agosto 28, 2009

Belíssimo Alfredo


“As minhas pernas estão a ficar mais finas e o meu estômago mais proeminente”. Quem disse isto, enquanto pontapeava uma lata de cerveja choca para cima de um disco da Janis Joplin não foi o Jim (Douglas) Morrison, mas o meu amigo Alfredo, desesperado com as (des)construções desvairadas da cidade, essa “panóplia de betões cinzentos, esquecida de qualquer sabedoria”. A barba cresce-lhe farfalhuda. Alfredo recusa o tempo da dor e esmaga uma camisola de fancaria com o Che. Isto depois de eu o ter encontrado na iminência de uma escadaria com pouco mais de 20 anos, num atravessamento estreito, com os candeeiros a irradiar uma luz fantasma, amarelecida e repleta de sombras antigas. Foi depois de uma caldeirada (eu diria espanholada), de safío, com mais espinhas que a nossa existência, que galguei a espaços cada recanto da minha (nossa) paróquia. Dei comigo, e com a paróquia, encostados na praça velha, a relembrar o filme “Cinema Paraíso”, naquela parte em que o nativo dizia, já velhote, entre os muitos automóveis: “a praça é minha, a praça é minha”. Recordei esse Alfredo (projectista com a idade do velho cinema) com o puto. Um filme para toda a terra assistir: “Belíssimo Alfredo”. 

agosto 26, 2009

O triunfo dos porcos

Andam por aí indivíduos cheios de "princípios". E, à parte disso, decididos a governar; ou, pelo menos, a ter poder. Qualquer poder. Nem que seja um número três para a junta de freguesia, sempre são uns trocos e uma roupagem para laborar nas azenhas e subterrâneos da tachice. Esse poder meus caros, o tal poder, o status loja dos trezentos, contamina as deambulações erráticas do nativo, pega-se, com a força, assim mesmo, da epidemia (sem linha 24 que a valha), até contaminar os derradeiros refúgios da inteligência. É uma minúscula (e suposta?) vantagem de expressar o “eu”, a sublimação derradeira do cacique até às entranhas da fístula social. O fim da linha da cagadeira. E ainda assim, assemelhando-se, muito de perto, ao culto do (pseudo)canudo, do veículo com estofos de cabedal (último a sair), cunhado ou irmão da viagem imprescindível à punta das canas, da casa a 25 anos; sinónimos, aliás, do mais selvagem dos individualismos europeus, alicerçado na insipiência nativa: a sobeja da malga de sopa a escorrer pela camisa; o olhar baço e cobarde que assiste à sua putrefacção; (muito) bacalhau a encher o prato e a substituir o ruído cognoscível da sardinha para dois (naquele tempo!). Naquele tempo é hoje. Um século XIX (para não recuar mais), reconhecível nos urinóis políticos e nos debates abstémicos. Um enfado prazenteiro. A inexistência de qualquer mundo. E, no fundo, como uma onda, ou se quiserem, uma vaga de fundo, à benfica, essa inexplicável ténia que escuta fado, vai à tourada, e termina com dores nas cruzes…  

As minhas cassetes 53

agosto 23, 2009

A matéria invisível

“Cuidado com os micróbios, pequeno” - grita uma senhora empoleirada na janela às coisas cá de baixo. Mais à frente, encontro a manquinha a entrar na padaria e noto, sem grande pesar, que tudo está na mesma. Por isso mesmo, ando escondido a escutar coisas antiquíssimas como o 1º álbum dos Clair Obscur, o “Counterpoint” dos In The Nursery, e uma merda que me faz confusão como é que lá cheguei de tão fraquinha: os Negativland. Na verdade, ao fundo da rua já estou a mudar a paparoca para o velhinho “A Um Deus desconhecido” e a preparar uma investida caseira baseada nas (minhas e próprias – assim mesmo) conclusões sobre “A sociedade de consumo” de Jean Baudrillard. Entretanto não acabo os contos da senhora dos pavões, não vou à pesca, não jogo futebol com os amigos e não me lembro de ir à missa. Por outro lado, consumo carradas de obras sobre a temática deslumbrante: cidades e urbanismo; viajo por catedrais góticas e encontro em cada esquina variadíssimos escritores a dar a sua esmolinha para a causa. Descubro outra e outra vez que tudo está ligado quando encontro o Marx perto do Camillo Sitte e o Corbusier num engarrafamento com Hugo (não é o do circo) e Wells.
Acresce ainda que, finalmente, consegui livrar-me de uma das minhas (muitas) alergias (e reacções extemporâneas), esta última resultando em cerca de 325 borbulhas, dispostas, ora em camadas nas pernas, ora aleatoriamente nos braços e na barriga (soube por um espelho que também as carregava às costas). Parece que a coisa foi o resultado de 3 ou 4 dias de sol, colhido entre as 17h e as 19h, maioritariamente preenchidos na água. Odeio areia quente e odeio sol. Mas gosto de água. Gosto de água. Vai daí conclui-se, não vejo outra cena, que esta alergia, e temo que muitas outras, será causada pela denominada matéria invisível, uma cena que o Thomas Browne, segundo parece, já se debruçava…


