abril 27, 2014

Post mortem (VI)


Mais conhecidas – lá para o final da sua vida – como corridinhas, começaram por ser um incontornável prolongamento do corpo torneado do Inútil, ao melhor estilo Miami Vice, na tristemente célebre república caribenha de Ofir, junto às torres. Descobertas perto de Guimarães acopladas a uns sapatos da mais fina cepa, demonstraram de forma empírica que dos espanhóis nem bom vento nem bom casamento, mas quanto a sapatilhas é outra coisa. E quando me refiro a espanhóis não estou a pensar nos nativos de Guimarães. Leves, macias, conseguiam disfarçar o branquejas com aquele verdinho anarco-sportinguista a caminho do remate final, onde se podia ler: Bunker. Tinham dois anos e picos, talvez três. Diz que ainda segredam caminhadas quanto o vento está de feição. 

[foto GP]

abril 25, 2014

O que o mar não quer




No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo, "Morte ao meio-dia"

[boom]

abril 13, 2014

E se o governo for o inimigo público, Gibbon?


A incapacidade de um governo fraco e desorientado pode frequentemente assumir a aparência e produzir os efeitos de uma traiçoeira cumplicidade com o inimigo público.

Edward Gibbon ("Declínio e Queda do Império Romano")