abril 29, 2009

Quero ver Portugal na CEE?

Segundo um canal televisivo há por aí um cartaz do partido no poder (presumo que relativo à pré campanha para as europeias), alusivo à entrada de Portugal nesse paraíso que dava então pelo nome de CEE (o mesmo partido estava no poder mas ainda tinha um punho na lapela e não uma rosa ), e que faz uma menção errada à data de adesão, parece que de um ano. “Minudências”, “Pormenores”, dirão uns. “Errar é humano”, “Gralha”- dirão outros. Gralha?, o mais certo é passar ao largo a boiar juntamente com a merda que nos cerca mas que hierarquicamente (a sua relevância não o permite ainda) não chegou ao centro do espaço público. Enquanto bóia por aí, importa registar este, e outros, episódios eivados de uma ignorância sem limites e de uma arrogância pestilenta, que assenta na ausência de respeito por qualquer dos fundamentos democráticos que (supostamente) pretende defender ou acautelar. Por isso, do alto de um anarquismo descorçoado, termino com um título (fabuloso) de um livro do grande Boris Vian (um dos nomes do gato da casa), sob o pseudónimo Vernon Sullivan:
“J'irai cracher sur vos tombes”, na tradução portuguesa: Irei Cuspir-vos nos Túmulos.

abril 28, 2009

Ergo e porque não o meu copo



Ouvi isto, inesquecivelmente, sem fartar, durante a época de reprodução das fadas; época de tal latitude, que vós, com hesitação, descredes…

Toda a gente tem um buda em casa perto daquele quadro do menino a chorar, não?

Agora e, já agora, fala-se de censura. Parece que também um livro do Ubaldo Ribeiro, que ninguém leu, inclusive eu, sim eu, o último dos leitores avulso e do prazer que ainda se dão ao trabalho de ler, foi excomungado. Ocorreu no denominado grupo (como?) Auchan, grupinho jumbo, que merece letra pequena, a acompanhar estas minudências dos apóstolos da razão. Parece que há gente que se insurge perante tal originalidade(?). Nunca li, ainda mais agora que me esfalfo por acompanhar a senda dos clássicos e dos outros menos clássicos que sem dúvida o serão no futuro, e ainda outros que dependem do meu egocentrismo de leitor, que parecem, assim à primeira vista, importantíssimos, e já estou a levar por tabela, contra as margens do minimamente correcto e oxidado mundinho. Enquanto as órbitas voltam ao lugar, deprimo durante 14 segundos e assou-o o nariz. Anacrónico, penso nos prodígios do condestável que apesar de militar afoito se tornou, afinal, santo. Antonin Artaud, que enlouqueceu rodeado de santos e seus bastões e rufias com a alma a rasgar-se, escreveu o seu “Heliogabalo ou o Anarquista Coroado”, desamarrando-se deste mundo pelo nariz, e eu anarquista descorçoado, vou se calhar ler o Ubaldo e "A Casa dos Budas Ditosos”, depois de reler uma viagem ao mundo de “Os Tarahumaras”, longe de serem clássicos….

abril 26, 2009

E por aí fora...

À hora X, no café Portugal
À mesa Z, é sempre a mesma cena:
Uma toupeira ergue a mãozinha e acena…
Dois pica-paus querelam, muito entusiasmados:
Que a dita dura dura que não dura
A dita dita ditadura – dura desdita!
Um pássaro canta diz isto assim é pena
E um senhor avestruz engole ovos estrelados.

Mário Cesariny, "Rua 1º De Dezembro"

abril 25, 2009

E a 26?

Os portugueses não têm a liberdade, mas sim licença, de dizer o que pensam. Ser independente é hoje pior do que antes do 25 de Abril. As pessoas retraem-se, têm medo de serem aborrecidas, de perder o emprego. Vai tudo em rebanho. (…) hoje, ela [liberdade] está ameaçada pelo desenvolvimento de técnicas que permitem controlar os indivíduos e influenciá-los no seu intimo. [acresce] que com um salário mínimo de 450 euros ou com o trabalho precário não existe democracia porque não pode haver projecto de vida.
Vitorino Magalhães Godinho, entrevista à Revista Visão, 23 Abril

Como dizia um amigo meu “o mais importante do 25 de Abril é o que acontece (e aconteceu) a 26 e por aí fora” Viu-se…

Porque sim...