Imagem: "Sunrise with Sea Monsters", John Mallord William Turner, (1775-1851)

E agora uma cena quase actual parecida [sussurram-me] com cenas passadas

agosto 22, 2009

Por aqui também não faltam candidatos a figurantes seja lá para o que for

«Eles lá têm tantas raparigas bonitas de que não precisam que lhes chamam figurantes e não as usam para nada que não seja darem coisas às pessoas e depois tirarem fotografias com elas. Tiraram-me uma fotografia com ela. Não. Eram duas. Eu no centro com uma de cada lado e eu com os braços à volta da cintura delas e a cintura delas não era maior do que uma moeda de cinco cêntimos.»

"Um encontro tardio com o inimigo", retirado da colectânea de contos "Um bom homem é difícil de encontrar", de Flannery O´Connor. Tradução de Clara Pinto Correia. O livrinho está mesmo aqui ao lado...

agosto 21, 2009

É provável que nos voltemos a encontrar

A coisa havia começado assim: “É por um acaso que escrevo quando o copo de cerveja está (já) a meio”. Minutos antes desta enigmática sentença, recordo-o bem, estava eu a reflectir na problemática sempre pertinente da disposição táctica do Sporting, sem esquecer a inusitada e deslumbrante ausência de laterais com o mínimo de categoria, quando uma luz, a início, dir-se-ia, um lampejo praticamente imperceptível, mas depois insinuando-se frenética e ofuscante, pulsou no meu cérebro. Curiosamente, agora que a tento recordar (a pulsão logo aí terá degenerado em ideia – é sempre assim), recorrendo a meios pouco ortodoxos, destapo, não sem algum desnorte, a capinha de sombras verdadeiramente tenebrosas que nos salpicam os dias. Nem o percebemos. Entretanto, nesta reconstituição histórica recente para chegar à tal ideia, recordo essoutros momentos fatídicos em que tudo se ganha e tudo se perde num segundo: uma ideia assombrosa; um poema irrepreensível; um reconciliamento intimo; uma palavra desencaminhada; um projecto grandioso a três fases; um capítulo inteirinho da tese. Seguidamente, tudo se esfuma, entre uma antiga passagem estreita que culmina numa escadaria de madeira que dá passagem para a cangosta, e uma queda, nocturna e grave, que esfacela uma canela. Chegados à marquise, alguém ressona, e o vento dá de mansinho nas vidraças forradas a cortinados com renda, evocando todas essas vozes que já não recordamos. No dia seguinte talvez cheire a rosca e café com leite. Está tudo em camadas no mundo. É provável que nos voltemos a encontrar.  

imagem: "A persistência da memória", Salvador Dali, 1931

agosto 17, 2009

Na Jamaica os Ferraris são assim


Este senhor, de nome Usain Bolt, correu os 100 metros em Berlim em 9.58 (nove segundos e cinquenta e oito centésimos! – assim mesmo, com o tal ponto de exclamação que alguns querem correr daqui para fora) e, no final, sem qualquer pejo, terá pedido para soprar ao balão. Note-se, note-se bem, que praticamente nenhum órgão (excluindo o meu fígado), seja de informação, seja de recreio imediato, salientou a façanha, preferindo os lamparinas e o futebol clube pinto da costa como vitrina para os nativos e emigras de fancaria lusitana que vestem a famosa camisolinha de alças, vulgo, sport. A excepção foi o meu pasquim Público, onde o sr. Fernandes rumina uns editoriais e deixa passar tudo que tenha boa figuração (desde que não seja contra o seu armário liberal maciço). Da volta a Portugal nadinha, que os lamparinas já não correm, enfarpelados de Ferraris, com canastro de caracóis. Ganhou o Nuno e ainda por cima português Ribeiro. Mais a mais, só Jamaica:

agosto 14, 2009

Os meninos do (de)coro

Para começar odeio escuteiros. Em tempos idos, frequentei raras vezes uma sede lá na terra verde para jogar pingue-pongue e fartar-me de rir daqueles calções com fitinhas e bolsos de lado, hoje tão em voga entre os nossos emigrantes juntamente com a fabulosa camisola de alças, vulgo, sport. Esses calções também figuram naqueles documentários rapetas que a RTP2 passa vezes sem conta (repetidos) durante a semana, nos quais o apresentador é uma espécie de Jorge Perestrelo (bem haja, esteja onde estiver), relatando in loco as vivências da bicharada, e onde aparecem, por exemplo, crocodilos violentíssimos (ainda a mão do dito cujo apresentador lhes atormenta o palato) a cantar valsas em línguas eslavas, e tigres sentados em regaços elegantes de biólogas com ar de quem nunca saiu de Woodstock. Ainda ontem vi um doc sobre um super-grupo de leões que ganharam três a zero a uma equipa de gnus recheados de estrelas. Foi um pitéu.
Mas voltando aos calções com fitinhas, um destes dias ia eu num daqueles comboios de ligação que se apanham depois de uma confortável e rápida viagem em inter-cidades, e que nos levam ao destino entre mil paragens com nomes como “Travagem”, quando dei de fuças com uma comitiva razoável de calçõezinhos enfeitados até à medula. Ainda quis saltar borda fora mas o raças do comboio modernizou-se entretanto com portas automáticas. Ainda com a cabeça de fora, na esperança de bater contra um poste de alta tenção, veja-se, logo aí, começaram os berros, as cantilenas pimba, os joguinhos infantis, e, quando resolvi, na medida do possível, sentar-me e ligar o Mp4, os berros vibraram mais, ainda mais, auxiliados por saltos na carruagem. O pica não desgostou. O resto da plebe, encaixada no seu reservatório de embrutecimento, anuiu, pois bem, anuiu, e, pode-se mesmo dizê-lo, apreciou aquele desvario dos bons samaritanos que respeitosamente mandavam toda a gente à merda. No final, enquanto procurava uma banheira para cortar os pulsos, ainda consegui escutar alguns hinos saloios, e um outro que soava a mofo em cálice gutural e terminava de forma sentida num”pela pátria e pela igreja”. E a família, para terminar a trilogia dos bem comportados da nostálgica mocidade, não?..
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agosto 12, 2009

As minha cassetes 52: eu lembro-me muito bem disto



Corria o ano de 1984...
ah, ainda hoje, o mais tardar amanhã, vou escrever qualquer coisa sobre a senhora dos pavões, a tal, da posta anterior...

agosto 04, 2009

Sempre a tempo das vacances...

Foi no final de um jantar simples, composto de massa cozida com atum, cebola, ovo, queijo, tomate, azeite, vinagre e orégãos, e (a pedido) acompanhado de subtis e nortenhos rissóis de carne, que surgiu a sifilítica frase: “ sempre que lhes damos um nome, morrem.”. A questão arrogou-se logo ali de pertinência literária. “Título [para um livro] nunca”, disseram. Muito menos a primeira frase de um romance. Uma e outra, coisa de suburbanos empregados na literatura, como o sr. Antunes, do quarto escuro, psiquiatra de si mesmo. Parece, diziam, aquele “não entres demasiado [invenção nossa] nessa noite escura”, sem correcção coeva dos acontecimentos. Seguiram-se outros complementos que desaguaram na gigantesca estrutura (paga a peso de ouro) do convento de Mafra, sem Baltasar e sem Blimunda, sem padre voador, e a aterrar no mesmo Fiódor de sempre. 
Reparei então que a questão, da minha parte, derramava-se na planície infindável da literatura, e, sem demoras, amordacei o espaço envolvente com duas ou três frases da lavra de um Camilo à jorna. Foi a tempo. Ainda saí para o regaço da noute, a contar os tostões que desperdicei nos sonhos. Criança, e à frente, resmas de noute…

imagem: "Suicídio", Édouard Manet, 1877

agosto 01, 2009

Chuva em Agosto, moço bem disposto


Boa Noute. Para esquecer a parte season (sem silly) mas não na totalidade: Afinal a Fatinha Felgueiras vai a banhos, desta vez na Apúlia, sem precisar de ruminar plásticas no calçadão do Rio. Deseja-se igualmente boa temporada à ninfeta Joana Amaral Dias, alegremente infeccionada de apelos não menos apetitosos que o seu desvario proto - direitíssimo. Reconheça-se, a senhora tem demandas e, quem o sabe, caminhos ou directrizes, estranhas, ou não, à nossa investida moral. Já para não falar em desejos…