setembro 18, 2011

Por exemplo

"Montaigne acreditava que, já que não podemos derrotar a morte, a melhor forma de contra-ataque é tê-la constantemente em mente: pensar na morte sempre que o nosso cavalo cai ou cai uma telha dum telhado. Devíamos ter o sabor da morte na boa e o seu nome na língua. Antecipar a morte é soltarmo-nos da sua servidão; além disso, se ensinamos uma pessoa a morrer, ensinamo-la a viver.”

“Nada a Temer”, de Julian Barnes, Quetzal, Tradução de Helena Cardoso.

Julian Barnes, autor do genial “O Papagaio de Flaubert”, mereceria (temos quase a certeza) uma capa mais interessante para a versão portuguesa de “Nada a Temer”. Entre a aproximação xunga ao genério da série Sete Palmos, e as capas de livros de auto ajuda com as letrinhas em relevo e a arvorezinha num fundo cinza com sombreados, esta capa é menina para despertar em nós uma fúria raivosa capaz de decepar de um só golpe o frontão do moço que disserta ali perto sobre literatura, ou o caralho. Resta-nos a consolação de muita gentinha comprar isto ao engano.

setembro 04, 2011

Vão para o diabo sem mim - parte zero


Acordei a pensar nisto e não sei se compreendo.

Mas eu vi tudo: por obra de um espelho, a junção da liberdade com o multibanco. O hipermercado que precede(u) a betonização; o shopping que simula a rua e a praça, a calçada e o largo, e depois a vida. Do panadinho ao hambúrguer foi um ápice. Mas Fátima lá ficou.
Da longínqua Europa, começaram a vir charters de cheques em branco. Turistas very white vieram observar os nativos, e encheram alguns hotéis. Ninguém saberia dizer quem era essa tal de CEE, depois UE, mas agradecíamos a bandeja com os subsídios, empréstimos e graças, que o diga o pobretanas do Sr. Américo Amorim.
E tínhamos, claro que tínhamos, uma estratégia: manter a cancela semiaberta; o caciquismo; a roubalheira miudinha; mostrar obediência e fechar as portas a tudo que não fosse (supostamente) moderno; e claro, as auto-estradas. Os patrões compraram o seu Mercedes e arranjaram a sua amante. Os trabalhadores quiseram ser patrões. Eis tudo. Era óbvio que o têxtil tinha futuro e ao interior rapidamente se chegaria. Entretanto o povo começou a pedir emprestado para a casa, o carro e o aparador da sala. Os bancos, as agências de viagens e as capas da Sentinela e Despertai prometiam paraísos com leõezinhos a beijar gazelas e criancinhas a brincar com crocodilos delicados. Tudo isto servido com políticos semianalfabetos devidamente credenciados, capazes de assinar o seu nome e soletrar a palavra ECONOMIA, rodeados de seres humanos capazes de qualquer coisa para ficarem com uns restos. E longas filas de espera para isto tudo. Resta-nos pois o Euromilhões ou Nossa Senhora de Fátima.