abril 23, 2009

O admirável sofá novo

É assombroso o tempo que alguns tipos da bloga dispõem para ver televisão. E paciência. Mais, constata-se que todos desfrutam para aí de uns cem canais, pelo menos, Zon, Meo, teo ou dele. Sentam-se e vêm uma data de coisas. A crer numa dessas publicidades, namoraram e casaram com o sofá televisivo. Tudo, parece, por uma boa causa: compreender a realidade televisiva, desmanchá-la em postas e explicá-la, essa realidade pouco mais que sofrível, dizem-nos, enternecidos, a reboque de mais um programinha.  
As apreciações passam pela bola, os novos programas da TVI24, com um admirável fundo azul, para não variar. Ainda assim, pasmam com esse fundo. E o vermelhinho SIC, ah? Ou será ao contrário? Debates. Conclaves. A mesinha disposta ao centro num cenário pobretanas. Enternecem-se lívidos a observar as derrapagens e despersonalizações que alguns (mesmo os bons - afirmam) sofrem na, digamos, degenerescência do processo televisivo. Uns, gordos, outros magros. Penteados pindéricos. Tiques nefandos. As vozes do dono. Cada um com o seu. A barriguinha e o ar de puto. E depois, os programas ainda mais intoleráveis, vêem-nos todos, evidentemente, para poder analisar: jornais, nichos, passeatas da fama, cançonetistas, programas com nome de gajas, apanhados, "circo e mais circo", escrevem, visivelmente alterados. Mudam de canal. E ali ficam. Observam indivíduos a tropeçar no passado ("a toda a hora!" – repetem- exaltados, denunciantes, moralistas); "aqui há gato", vociferam outros, reflectindo sobre as meninas (e meninos) em pelota total (incluindo a intelectual). E ali ficam. Mais uma série, enquanto se vai buscar um docinho e lavar a loiça. Perde-se pitada aqui e aguenta-se estoicamente ali. Acolá ainda há-de ter qualquer coisa para se ver. Perdão, para analisar. 

Bom dia, amanheço assim

Falta-me a folha cinco
E entretanto a barba foi crescendo
a minha barba veio crescendo ferozmente
indiferente à morte de um ou outro amigo
às letras protestadas aos desgostos domésticos
às viagens lunares às convenções às lutas
Quando as coisas se erguem contra o homem
se eriçam agressivas contra ele
nem ao poeta basta o parapeito das palavras
Eu por exemplo homem de pouco tempo
trazido pelos dias aqui estou
Continuo a dizer: se alguma coisa há
que podias perder e ainda não perdeste
de que já a perdeste podes estar derto
Falta-me a folha cinco
Estou com a barba feita
Ainda este ano talvez em marienbad
eu vi mulheres curtidas pelos lutos
Mal de morte é o meu
em plena posição de pé às três da tarde
em meio do movimento do rossio
sentado à tarde no cinema em dias de semana
Já caem carnes já se perdem pêlos
já quase só me resta a devoção
lisboa certos dias um amigo às vezes
Poucas coisas importantes pensei durante a vida
uma mesa de sol em pleno inverno
um mar incontroverso alguns papéis
- continua a faltar-me a folha cinco -
pois apesar de tudo nada consta


Ruy Belo, "Nada Consta", País Possível

abril 22, 2009

Hoje alguém se lembrou do Alberto a meio da tarde

 Todos os dias agora acordo com alegria e pena. 
  Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava. 
  Tenho alegria e pena porque perco o que sonho 
  E posso estar na realidade onde está o que sonho. 
  Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações. 
  Não sei o que hei-de ser comigo sozinho. 
  Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo.

  Quem ama é diferente de quem é.
  É a mesma pessoa sem ninguém.

Alberto Caeiro, O Pastor Amoroso (IV)

