maio 16, 2018

O último a sair que feche a porta



A páginas tantas, em "Central Europa", Vollmann escreve (através de um dos seus personagens sem nome – conseguimos imaginar a sua pérfida profissão) o seguinte: estou disposto a aceitar a tese segundo a qual é preferível uma política coerente a política nenhuma. Vollmann dota esta personagem (melhor dizendo narrador - uns dos vários) de uma fina ironia, tão fina que por vezes nos cortamos na leitura. Tão fina que não vou sequer (vos) tentar contextualizar.

Aproveito apenas para friamente assinalar que, esta época, o Sporting teve uma dose de coerência que em tudo se assemelha a uma política. A equipa, de forma coerente, não jogou nada. Jorge Jesus, de forma coerente, foi mantendo a sua ideia. Esta coerência apenas foi ligeiramente alterada após o jogo com o Atlético (por razões que todos sabemos: a posta do Presidente e o desgaste da equipa com lesões, castigos, cansaço). E, por fim, o Presidente (e toda a sua equipa se é que existe uma equipa) foi coerente no seu caminho para o abismo. Até ontem ainda havia a possibilidade de recuarmos. Hoje a queda livre não permite pensar sequer em milagres.

E teria bastado alguma imprevisibilidade, alguma (porque não?) incoerência, tanto na equipa e no treinador para chegarmos a outro porto. Quanto ao Presidente, não sei se já se inventou uma palavra para o sucedido. Talvez suicídio. Mas não quero ser coerente.

maio 10, 2018

Danilo Kiš


O cortejo silencioso comandado por Bandoura só arvorou as bandeiras, vermelhas e negras, na proximidade dos bairros operários, e os estandartes desfraldaram-se ao vento produzindo um ruído funesto, vermelho-fogo e negro-nocturno - símbolos próximos da linguagem das flores, mas não desprovidos de contexto social.  
"Honras Fúnebres", Danilo Kiš

Danilo Kiš? Os seus livros estão esgotados. Quero dizer: fora do mercado. Sem novas edições, ainda se consegue arranjar qualquer coisa online. Como cheguei a Danilo Kiš? Por portas travessas do Vollmann. A odisseia Vollmann terá começado com aquela coisas do Vós, luminosos e tal, espalhando-se como uma doença até (vejam bem) ao Cão. Espelhos, acasos, ressonâncias que se propagam desde as primeiras leituras. A abertura de um livro: "Central Europa", as mãos em concha (mas aquilo é muito peso), uma, duas páginas e lê-se que Central Europa é dedicado à memória de Danilo Kiš, cuja obra- prima "Uma tumba para Boris Davidovich" me acompanhou [sim, sim, ao Vollmann] durante os anos em que me preparava para escrever este livro. Danilo é nome de jogador da bola, mas Kiš é outra coisa. Pesquisei. Voltei a pesquisar. Já sei do paradeiro de Uma tumba para Boris Davidovich, mas cheguei primeiro à Enciclopédia dos mortos (algures no depósito de uma biblioteca - é para isso que elas servem). Dá para desenfastiar de Vollmann. A digestão de Vollmann é para se ir fazendo. Sem tréguas. 

maio 04, 2018

Central Europa


Cerca de um quilo (a passar). Novecentas e dezanove páginas. Quase duas semanas para chegar a casa. A Fnac (sem comentários) informava que demoraria dois a quatro dias (encomenda ao editor). Mesmo tendo em conta o fim-de- semana e feriados demorou sete dias úteis. Quase duas semanas.  Começa assim: 

O minúsculo telefone preto, o polvo, quero eu dizer, o deus da nossa Divisão de Comunicações, possui um esconderijo secreto algures em Berlim (o mais provável é que este seja a própria cidade de Moscovo, que um dia um general Alemão apelidou de "centro nevrálgico do inimigo").

maio 02, 2018

L'imagination au pouvoir


O Jornal I hoje faz capa com os cinquenta anos do início do Maio de 68. Durou um mês, mais coisa, menos coisa, mas o seu espírito (dizem alguns) chegou até nós. Como espírito não sei, como slogan publicitário de certeza, aliás devidamente empacotado (e domesticado) na estrutura do sistema capitalista. Como as calças rotas do Punk que se podem comprar por aí, ou as t-shirts dos Ramones na primark.

Parece que foi Roger Scruton que disse ter visto no Maio de 68 meninos burgueses a atirar pedras a polícias oriundos do povo. Estes polícias (supostamente) oriundos do povo são uma forma de contornar a questão e antecipam em muitos anos as t-shirts dos Ramones da primark. Não fosse a polícia o braço mandado de qualquer elite e estaríamos conversados. Charles de Gaulle terá aplaudido. Sucede que esses meninos burgueses, pelo menos, ainda tinham capacidade para se entediar, ou mesmo para se indignar. Nada, de resto, que fosse possível hoje. A não ser num qualquer púlpito indignatório de uma rede social.

Debord e os situacionistas, nas suas críticas à sociedade do espectáculo, foram absolutamente visionários. Longe de transparecerem (apenas) a realidade de uma época (e eles surgem como movimento ainda nos anos cinquenta) criam, isso sim, um movimento (sobretudo) artístico, absolutamente embrionário na perceção da sociedade que se estava a criar e que desaguou naquilo que somos hoje. E isto em termos de urbanismo, arte, economia, sociedade. 

A parque tematização da nossa sociedade radica na parque tematização do pensamento. Não sei se a sociedade do espetáculo de Debord serve para compreender tudo. Não servirá. Nem Debord nos seus devaneios mais bem bebidos terá sonhado com isso e com isto. E se sonhou, em breve teremos uma t-shirt ou um vídeo numa rede social a confirmarem-no.


Nota: temos que reconhecer que a imaginação terá mesmo chegado ao poder: basta observar a forma como o ex Ministro Pinho (entre muitos outros) toureou de forma criativa a nossa democracia, para reconhecermos a nossa reiterada burrice.

Últimas contribuições sobre o Sporting


no blogue A Insustentável leveza de Liedson: