fevereiro 29, 2008

Hoje amanheceu assim na Twilight Zone

Belos são os sepulcros,
o despido latim e as firmes datas fatais
a conjugação do mármore e da flor
e as pracetas com frescura de pátios
e os muitos ontens da história
hoje parada e única.
J.L Borges
Fragmento de "Fervor de Buenos Aires"

imagem : www.unoriginal.co.uk

fevereiro 26, 2008

Padaria e melancolia

Final da manhã. O sol debatia-se com um punhado de sombras de Fevereiro, perdido na encruzilhada da rua estreita. Encontrei-o meio envergonhado na vidraça da padaria, onde também li, por cortesia, as parangonas e publicidade da semana: professor oferece-se pau para toda a obra; senhora faz limpeza e afins com mestrado em engenharia das mesmas; procura-se gato e idoso. Meio cego, o gato e sem uma pata (não confundir com aquela senhora das novelas que tem vários handicaps). Alvíssaras para quem o encontrar, ah, e já agora o idoso que vestia…por esta altura já eu tinha decidido entrar à Marlon Brando no “Há Lodo no Cais”, fazendo soar os guizos da porta.

Uma vez lá dentro dir-se-ia que a atmosfera se assemelhava a um arbusto obviamente undercover. Nunca percebi a razão pela qual o SIS não recruta pessoal especializado em observação e detalhe na minha rua.

A sra. Dona qualquer coisa esfalfava-se num galão e torradas, o seu segundo pequeno–almoço, guardando o lugar há horas para a vizinha do lado, coitada, doente, mas ainda assim bem capaz de aparecer até às doze, se Deus quiser. O lugar estava seguro.

“Boa tarde menina” lançei, demasiado cedo, ainda muito longe do balcão, calculando mal a quantidade de sacos espalhados pelo chão, com meia dúzia de olhares ruminantes num soslaio mal servido. De caminho, dois ou três bom dia e com licença, entremeados com a artrose da Dona Sra., à qual ripostava o reumatismo e a gota da Fernandinha, senhora de si. A primeira, quase vencida ripostou anos de trabalho, filhos, devassas, sopinha e o diabo, mas o reumatismo entrincheirado de Fernandinha (sabendo-se de sua sorte com um tumorzinho antigo), mais a gota, resistia a qualquer veleidade mais agressiva. Olharam-me: “ menino…menino…”.

Ao escapar ainda pensei um “ minha senhora, lamento não acrescentar nenhuma maleita, que diabo, nem tenho ido ao Dr., caso contrário, nem queiram saber o que aqui vai, lamento…”. Todavia, já me encontrava a salvo, ao tropeçar num rapazolas magricela que emborcava uma super com ar de quem percebe da coisa.

Chegado ao balcão, saiu-me um Gin por favor em lugar do pão de água. O que me valeu foi a surdez da pequenita e a Santinha estar ocupada em escolher o pão santo e da saúde, um a um, para a velhinha do terceiro ao fundo da rua.

A leste, três papagaios revoltavam-se ao balcão contra aquilo que eles próprios denominavam de “sem vergonha…não há direito…”. Um soquete branco compunha um senhor de fato comprado nos trezentos com direito a Martini.

Dois graçolas falavam alto da sua posição no Banco.

“Quatro pães, menina” disse entre dentes, surripiando um sorriso amarelado à pequena. “ E que tenha um bom dia”…

Hoje amanheceu assim na Twilight Zone

fevereiro 25, 2008

Hoje entardeço assim na twiligh zone


- Oh! meu Deus ­– gritei eu. – Oh! meu Deus!
Diante dos meus olhos, pálido e abatido, meio desmaiado, e apalpando o ar com as mãos trémulas, como um homem que escapou à morte, estava o próprio…

Stevenson
"O Estranho caso do Dr. Jeckill e de Mr. Hide"

fevereiro 24, 2008

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

Quanto Morre um Homem

Quando eu um dia decisivamente voltar a face

daquelas coisas que só de perfil contemplei

quem procurará nelas as linhas do teu rosto?

Quem dará o teu nome a todas as ruas

que encontrar no coração da cidade?

Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem

no brilho de olhos lavados nas quatro estações?

Quando toda a alegria for clandestina

alguém te dobrará em cada esquina?

Ruy Belo

fevereiro 22, 2008

Uma casa inútil na padaria

Dos olhos e com amor
dizia-se perdido na penumbra sóbria
da biblioteca.

Executou, a expensas próprias,
empreitada insuspeita de um solilóquio
mudo dos lugares.

Terá investido essas páginas
na volúpia tresmalhada do sangue
a quantos a lerem

mais
não disse ou escutou
deslumbrado no mar de outrora
.

GP

Títulos fabulosos II

A Queda de um Anjo (1886)
Camilo Castelo Branco
Editorial Sol 90

A Queda do Anjo (1941)
Marc Chagall

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 20, 2008

Paisagens paradigmáticas


O campo da Pontinha é um campo paradigmático.
Sr. Bitaites (ex. qualquer coisa do F.C. Porto e da Selecção. Homem da boémia mais paradigmática, soltando-se na Liga dos Últimos)

Pérola escondida no sapato da RTPN, o Sr. Bitaites e companhia da Liga dos Últimos já arribaram à superfície na RTP1. Em breve serão “descobertos” pela turba e engalanados como comédia de enganos, ou paródia popularucha. Errado. Aquilo é o nosso melhor, ou, quem sabe, aquilo que temos. Mas é nosso, não tem estética nem maquilhagem.

http://www.youtube.com/watch?v=aQIRM_1M1PQ

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 17, 2008

Hoje amanheceu assim na Twilight Zone


A mão com a caneta equivale à mão com a charrua. -Que século de mãos!- Nunca a minha mão terá a sua vez. Depois, a domesticidade vai longe de mais. A honradez da mendicidade dilacera-me. Os criminosos repugnam-me como os castrados: eu, estou intacto e isso é-me indiferente.

"Sangue Maligno"
Rinbaud

"Uma Temporada no Inferno", Ulmeiro

fevereiro 16, 2008

E se num dia de fevereiro a música entrar pela janela....

Para nos redimir (sem nos ocultar) das misérias da vida, fortalecendo-nos onde amiúde soçobramos, um som que se materializa enchendo a sala.

Caso raro (mas penso que não único), uma colectânea de uma banda com apenas um álbum (à época, The Smiths, 1984). Acrescentou-se uns “lados B” e uns takes de sessões da BBC. Para comprar e ouvir. Quanto a mim:

I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now

I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now

In my life
Why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die ?

"Heaven Knows I'm Miserable Now"
The Smiths

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 13, 2008

Emparedados com amor...

Em boa verdade, quando ouço falar em posições oficiais, lembro-me logo da pornografia mais reles. Também esta tem as suas posições. Também, para além de outras, terá as suas oficiais e oficiosas, a julgar pela cambada (altamente credenciada) que (sorrateira) destila pedinchando, um pouco de sexo.

Se vira o disco, ou o canal, é indiferente. Na esperança ténue de um carinho cinematográfico, ou à falta deste, um acrescento ao cérebro grelado pelas indisposições alcoólicas, conversas sem treta e arremetidas de sacristia, encontra-se, pois o pecado calça-nos os ouvidos, encontra-se todo um leque de relações bilaterais, com um jornalista a reboque de uma marquise em lugar da boca. Este escancaramento, mais as relações, ainda por cima de natureza bilateral, inevitavelmente me projectam para o domínio da pornografia e do putedo mais bravo. Melhor me recordam, mais o parecem, mas sem a verve, sem a magnitude esplêndida do prazer carnal desabrido.

Nisto e naquilo pensava eu, quando deu num remake súbito, a dança espasmódica do momento: as primárias na América. Eu ainda avancei um “que tipos atrasados, aqui já não se chamam primárias mas “2ºciclo” do ensino básico”, quando, a páginas tantas, lá dizia, a Sra. Clinton que depois de um Bush (o segundo) teríamos de ter um Clinton (uma neste caso), segundo(a) para limpar a casa. Obama à sua frente, excitado, quase lhe deu para o batuque. Eu pensei “ que raio, não esclarecem, neste caso, se também o Clinton de serviço vai trabalhar com o charuto?...”

