julho 31, 2008

O hematoma e o caçador de calosidades: I will be back


 Muitas das pseudo altercações do jornalismo e da blogosfera, à imagem da política são, não diria já, ideológicas ou filosóficas, mas apenas rasgos truncados em cantinhos (já sem barricadas) políticos refundidos, sem qualquer contacto com a história e a realidade concretas. São nichos arcaizantes, demagógicos e devidamente enquadrados em grupelhos que por sua vez desaguam em grupões, esses outros igualmente sem ideologia ou com a ideologia do poleiro, sendo que esta última pode assumir muitas e variadas formas, evoluindo para uma galápagos que socialmente corresponderá à trincheira devida. Depois, é necessário, imperioso mesmo, discutir a evolução versus uma qualquer religiosidade, a expensas de os mesmos e seus amigos e, vá lá, mais alguns, contornarem a rotunda com a felicidade da volta ao mundo. Desengane-se o pagador viajante na rede. Eles conhecem-se, eles frequentam os mesmos restaurantes, as mesmas putas e modorras. Eles são os mais visitados e revisitados. Eles estão atentíssimos ao pormenor mais desavisado e faccioso. Eles andEm aí.  
Em suma, publicidade e marketing do mais tasqueiro a descorçoar o Dr. Salazar, à melhor de três, com vivas e ais devidamente seccionados. O novo sinal da cruz. Ajoelhem e rezem. Ficará tudo na mesma.

As Pupilas do senhor Reitor

“Teremos de nos habituar a não pensar no que fizeram as mãos que apertamos”. Acaba assim a crónica do Sr. Historiador Anglo-Saxão(?) Rui Ramos de 30 de Julho no jornal “Público” (sem link). Uma crónica sexy, para não enveredar pela penumbra da análise “realista” (ou sectária) dos relacionamentos tenebrosos da real política qualquer coisa. Não cumpre e não sai de cima. É inútil e dispensável. Uma dança de caracteres em demanda de preciosismos, para liberais de colarinho adaptável à cor. O Sr. Eng. tremeu…de frio. Do mal o menos, já temos a grande e inevitável pena do Sr. Pulido valente.  

julho 28, 2008

Dos sonhos e da memória

"O cão amarelo" de Rafael Trevisol: bohemiosdebar.blogspot.com
A memória de Alfredo está fraca. 
Depois de mais uma viagem em terras lusas, desta feita, sem desprimor, acompanhando os montes e vales da Beira interior até Espanha, por entre esqueletos de castelos e memórias cauterizadas pelo fogo e pelo sol, Alfredo rejubilou, ninguém sabe bem porquê, com o regresso. Alfredo é bem capaz de ser um conservador altivo com laivos de anarquista desprendido. Às vezes é outra coisa qualquer olhando-se ao espelho. Fui a sua casa e a inicio nem uma palavra. “A memória de Alfredo está fraca”, disse-me a sua companheira. Rimo-nos os dois. Entrementes, Alfredo poisava a mão na palmatória. “Que tal?” arrisquei, curvando-me para o observar no seu nicho acolchoado. Alfredo olhava a janela. “Sabes, hoje vim para trás duas vezes, a casa, duas vezes, observa bem, para verificar o verificado: se a puta da torradeira estava desligada?... se o não estivesse, oh, sim, se não estivesse devidamente desligada, não estaria a casota a arder, a arder como uma desvairada, não me dizes? Fechei todas as torneiras, fechei a água no exterior da casa, estive quase para remediar-me, bem o sabes, a tolher-me de coragem e sem escrúpulos incentivar a caracoleta do andar de baixo ao crime. A senhora arcaria com as consequências, ficaria responsável pela casa, que até é sua, e eu planearia ao pormenor a destruição da dita. E estaria a milhas. E estaria livre”. Alfredo, ao acabar de falar, em êxtase, levantando-se de um trago, dirigiu-se-me com um olhar triste de cão amarelo: “ O pior, sabes, o pior, é que não passou tudo de um sonho, inclusive o retorno a casa, mas que depois não chegou ao concreto, isto é, a coisa não chegou a rebentar, mas o plano estava traçado, definido ao pormenor do osso”. “E então”? perguntei em piloto automático. “ E então, meu amigo, não me recordo de mais nada…”
Saí de casa do meu amigo Alfredo com um rumo definido. Contornei a padaria fechada e segui a rua do costume, sem pressas, recordando, não sei bem porquê, apenas um olhar triste de cão amarelo. Agora, aqui sentado, não sei bem se não terei sonhado tudo isto. 

