novembro 28, 2010

Memorial de uma posta de ontem: na padaria


Somos grandes. Na padaria, deus a tenha, preparam-se as festas com bonomia. A cada Martini acresce uma cerveja para aclimatar o desejo, e o pãozinho santo é servido com destreza, a cada cozedura, ora branquinho, ora torradinho, mas nunca, nunca, para nos fazer recordar o antigo pão. Finda a desmama da cimeira da nato e da greve geral, dúzias de tumores pequeninos florescem à volta do balcão vitrina da padaria e, imagina-se, ali ao lado, em todas as casas as intumescências imperam em pequenas salas de ensaio, tipo “hall de entrada” e restantes pleonasmos que nos sustentam num desmaio contínuo até ao centro comercial. Pelo menos está quentinho, dir-me-ão, enquanto comentamos o jogo do dia. E o “Sporting quase ganhou”, dizia-me o sr. Silva, com o seu sportinguismo envergonhado a tiracolo, sem respingar ao moderno portista sr. Lopes, salientando este, a renuncia belíssima do sr. Silva a ter tomates, ao mesmo tempo que respondia a um outro “Lopes” vermelho de Benfica (que por um acaso tinha sido recentemente operado a um “talo na perna”), que também tinha uma coisinha má, o que lhe dava sólidas razões para emborcar uns quantos portos brancos (enquanto acariciava a muleta), demonstrando por a mais b, que o título para eles seria uma miragem.

novembro 23, 2010

Recordação: será sonho ou uma greve geral?

Acordar cedo e gelar enquanto aqueço o chã, voltando logo a seguir para o recinto dos lençóis e cobertores, com um jornal à vista e alguns livros e apenas um braço de fora, o que torna tudo tão impraticável…penso (pensava) como vai ser?, e logo caminho em círculos, em círculos, prestes a morder a cauda, nem sequer é um labirinto antigo, ou um conto do Borges ou do Calvino....nem sei bem o que escrever enquanto limpo o nariz. Não é uma imagem bonita, isso não...


novembro 19, 2010

A circunstância fixe


Por um acaso sei onde estou. Ali, quase longe, um país anota as purgações de um outro que é o seu. Afinal é mesmo perto. Na grande capital, brincam-se aos políticos e às guerrinhas. Já se sabia, os grandes chefes multiplicam-se na roda à volta da fogueira, fumando o seu cachimbo em área permitida, enquanto outros treinam à manif com dia e hora marcada, antecipando placidamente o seu momento. É toda uma estrutura de ensaio, rematada nas mais singelas instâncias da simulação: todos juntos, cada um no seu (esboçado) lado da barricada. Resta-nos, um dia destes, a visita à casa de alterne crise, onde se assentam as alternadeiras cognominadas mercados. Paga-se um copo, mas nem se fode nem se sai de cima.

novembro 15, 2010

Poderiam ser vitupérios à solta na desmama

Eu apenas ia escrever sobre uma cena. Aliás, tudo terá começado com um artigo no Ípsilon, aquele apetrecho que vem acoplado com o Público às sextas, sobre um livro “O Estaleiro” de Juan Carlos Onetti, um gajo que eu quero mesmo ler, mesmo ler, nem sei bem porquê, mas julgo que subjugado por milhares de pensamentos que convergem num sentido: o pessimismo. Vai daí, neste mundo claustrofóbico animado, deparei-me com uma cena “Da cidade nervosa” do Vila- Matas, uma compilação de textos do sr. Enrique, (tipo compêndio – uma cena menor para vender livros), em que se lia qualquer coisa tirada do Elias Canetti, que por momentos, vá-se lá saber, me pareceu Onetti. Confusão. Mas, pois, era assim:

Alguém que jura viver no seu próprio país disfarçado de forasteiro até que o reconheçam. Morre, profundamente amargurado, como forasteiro.