Perante aqueles
fantasmas, perante o eu mesmo de Buna, e perante a mulher da lembrança e a sua reencarnação,
senti-me mudado, intensamente «outro», como uma borboleta perante uma larva.
Ali no limbo de Staryje Doroghi sentia-me sujo, esfarrapado, cansado, grave,
esgotado pela expectativa, e apesar de tudo jovem e cheio de potências e virado
para o futuro: Flora, em contrapartida, não tinha mudado. Agora vivia com um
sapateiro bergamasco, não conjugalmente mas como uma escrava. Lavava e
cozinhava para ele, e acompanhava-o com olhos humildes e submissos; o homem,
taurino e simiesco, vigiava todos os passos dela, e batia-lhe selvaticamente á
mínima sombra de suspeita.
“A Trégua” (pp. 191-192), Primo Levi. Tradução de José Colaço Barreiros. Teorema.
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