abril 24, 2013

No limbo de Staryje Doroghi alguns verdugos não metiam férias



Perante aqueles fantasmas, perante o eu mesmo de Buna, e perante a mulher da lembrança e a sua reencarnação, senti-me mudado, intensamente «outro», como uma borboleta perante uma larva. Ali no limbo de Staryje Doroghi sentia-me sujo, esfarrapado, cansado, grave, esgotado pela expectativa, e apesar de tudo jovem e cheio de potências e virado para o futuro: Flora, em contrapartida, não tinha mudado. Agora vivia com um sapateiro bergamasco, não conjugalmente mas como uma escrava. Lavava e cozinhava para ele, e acompanhava-o com olhos humildes e submissos; o homem, taurino e simiesco, vigiava todos os passos dela, e batia-lhe selvaticamente á mínima sombra de suspeita. 


“A Trégua” (pp. 191-192), Primo Levi. Tradução de José Colaço Barreiros. Teorema.

abril 19, 2013

Diz que um homem já não pode mudar o óleo e limpar as tubagens


Já aqui tivemos as Mães de Bragança, verdadeira instituição da cueca de gola alta, e as Mães de Valência, cujo estilo desprendido e arrojado se alia a um espírito empreendedor. Agora temos as esposas de Viseuconservadoras da mística da velha mecânica, fartas que as suas garagens sejam preteridas na mudança do óleo.
   

abril 16, 2013

A hipótese da homologia das estruturas



Companheiro de luta Coelhaspar, já sabemos do não estamos aqui para esclarecer nada, um embuste que o subterfúgio dos últimos resultados não abona, mas faz rir, oremos e olhemos estão os afortunados oráculos que conjecturam a subida ao mesmo tempo da descida aos infernos da nossa prateleira europeia. Fazendo jus às gloriosas épocas de antanho, folgamos saber que a união nacional converge incólume, gravitando à volta da velha piela de cepa duvidosa, cuja graciosidade se opõe à malícia de outras volúpias mais espirituosas. Agradecem os convénios e os instalados maneirismos da nação que manejam o brinde à moda antiga, mais os outros que nela ganham o carcanhol amigo. Pobrete e alegrete, mas com a sinistra contracção da coluna vertebral, não que se vislumbre qualquer ossada reminiscente, para gáudio do seu enclave de charlatões.   

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abril 14, 2013

Se tens a segunda classe e atrais as moscas, junta-te a nós… e se


nos planos das abordagens científica e filosófico-política estão amplamente identificadas as diversas disfunções dos modelos de organização política, económica e social que estão na origem de (ou que influenciam) atrasos ao desenvolvimento e ao progresso das sociedades, com particular enfoque para as discriminações patenteadas na organização das sociedades, a verdade é que o ritmo da efetivação das correções proclamadas não acompanha de forma satisfatória a evolução filosófico-política, científica e, até, em certa medida cultural sobre a matéria.

Excerto sacado daqui, deste documento do grupo parlamentar do PSD

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abril 11, 2013

O "tremendo privilégio"


“A Trégua” (pp. 9), Primo Levi. Tradução de José Colaço Barreiros. Teorema.

[foto&montagem: GabrielP

abril 10, 2013

Não acumulável com outras campanhas



Companheiro de luta Coelhaspar: é com pasmo que não omito a minha inocência, o senhor saberá, sobretudo, respeitar a total ineficácia da minha voz e o teor de quaisquer considerações perante a sua missiva (entre outras) digamos, profiláctica, passo por alto os detalhes sem, contudo, lhe reconhecer maior desdém do que aquele com que simpaticamente me adornou os dias, sendo o melhor aviso o tal que chega sempre acoplado ao retardado (mas inevitável) bofetão. 

abril 07, 2013

Ah?...desliguem a merda da máquina



O companheiro de luta Cavaco Silva reitera que o Governo "dispõe de condições para cumprir o mandato democrático em que foi investido". Não fossem os pedaços de realidade a esbofetearem-nos a face e diríamos que estamos ligados a uma máquina que produz ruídos esquisitos (estranhamente, nós somos esses ruídos), umas vezes manipulados por tipos nos bastidores, outras simulados num quadro com imagens. As nossas imagens. No fim, continua a festa na aldeia: algures guincham os porcos. Reconhecemos logo o som. 


abril 02, 2013

Humano, demasiado humano*



O desafio da liberdade moderna, ou a combinação de liberdade e isolamento que nos confronta, é construirmo-nos. O perigo é o de se poder emergir do processo como uma criatura não inteiramente humana.

"Ravelstein" (pp.131), Saul Bellow. Tradução de Rui Zink. Teorema.

[fotografia: GabrielP]
(*título de um livro de Friedrich Nietzsche)