram saber o que aqui vai, lamento…”. Todavia, já me encontrava a salvo, ao tropeçar num rapazolas magricela que emborcava uma super com ar de quem percebe da coisa.

Chegado ao balcão, saiu-me um Gin por favor em lugar do pão de água. O que me valeu foi a surdez da pequenita e a Santinha estar ocupada em escolher o pão santo e da saúde, um a um, para a velhinha do terceiro ao fundo da rua.

A leste, três papagaios revoltavam-se ao balcão contra aquilo que eles próprios denominavam de “sem vergonha…não há direito…”. Um soquete branco compunha um senhor de fato comprado nos trezentos com direito a Martini.

Dois graçolas falavam alto da sua posição no Banco.

“Quatro pães, menina” disse entre dentes, surripiando um sorriso amarelado à pequena. “ E que tenha um bom dia”…

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma estranha melancolia. Bem observado. dava um conto...