abril 20, 2009

Ainda por cima o tempo anda tolo e o futebol aproxima-se do fim…

"Os Bêbados", José Malhoa, 1907

Finda a Páscoa e a Pascoela, na padaria reina a desolação. Impingem-se Martinis sem qualquer efeito imediato e as Sagres resvalam para a goela sem a galhardia de outros dias. Da janela do lado do esquecimento, única vitrina da vida, a senhora Guidinha repenica duas ou três doenças sem qualquer convicção nos transeuntes. Até o divórcio da Gininha, filha já de si bastarda da Dona Joana Lava Tachos, não empolga ninguém. Vá lá, ganhou o Benfica, o Porto e o Sporting mas os casos foram poucos, tirando a intranquilidade (diga-se que justa) do senhor Bento. Assaltos, barrelas, violações e pancadarias são aos montes (que saudades daqueles casos únicos, belos, irreais). O caso Freeport é de pouca monta (com tendências irritantes para se transformar numa saga) e a tensão entre corrupção para acto lícito e ilícito não ampara nenhuma destas cabecinhas, mesmo as informadas e com instrução por aí fora. É um coçar de cabeça sem limites. O cartaz da senhora da oposição encaixou dois ou três debates técnicos, entre o Luís das bicicletas, o Carlo Zarolho e o outro zarolho, filho do Dias. Sem grande impato, que isto das consoantes mudas já nem no jornal Record se usa, como bem afiançou o Miguel das novas oportunidades com a cabeça debaixo do braço. 
Resta o desemprego, mas como diz o Alfredo, isso “não dá de comer nem de beber a ninguém”…

Adenda: eu por acaso gosto de consoantes mudas (roucas, mancas e criativas) e, diga-se, não as acho tão mudas assim.

acabou de passar na rádio (nunca é demais): fabuloso!

abril 18, 2009

citações inúteis


À medida que a humanidade se aperfeiçoa, o homem degrada-se. Quando tudo se reduz ao mero equilíbrio de interesses económicos, que lugar haverá para a virtude? Quando a natureza foi tão dominada que perdeu todas as forças originais, onde é que isso vai levar as artes plásticas? E assim por diante. Entretanto as coisas vão ficar muito sombrias.

Gustave Flaubert escreveu isto corria o ano de 1852.

abril 16, 2009

E uma mordaça?

Proposta inútil para o alargamento da proibição na Assembleia da República da utilização por parte dos deputados, de alguns vocábulos e expressões a juntar a “autista” já em vigor. Já agora proíba-se: Cancro (ex: cancro do sistema ou metástases gigantescas ramificam-se pela economia); esquizofrenia (esta é óbvia e os exemplos variadíssimos); dislexia quando acoplada a galopante; tendão de Aquiles; tendinite; paranóia; senilidade; suspeito ou suspeição; arguido; caso (seguido de qualquer menção saída na imprensa).
Vocábulos como inútil (ex: o sr. deputado é um inútil) e chulice devem ficar numa espécie de purgatório (em análise). 
 Mantêm-se outros termos e expressões consideradas indispensáveis na verve parlamentar, a saber: duas caras; grunhir; oh, sr. deputado!; efectivamente; nomeadamente; num quadro de normalidade; cabrão; de facto; sistémico; olhe que não; pó caralho (dito entre dentes); paneleiro (em sussurro); estratégia global; pensar global agir local (e vice-versa); corno manso (caso a associação dos amigos do corno manso não se insurgir, obviamente); paradigma e indignação.

“As pessoas dizem que a vida é a realidade; mas eu prefiro a leitura”

Bem sei: [já] não há magia neste olhar público enclausurado na penumbra mais sólida. À parte disso, tresleio ou recordo, não sei bem precisar, um tipo que verberava a sua inusitada falta de tempo para ler. Terá sido na bloga? O meu amigo Alfredo perdoando o ultraje, insistiu com a maré num “pararei de beber para ter mais tempo para ler”. Num cantinho desse desvario, onde eclodem inúmeras citações mundanas e vértebras literárias à paisana, decidi construir uma muralha, sólida, adjectivada e se calhar metafórica, contra, vamos lá, este mundo enganosamente espaçoso (onde julgamos arribar a algo?). Ou, na ilusão de mais uma promessa banal, vou, como aquele personagem do Eça ao saber da invasão da França por Bismarck, dar-lhes cabo do canastro (amanhã) na gazeta das Beiras (cito de memória). Agora é que vão ser elas…
Não será esse o grande delírio, a encenação fantasmática das nossas próprias ilusões? 
Adenda: a citação título pertence a Logan Pearsall Smith,  in "O papagaio de Flabert", Julian Barnes

abril 09, 2009

De andaime em andaime

imagem: Inútil
Babilónia: Minho. Chove. O elemento chave é a chuva: miudinha, tenaz, insossa; os passeios encolhem açambarcados por espectros dobrados e centenas de guarda-chuvas que se assemelham a cúpulas minúsculas. Batem-se os espectros pelo melhor olhar para o chão. Tocam sinos. Oh, um paraíso para andar de andaime em andaime. Depois chove ainda, uma chuvinha em câmara lenta, com várias designações a tiracolo, boçais, quase todas injustas. Alguém corre. Além, enfiam-se nas lacunas da cidade. José, à pala do seu nariz continua a fumar incólume à chuva, como se nada fosse. Até a cortesia se restringe ao mínimo, também ela salpicada, muito semelhante aqueloutra a que aludia Flaubert, condicionada pelo permanente nevoeiro Londrino, que apenas permitia ver as senhoras quando estavam demasiado próximas não consentindo uma saudação condigna. Suponho que a cortesia seja coisa do passado e passeio o olhar pelos andaimes da imaginação.

abril 08, 2009

A linguagem e o papagaio – ambos empalhados

"O Papagaio de Flaubert", Julian Barnes, Quetzal, 1988 - tradução de Ana Maria Amador
Devo alguns momentos verdadeiramente únicos à inquietude da leitura. Dá-se a circunstância, a todos os títulos excepcional, de convergirem em dado momento, caminhos outrora bifurcados que nos arremessam o sortilégio de um livro. O próprio caminho é, em si mesmo, parte do encantamento. Chegou-me às mãos, depois de várias vezes ter sido, de uma forma ou de outra, agitado a meus ouvidos, o livro “O Papagaio de Flaubert”, saído da pena de Julian Barnes, cuja edição original remonta ao ano de 1984. Insuficientemente antigo para, nas palavras de um amigo, merecer ser visitado. Desse ano recordo por exemplo o filme de Sergio Leone “Once Upon a Time in América”, o primeiro álbum dos The Smiths, o homónimo “The Smiths”, escapando ainda no decorrer do mesmo ano o segundo álbum, aliás uma colectânea de êxitos, incluindo alguns lados b, “Hatful of Hollow”, feito único, visto apenas existir um álbum de originais publicado. Os Death in June divulgavam “Borial” e mais uma compilação denominada “From Torture To Conscience”, entre outros, como usual, e por cá no burgo os GNR lançavam “Defeitos Especiais” à proa de um piloto automático, e ainda não se vislumbravam sinais da modorra modernista encaixotada em centros comerciais gigantescos e hipermercados (estes abririam em 1985 – Matosinhos), embora já existissem algumas viagens em turística, de reconhecimento ao Dallas e ao Brasília, para citar apenas o Porto.
Um pouco antes de 1984, um médico de carreira viúvo, que um dia havia sonhado ser escritor, tendo optado por seguir apenas medicina (dada a impossibilidade de fazer bem e ao mesmo tempo duas coisas), calcorreava as ruas de Rouen onde Flaubert nasceu e Croisset onde viveu. Eu pela mesma altura estava a braços com a instrução preparatória, ou até Liceal, onde por carga de água nenhuma se tinha pé em Flaubert. Mas como o rio era perto, tínhamos pé noutras coisas, sem dúvida, tanto ou mais, aliciantes. Foi perto desse rio que comecei a ler coisas mais sérias. Hoje, um pouco longe, mas por momentos sentindo o seu fresco (tinha dias) aroma leio:

Contra a estupidez do meu tempo, sinto correntes de ódio que me sufocam. A merda chega-me à boca como se tivesse uma hérnia estrangulada. Mas quero conservá-la, fixá-la, endurecê-la; quero formar uma pasta com a qual possa cobrir o século XIX, do mesmo modo que pintam os pagodes indianos com excrementos de vaca.

Gustave Flaubert citado in "O Papagaio de Flaubert"

abril 07, 2009

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A batalha de Montgisard,1177, Charles Philippe Larivière

Vai daí, já estou afadigado antes de escrever uma linha que seja. E mesmo junto às bandeirolas de canto, enfastiam-me as linhas. Uma pessoa acorda, levante-se e já está a morder qualquer coisa. Não bastava o atavismo e uma parafernália inusitada de adjectivos a reboque de um qualquer escriba de circunstância, ainda temos que mamar com más vontades e idiotismos juncados da mais pura ignorância. Apesar destes padecimentos, ao sr. Eng. ainda lhe sobra tempo para processar rapazolas que expressam opiniões na praça pública. Um cristo (sem aspas e com letra pequena), para ser fiel à época em que discorremos as nossas maleitas. Eu cá não aprecio as nossas “praças” actuais (quando existem) e muito menos as ditas “públicas”. E até tive conhecimento do dito muito desfasado no tempo. Mas o meu anacronismo não me serve de nada. Vivemos consagrados a redimir as nossas penas com artifícios mundanos. Vai daí, na voltinha do dia a dias, exalo-me para qualquer lado. Pode ser o século XII.