Toda esta parcimónia e gentileza encerra mais olhos que barriga. Porquanto esta dicotomia ou maniqueísmo, mulher branca/homem preto… parece coisa de porno, não?

Saí e desci a avenida em direcção a nada. Fui a tempo de Ancorar um poema no sopé da porta dela.

Dos Anjos...


Queda dos Anjos Rebeldes - S/D
Pieter Bruegel, o Velho

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 12, 2008

Hoje amanheceu assim na Twilight Zone


Não sou louco e, de certeza absoluta, não estou a sonhar.


"O Gato Preto"
Edgar Allan Poe
Ilustrado por Horacio Lalia

Edições Asa

fevereiro 11, 2008

A amanhecer ainda com um jogo das moscas

“Ganhei!”, declarava ter vencido a aposta. O seu cálculo era que o Arquiduque, com todo seu conhecimento de desportos e corridas, surpreenderia a fraude e, como a trapaça no jogo da mosca é o mais odiosos dos crimes e por sua causa os homens têm sido banidos definitivamente da sociedade humana para a dos macacos dos trópicos, calculava que o Arquiduque seria bastante homem para daí por diante se recusar a ter qualquer interesse por ela. Mas era uma opinião errada sobre a candura do amável fidalgo, que não era bom juiz de moscas.

"Orlando"
Virginia Woolf

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 10, 2008

Hoje amanheceu assim na Twilight Zone


“When You Are Old…"

Quando grisalha e velha e mais de sono cheia
Cabeceares à lareira, pega nestes versos
E lê-os devagar, e lembra os universos
Do teu olhar de outrora, tão profunda teia;

E quantos tanto amaram teu alegre encanto,
Como tua beleza em falso ou vero amor,
E um só foi quem amou de tua alma o ardor
E do teu rosto a mágoa do mutável pranto.

Curvada então ao lado das ardentes brasas
Murmura um pouco triste que o amor se afastou.
Nos sobranceiros montes vagueante andou
E seu rosto escondeu na multidão dos astros.

W.B. Yeats

fevereiro 09, 2008

Quando puder...

Devo o encontro com Cavafy a uma memória perdida e insuficiente, espraiada, todavia, num deslumbramento perpétuo pelas coisas. Reconheci-o (não tenho dúvidas que o reconheceria sempre) numa esquina inoportuna, esvaziada por um qualquer salafrário de sacristia académica, poisado, como um anjo, num saldo de hipermercado. Agradeci. Agradeci e morri mais um bocado.
A minha companhia anuiu. Também terei a minha Alexandria?
À noite ainda me sussurra: quando puderes…


Quanto Puderes


Se não podes fazer da vida o que tu queres,
Tenta ao menos isto,
quanto puderes:
não a disperses em mundanas cortesias,
em vã conversa, fúteis correrias.

Não a tornes banal à força de exibida,
e de mostrada muito em toda a parte
e a muita gente,
no vácuo dia-a-dia que é o deles
- até que seja em ti uma visita incómoda.

CAVAFY

Tradução: Jorge de Sena

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 07, 2008

Títulos fabulosos

A Linguagem Perdida dos Guindastes”/”The Lost Language of Cranes”
David Leavitt
Editorial Presença


Nem sempre os títulos justificam os livros e vice-versa. Estes nem sempre correspondem ao livro... e ao original, o que em portugal é quase má tradição. Todavia impõe-se uma leitura. Mas, e o coleccionismo vampírico? Em Títulos fabulosos apenas nos interessam os títulos...seja de livros seja o que for. Proximamente, também, Capas Fabulosas.

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 06, 2008

Ainda dizem que o futebol é simples...

Um destes dias o Sr. Machado, mister do S.C. de Braga ainda chega a um cagalhão em lugar da tola. Agora que aparece mais, ninguém o cala na sua inconsequente viagem ao fim da língua. Coisa tipicamente portuguesa, ganhar lanço e armar ao pingarelho, subir (literalmente e passe a redundância) para cima das palavras e sachá-las sem sentido. Fica mal e nota-se logo.