julho 23, 2008

A Oeste nada de novo


Depois de um fim-de-semana alargado, sem televisão e Internet. Sem demandas e sem liturgias turísticas, ainda assim cercado pela prole das bermudas e chinelinho; rodeado de alguns livros, poucos jornais, passeando a gosto, visitando, por exemplo, um museu em que apenas me cruzei com uma família (estrangeira), voltei para o cantinho. 
Na TV, uma série a desoras (e com variações de dia para dia), apresenta um Thomas Moro beato  com o Rei Henrique VIII numa eterna passerele. De resto, a sombra da bola a cauterizar os cérebros; o Sr. Eng. abrindo a perninha ao amigo Angolano; duas fabriquetas a fecharem, um ou outro passaroco a massacrar a antena com desvarios à língua portuguesa e o Sr. Presidente a promulgar o regabofe futuro da dita. Na padaria, lá estava a Maddie. Em casa também. Parece que um senhor escreveu um livro sobre o assunto. Nada de novo.
Se querem descansar, aluguem um quarto num museu.

julho 22, 2008

Entre "Os Irmãos Karamázov" Volume I e II: Sebald

Edição Teorema
Tradução: Telma Costa
(…) Mas como foi o Dr. K. que engendrou esta história, quer-me parecer que o sentido das viagens do caçador Gracchus é a expiação do anseio pelo amor que, como explica o mesmo Dr. K. num dos seus inúmeros bilhetes escritos a Felice à hora dos morcegos, sempre o invade, precisamente onde parece não haver fruição legal possível(…)

julho 17, 2008

Alguns dias de road to nowhere


Were on a road to nowhere
Come on inside
Takin that ride to nowhere
Well take that ride


"Road to nowhere"
Talking Heads

julho 14, 2008

Where is my mind?


Deixei assentar o pó quase uma semana. O sr. Eng. nas suas diatribes propagandísticas, mestre do sound-byte, lá anunciou, enlevado, uns tais carros eléctricos (lá mais para a frente) que estariam isentos de parte do imposto automóvel (cerca de 30%), quando estes, na realidade, já estão excluídos. Não é costume. Nem o trabalho de casa dos animadores do gabinete. Isso não interessou para nada. Na padaria já se fala entre as roscas desta abébia generosa do Sr. Eng. preocupado com o bolso e o ambiente. E que dizer da taxa Robin dos bosques, em português, taxa Pintarroxo dos eucaliptais, a qual iria, incidindo sobre os lucros das petrolíferas, à imagem dos intrépidos italianos, consertar as injustiças? Mas quais injustiças amigos? Os reflexos a jusante, se os houver, serão mais uma martelada de bom gosto no bolso rasgado dos consumidores delirantes. Não interessa nada. Nem uma ideia sequer aflora da fatiota regalada do nosso maratonista sinaleiro. Nem interessa. Quique Flores, quase se demitia. Loures pega fogo à demanda televisiva. “Não somos menos que os outros”, pinta-nos o Afonso roupeiro. Na padaria, um pardal esvoaça entre dois bolos de arroz e uma travessa de bolinhos de bacalhau. O Esteves electricista, rosna um “nem no tempo do Sr. Dr… nem no tempo do Sr. Dr”. A menina dos folhados acolhe com o seu olhar maroto o Videirinha, filho da Sra. Lurdes, coitada, entrevadinha e reumática. Cá fora, observo na montra a chegada do Sr. Grimi para o Sporting. Está calor e o povo português se não for a banhos com a casa às costas não descansa.
Já em casa recordo aquela frase do palhaço, cobarde, patético e devasso de capoeiras, Fiódor Pávlovitch ("Os Irmãos Karamázov"), referindo que “o povo Russo deve ser açoitado”. Precisa disso. O povo português dá-se bem com umas boas pancadinhas, entremeadas de misérias, desde que, devidamente avinhadas. “Do mal, o menos”. Com esta me caçou a Dona Rosinha, ia eu a entrar em casa.

julho 13, 2008

Tentei recordar o sonho...


Hoje acordei no animatógrafo. O filme, dentro de um filme, consistia numa vontade indómita de adormecer para continuar a sonhar. Ou melhor, sonhava que deveria adormecer para continuar a sonhar. Ao acordar, recordei, ao de leve, uma marquise antiga. No sonho (ainda) continuava um combate entre forças inexplicavelmente familiares. Ao acordar outra vez, com os sinos da igreja a estrondear-me nos ouvidos, esclareci de mim para mim que, hoje, talvez devesse silenciar os impulsos que ao crepúsculo me conduzem ao crime, contra mim mesmo.
Ter-se-á seguido mais um silêncio, estoutro, decalcado de alguns quadros alheios, que me conduziu à mesa da cozinha e depois ao terraço. Lá fora, a missa na TV da vizinha justificava a sua falta à igreja matinal. Galinhas, além, e um ou dois melros, misturaram-se com o meu chã preto. Afinal era domingo. Dia de rosca. 
Dei por mim, não sei bem como, outra vez na cama, com Vertigens. Impressões de W.G Sebald (das quais falarei quando me aprouver), entre as mãos. Tentei recordar o sonho...

julho 11, 2008

Da madrugada...

Parece que chove. É demais. As rosas a crédito da vizinha regozijam-se com as nozes (ou os tremoços?) avulsas do vazio 2º-andar. A páginas tantas, quatro sensaborões morcegos recolhem a noite num cantinho de telhado. Ou serão andorinhas? Numa rádio da pior espécie, rumina um festival de verão ao quadrado, enquanto na TV um solitário programa de anciãs com pouco mais de vinte anos abraça uma dança esquálida de anões fashion. Estarei a sonhar? Inútil.

julho 10, 2008

Cinema, livros, viagens, reflexões...

Ontem ou anteontem, estive parte significativa da tarde em Berlim. Talvez umas boas duas horas, oscilando estas, entre 1989/90 e uns quarenta anos antes, talvez um pouco menos. Tudo culminou no advento de uma criança e na queda de um muro, o que, por portas travessas, vai dar estritamente ao mesmo. A dada altura, morre uma mãe, já lá mais para o fim da tarde, 1990 (ou 1991?) e, de certa forma, morre também um país. Lenine dirigindo-se-me, bem o sei, não foi capaz de aplaudir nem vociferar. Na verdade há muito que está a leste de qualquer medo e de parte significativa do seu próprio corpo. Vi-o passar, ou melhor, assomou meio corpo, o tronco, na ponta de um guindaste. Não fui o único a ver. 
Regressei ao século XIX de onde nunca deveria ter saído, e passei incólume por uma cidadezinha e um mosteiro. Dali vislumbrei, se não estou em erro, São Petersburgo e Fiódor já envelhecido. Pensei então em Cesário e acrescentei : o mundo!
Depois, quase bem sentado, infalivelmente sentado, passeei os olhos em redor dos quintais sustentando-os firmemente até à pedra, milhares de pedras em uníssono autorizando um muro e todo um convento. Uma cidade religiosa. Pousei então o olhar no cantinho superior esquerdo (como daqui o esboço), bem junto aos escombros de uma casa, e dirigi-o ao ponto em que me encontrava e escrevia ponto. E continuei a ter vertigens e impressões com Sebald. 
À noite, noitinha, revisitei Fritz Lang, após um curto, enigmático e amorfo jantar. No escuro enlevado ainda de amarelos desmaiados da orla do dia, escolhi o “Testamento do Dr. Mabuse”.

julho 09, 2008

Contos de Água e Areia

Lançamento do livro de contos do meu amigo José Ilídio (Torres). Numa livraria perto de si ou no seu sítio aqui.

julho 05, 2008

Não confirmo nem desminto...

Dizia-me Alfredo há pouco, com o seu ar desmaiado de quem moí um pensamento que, “este país de bananeiras (e bananas) não oferece sombra que as valha”. Isto a propósito de um conjunto de nadas que ocuparam (e ocupam) o ruminar silencioso indígena dos últimos dias. Quando saiu, vociferando, dirigindo-se (bem o sei) para a biblioteca central, fiquei encaixado e sombrio no terraço. O gato fugiu. É inútil.

julho 01, 2008

Aconchego sem asas

“É a vidinha”, repete-se em sonolência nas ruas. Hoje acomodei-me à porta da padaria. Não entrei. Evoquei, por momentos, o meu bom amigo Alfredo, sinalizando os dias com um “nunca pouso a vida por detrás das costas”. Dostoiésvski enxerga-o quando concebe que a vida é o menor dos sacrifícios. Ia neste enlevo, marejado de final de tarde, tinindo ainda na minha cabeça os invariáveis dias, assentes no “tempo que está a mudar”, ou “não tarda trovoa” ou “eles [da meteorologia] dão chuva”, quando decidi acarretar um novo tinto bruto Cabriz (do Dão) para acariciar o palato saudando a noite.
Assaltei depois uns pensamentos óbvios sobre a bovina e oleada matriz da poesia portuguesa: poetas sistema; poetas bolsa; poetas a receberem em casa poetas; bibliotecas resma e mais familiares poetas - a poesia hereditária. Celebrei de memória Alfredo, sem nuvens, recusando-se poeta e escondendo a verve na caneta alheia. Cheguei a casa e recolhi o tinto ao desmaio do frigorífico. Encontrei Alfredo na prateleira da alma. Telefonei-lhe. “Que tens?” disse-me. “Um poema teu”…entre dentes, respondi.