dezembro 27, 2011

Perto de si


«- Um bom agente dos serviços de informação está perdido quando tem que intervir nalguma coisa que já aconteceu. A nossa profissão é fazer acontecer antecipadamente. Estamos a gastar não pouco dinheiro para organizar tumultos nos boulevards. Não é preciso muito, umas quantas dúzias de ex-detidos com alguns polícias à paisana, saqueiam-se três restaurantes e dois bordéis cantando a Marselhesa, incendeiam-se dois quiosques e, depois, chegam os nossos fardados e prendem-nos a todos, depois de uma simulação de luta corpo a corpo.
- E para que serve isso?
- Serve para manter no fio das preocupações os bons burgueses e convencer a todos de que são necessárias atitudes fortes. »


“ O Cemitério de Praga”, Umberto Eco (gradiva)
Tradução de Jorge Vaz de Carvalho


dezembro 22, 2011

No "suave odor arcaico dos molhes irlandeses"

Nunca, como naquele momento, lhe tinham assentado melhor os versos do poema «Dublinesca», porque, por arte e magia das circunstâncias, o seu breve passeio nocturno até ao pub estava a transformá-lo na velha puta da gabardina do fim do mundo, quer dizer, na inesperada reencarnação do último fulgor da desgraçada literatura e, ao mesmo tempo, num pobre velho acabado e morto de frio que caminhava por ruelas de estuque, onde a luz era de peltre e por onde passava ele próprio, o último editor literário da história, convertido no seu próprio funeral vivo”.


“Dublinesca”, Enrique Vila- Matas
Tradução de Jorge Fallorca


dezembro 20, 2011

Vá você senhor primeiro-ministro


E não se esqueça de levar os restantes membros do governo. Gente tão qualificada, certamente não terá dificuldades…

dezembro 19, 2011

Everyday is like sunday?

jantar gourmet de domingo

Um domingo pode ser todo um mundo: levantar-se enroscado na rosca e chá verde; limpar a casa [música altos berros], comer a sopa. Olhar lá para fora. Caminhar longe do centro comercial [comprar mantimentos]; sentir frio. Beber cerveja [Sporting]. Fazer um jantar delicadamente faustoso. Comer. Sentar-se ao lado disso tudo.

Escrever [segunda-feira] um domingo pode ser todo um mundo…

dezembro 08, 2011

Para quem ainda acredita no pai natal

"Max Schrems é um estudante de direito, austríaco, de 24 anos. Por curiosidade, fez o que a nenhum de nós ocorreu:quis saber que informações tinha a empresa Facebook sobre ele, mesmo depois de ter deixado de ser membro daquela rede social. Ou seja, depois de sair da rede, o que lá tinha ficado.

Os seus piores receios foram largamente ultrapassados pela realidade: estava lá tudo. Depois de muitas pressões e ameaças recebeu, talvez por desleixo, diretamente da Califórnia, um CD com toda as informações que a empresa mantinha: 1.200 páginas (quando impressas) de dados pessoais, divididos por 57 categorias, recolhidos ao longo dos três anos em que esteve na rede. Como o próprio recorda, nem a CIA ou o KGB alguma vez tiveram tanta informação sobre um cidadão comum".


Sacado daqui

Filme do dia (para a noite)

“Funny Games”, (1997), de Michael Haneke, com Susanne Lothar, Ulrich Mühe e Arno Frisch.


Ontem revimos o “Funny Games” original - não aqueloutro sucedâneo asséptico made in US, do mesmo realizador -, uma verdadeira lixa num estômago ulcerado. Ou, se quisemos entrar numa merda sociológica, talvez o abismo psicótico do tédio mais absoluto do mundo moderno.
Recordei-me quase logo, ou se calhar durante o sono, de uma deixa do Padre Brown (in "O Segredo de Flambeau" de Chesterton), que havia lido de tarde: “Podemos achar que um crime é horrível porque jamais o poderíamos ter cometido. Eu julgo-o horrível por saber que poderia tê-lo cometido”.

dezembro 05, 2011

Por acaso até era mesmo doutor



Morreu o Sr. Doutor Sócrates, um tipo que jogou naquela fabulosa selecção brasileira, a única que gostei, no mundial de 1982 na Espanha, ao lado do Zico, Júnior, Falcão e outros. Um tipo que foi um dos ideólogos do Corinthians democrático, o primeiro clube (e o único?) que realizou a autogestão participada, uma espécie de cooperativa onde todos tinham voz. E até ganhavam, os cabrões…

dezembro 04, 2011

Também andamos assim


“Lá fora, a tempestade chegara de uma assentada, como a noite em Coleridge, e tanto o jardim como o telhado de vidro se haviam escurecido com a chuva que caía. O Padre Brown parecia estudar mais o papel do que o cadáver; havia-o aproximado dos olhos; e parecia estar a tentar lê-lo à luz do crepúsculo. Depois ergueu-o contra a débil luz, e, enquanto o fazia, o relâmpago contemplou-os durante um instante tão branco que o papel pareceu preto em comparação.”

“A Forma Errada”, in “Os Melhores Contos do Padre Brown”, G.K. Chesterton .
 Edição Assírio&Alvim – Tradução de Jorge Pereirinha Pires.



“Chega-lhe à alma o desaparecimento dos autores literários. Comove-se sempre com essa realidade que a Rede anuncia para o futuro, cada vez com mais clareza".

“Dublinesca”, Enrique Vila-Matas. Edição Teorema – Tradução de Jorge Fallorca



Apontar é feio