Diz o Sr. Machado após o empate com o Estrela da Amadora (que contou com uns 700 espectadores(?) já com os animais e convidados, na demanda de um futebol português que só existe no papel): Uma equipa jogou no erro para chegar ao golo.

Prefiro a Liga dos Últimos…

Em Lugar da Tola

Novo tema com saudação ou prémio. Hesitou-se profundamente, numa espécie de debate interno pré-operatório, entre a opção Um Cagalhão na Tola, do inefável Prof. Herrero, e Um Cagalhão em Lugar da Tola. Optou-se por este último, embora correndo o risco de algum dos sitos em lugar da tola, confundir a rubrica como um Lugar qualquer, muito comum no Minho e Beiras.

A primeira saudação Um Cagalhão em Lugar da Tola vai para o estrangeiro, mais concretamente para uns tipos que se andam a matar em nome da Democracia (honra lhes seja feita, segundo tradições ancestrais), à catanada, cutelada e afins, numa belíssima terra de leões, girafas, turistas intrépidos e documentários da BBC: Quénia.

Esta saudação, não encerra apenas uma missiva para a matança. Constata-se que os próprios matadores ainda não perceberam que se tratam de joguetes nas mãos dos seus mandantes nativos. Observando-se também, a sua impossibilidade em alcançarem que, os aludidos ocidentais nunca, mas nunca, lhes substituirão os cagalhões em lugar da tola. É bem feito!

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 02, 2008

Apresentação de Babilónia na Twilight Zone

Vivo em Babilónia, bem ao lado da guerra, há já algum tempo. É perto de Braga. Mas pouco. Eu diria o suficiente para não conhecer bem os vizinhos. Ainda agora se arrumaram dois ou três sob esta pequena colina onde escrevo, sem no entanto, revelarem os seus intentos, se os têm. Somos parcos em palavras. Eles, ou eu, não sei bem, ou cada um deles, observando-se alguns em pequenos grupos -como ainda agora, ou junto ao riacho infecto. Esses murmuram. Denunciam um ar preocupado como se algo os atordoasse permanentemente. Algo destrutivo. Ruim. Penso nisso enquanto escrevo.

Não me serve da nada, com as estrelas cadentes, as quais, lá fora, julgo, se denominam de bombas a retalho ou por grosso.

Aqui ao lado, mas de um ponto de vista superiorizado pela indiferença do meio, atribui-se a desvantagem de uns à marmita (tenebrosa) da religião de outros. Nunca foram ao cinema, estes, parece. Nem os outros. Não conhecem a matriz ideológica das marmitas nem o semblante vetusto dos chafarizes. Por isso, continuam a discutir eternamente o assunto no interlúdio da sopa, no final das refeições, com a marcação atempada de um lanche, não vá a fraqueza dar canteiros à flor da devassa.

Hoje amanheci assim na Twilight Zone

fevereiro 01, 2008

Da pastelaria com amor

Faz hoje 100 anos que o El Rei D.Carlos em caleche acompanhado da Rainha e filhos, ali ao Terreiro do Passo, desceu a rua em direcção ao nada. Alguns tiros e tudo terá terminado. Até a Monarquia Constitucional. Coisas para se ler à lareira, sem o Dr. Saraiva por perto. Ou então, ai a porra, na escola, que esta sempre servirá para alguma coisa.

Dois anos volvidos, a 1ª Republica. Seguir-se-iam uns anitos de foge que te apanho. Até ao Sr. Dr. Salazar e sua inclinação senil para nos embalsamar em perpétua ignorância.

Entretanto, na nossa democracia bonsai, onde dois ramitos foram aparados esta semana, esqueço a natinha e os olhos descaídos de sopeirisse mal dormida da assistente de bolo. E peço pão de água, escondendo de soslaio uma trégua. A Sr. Dona Qualquer coisa escuta um hino na rádio confirmando a sua aptidão para todos os registos sonoros. Dois pavões em salmoura lêem o jornal. Ainda assisto à lembrança de um panado, hoje parte integrante da modernidade de pastelaria. Com amor.

Hoje amanheci assim na Twilight Zone