outubro 23, 2011

Os 400 golpes mais 1



Os golpes acabaram por surpreender-me. Lá para o sexagésimo oitavo já estava por conta do bueiro. Até que ponto fabricamos as nossas memórias, não o sei dizer, mas tendo em conta que vi o filme nos idos noventa, igualmente na televisão, posso agora afirmar – não sem receio de represálias do meu cérebro – que dessa(s) vez(es) terei visto o filme sem olhos de ver, quer dizer, estando de olhos abertos e aparentemente observantes, estes não viam nadinha. E ainda agora acontece. Sustentado na arqueologia da memória, posso assegurar que naquela altura íamos a todas, o que nos facultou um arcabouço razoável para lambermos as feridas e experimentarmos tudo outra vez. Estava (ontem) a ver o filme e a pensar que “isto não tem nada que ver com belíssimo” - é muito mais do que isso - e que para além de uma câmara engenhosa e tecnicamente gandula, o substrato narrativo (que existe!) não se distancia do tempo/espaço em que ocorre. 
Estávamos em 1959, e recordei-me logo de uma frase do Pepe Carvalho (no Milénio I de Montalbán), aludindo ao ”envelhecimento da modernidade”, ou se quisermos, o envelhecimento precoce da modernidade. A coisa nasceu velha. De um capitalismo juncado (e fundado) em cadáveres, passamos - e estou agora claramente a extrapolar viajando no tempo- para um capitalismo juncado de dívidas e fundamentado nestas. Vítima alarve, dir-me-ão, mas não me comovo, sabendo que a estes políticos e dirigentes dá muito jeito a total ausência de memória, e um desconhecimento quase total do povo da (sua) história (para além de datas avulso e comemorações esvaziadas do seu sentido), reconhecendo-se, todavia, que aqueles políticos que constam da frase anterior também desconhecem a história e têm a memória mais curta que um peixe. Por isso dá jeito.  
Fazendo mais um link cerebral, manieto a letra do Cais dos GNR:

Se o mercado impera
Vais sempre longe demais…

Que querem, não estou inspirado…  

outubro 16, 2011

Vão para o diabo sem mim: o burro do povo


Parece que o leite achocolatado ficará taxado como até aqui. Vitória. Parece que o dito é um elemento fundamentalíssimo para o crescimento dos neófitos. Docinho.

Parece que há por aí muita gente surpreendida com algumas das medidas tomadas por este governo de santinhos trauliteiros (e intrujões). Pergunta-se em quem terão votado (quando se dignaram a ir votar) nos últimos 35 anos estes “surpreendidos”, “ultrajados”, “acampados” e “indignados”.

Eu confesso-me fodido. E burro: como a personagem – assim me pareceu- principal do filme de ontem na RTP2, ”Peregrinação Exemplar” do Bresson. Leio que lá mais para o fim da película (quando já cá por casa nos interrogávamos quem era o burro), o burro é salvo por um moleiro que acredita que ele é a reencarnação de um santo. Basicamente é esta a história do nosso país. E aposto que alguém virá para nos salvar

outubro 09, 2011

Envernizados pelas lagostas

Plano efémero de uma Instalação MM (praia de Ofir 08-10-11)


Uma vez passada a caixa dos “camemberts”
o escaravelhozinho perdeu-se no deserto
onde o presunto quase morreu de fome
Corre a um lado e outro
mas a um lado e outro só vê tomates caiados
Olha para cima e vê um cabide
a rir-se dele
Ó cabide envernizado pelas lagostas
tem piedade de um escaravelhozinho que deita a língua de fora
por não poder disparar sobre as meias
que dariam um tão bom jantar
Tem piedade de um escaravelhozinho que toca flauta
para tentar encantar-te
porque julgou que tu eras serpente
Porque não eras tu uma serpente de campainhas ou lunetazinhas
o escaravelhozinho teria roído a sua flauta
desesperado
não teria esperado a morte
atrás de uma gravata
E a morte não teria vindo
como um ancinho de cristal
e a morte não o teria apanhado
como se apanha uma "beata"

"NOITES DE INSÓNIA", Benjamin Péret, tradução Jorge de Sena (ASA)


Construção humana sintonizada com o espaço envolvente obedecendo a uma vertente prática perfeitamente inteligível (Ofir 08-10-11)

Patati patata e isto

"Dêem-nos uma televisão e um carro mas livrem-nos da liberdade".

In “MASCULINO FEMININO”, Realização de Jean-Luc Godard, 1966 (RTP2, 08-10-11)

outubro 03, 2011