julho 31, 2011

Paradoxalmente

Não prometemos nada, apenas trabalho. Com esta contradição à priori alinha-se todo um país em fileiras cuja tabuleta assinala:”a banhos”. Não iremos. Não iremos ao insuportável mundo dos areais, mas deixaremos um rasto de livros para que os bufos (hoje denominados de espiões) se comovam à nossa passagem.
Relativamente à tarefa, restava-nos talvez aferir que: “Enfrentar e retribuir o ódio podia ser um sentido da vida, um costume, ou gozo; quase tudo era preferível ao tecto de chapas esburacadas, às secretárias poeirentas e cambadas, às montanhas de pastas e arquivadores encostados às paredes, às ervas daninhas pungentes que cresciam enredadas nos ferros da janela panorâmica desguarnecida, à exasperante e histérica comédia de trabalho”(…).
Não contentes, estorvamos a farsa, por exemplo, vendo o “Gran Torino”, Directed by Clint Eastwood, ou com a emoção na corda bamba do séc. XIX, lendo que:” O aparecimento da vulgaridade costuma ser útil muitas vezes na vida: ela alivia as cordas demasiado tensas, atenua os sentimentos de presunção ou de falta de respeito próprio, lembrando-lhes o seu parentesco com eles(…)”. Não há nada de mal nas coisas truncadas. A própria realidade é hoje um autêntico inventário de acontecimentos truncados. Resta-nos um filtro, ou ir fumando e cuspindo os restos que se pegam aos lábios e língua.

A primeira citação, ou muleta truncada é pertença do Sr. Onetti. Juan Carlos Onetti era um jovem Uruguaio quando publicou “ O Estaleiro” em 1961, data em que, obviamente, Sofia Castro Rodrigues e Virgílio Tenreiro Viseu, não faziam a mínima ideia que iriam vertê-lo para a língua portuguesa 40 anos depois através de uma edição Ulisseia. Eu próprio não fazia a mínima ideia, claro está, que iria juntar todos estes trapinhos aqui.
Ali, a segunda truncadisse, sempre me pareceu uma ideia. Uma
Ideia é coisa muito séc. XIX. Pertenceu à pena de Ivan Turgéniev, em “Pais e Filhos”, páginas 118 e 119, da edição portuguesa dos Clássicos da Relógio de Água, traduzida (do Russo, pois) por António Pescada.

julho 23, 2011

Bússola Andress

Londres, Julho 2010

Há qualquer coisa de insidioso na rotina. O mesmo se passa na viagem. Talvez por isso ambas sejam tão necessárias. Pensava nisso agora enquanto começava a escrever algo, supostamente, acerca da linguagem, e de como esta serve como veículo de transmissão de falsificações, de criação de ilusões. Nas TVs da Europa, os movimentos tipo “indignados” surgem-nos como algo novo. Novo?, interrogo-me. Diferente? De que modo isso releva ou interessa ao outro lado, ao sistema capitalista? Existirá um outro lado, ou será apenas outra face da mesma moeda?

Recordo, por exemplo, um acampamento em Londres que observei em Julho de 2010, (uns meses antes dos acampamentos indignados - que merda de nome) ali bem no centro político da cidade. Não me recordo porém de o ver na TV, muito menos em Portugal. Foi-me confidenciado que era até um acontecimento banal, para aqueles lados, e permitido naquele lugar, portanto aceite, o que pode parecer estranho num país cheio de “proibido andar de skate nesta área”. Estranho? Talvez não.

Recentemente deparei-me com um “Bal Populaire”, ali para os lados de Montmartre, junto à estação de metro de Abbesses, organizado por uma tal de “Union des Etudiants Communistes”. A coisa era gratuit, e tinha supostamente uma costela de “solidarité avec les peples árabes!”, mas não se notava nada, quer dizer, a malta não estava a dizer palavras de ordem, nem sequer havia palanques ou discursos à volta da fogueira, nem assembleias, nem ponto do dia. E se calhar também não estavam assim tantos Árabes como isso. Simplesmente música ao vivo, rock, hip-hop, reggae - pareceu-me, e nada de especialmente recomendável; salsichas e uma cena qualquer de porco (porco e Árabes?) grelhada; bebidas alcoólicas (ui, os árabes), tipo cerveja choca, Ricard, vodka e até vinho tinto a copo. A fauna era variadíssima, entre pretos, brancos, árabes(?), alguns turistas, franciús, freaks, japoneses de câmara tudo menos oculta, e gajos que não se percebia muito bem o que eram, ou deixavam de ser. Se no primeiro dia ainda se viam uns tipos com autocolantes da UEC, no segundo dia nem isso. Não era encenado. Era quase só divertimento, aberto a toda a gente. Era barato. Ninguém chateava, mesmo quando alguém vociferava (quase murmurando): la decadence de la France. Podia-se até mijar no jardim minúsculo. Ou namorar. Ou mijar num café/brasserie próximo entre olhares cúmplices. Não, para além do gajo da decadance, não sei se estava muita gente indignada por ali. Mas aquilo pareceu-me livre, liberto, libertino. E isso é estar realmente do outro lado: talvez o pior que poderá acontecer ao sistema capitalista.


Place des Abesses, Montmartre, Paris, Julho 2011

julho 11, 2011

Às vezes dá-me pena. Tanta dureza, tanta fé, tão impassível ou inocente soberba, e os anos passam, inúteis.


in " O punhal", Jorge Luís Borges (Editorial Teorema)