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setembro 25, 2020

Os mortos e suas crianças


Se eu fosse alguma coisa

não alguém

diria aos filhos de Édouard

providenciem

e se eles não providenciassem

eu iria para a floresta dos reis magos

sem galochas e sem ceroulas

como um eremita

e haveria certamente um grande animal

sem dentes

com plumas

e redondo como um vitelo

que viria uma noite devorar minhas orelhas

Então deus me diria

você é um santo entre os santos

leve este automóvel

O automóvel seria sensacional

oito cilindros e dois motores

e no centro uma bananeira

que camuflaria Adão e Eva

fazendo


mas isso será objeto de outro poema


(Benjamin Péret)

mas isso será objeto de outro poema*

Eles assustam, mentem, manipulam, às falsas esperanças seguem-se as ameaças a sério, as multas, e a promessa de que a desobediência se paga caro põe todos os narizes para o mesmo lado, o rebanho obediente caminha atrás de pastores que num mundo menos torto seriam levados  à forca. Grande bênção o coronavírus, que anuncia o admirável mundo novo. Reze-se um padre-nosso de graças a George Orwell, que deixou o aviso, mas nada adiantou, porque as ovelhas não vêem, não ouvem, não compreendem, são cegas, mansas, medrosas, gostam de obedecer e de cacete no lombo.

(*sacado a Benjamin Péret)

janeiro 11, 2017

um revólver de coral dava muito jeito


Meu avião em chamas meu castelo inundado de vinho do Reno

meu gueto de lírios negros minha orelha de cristal

meu rochedo rolando pela falésia para esmagar o guarda florestal

meu caracol de opala meu mosquito de ar

meu edredão de aves-do-paraíso minha cabeleira de espuma preta

meu túmulo estoirado minha chuva de gafanhotos vermelhos

minha ilha voadora minha uva de turquesa

minha colisão de carros loucos e prudentes meu canteiro selvagem

meu pistilo de papoila projectado no meu olho

meu bolbo de túlipa no cérebro

minha gazela desgarrada num cinema da avenida

minha caixinha de sol meu fruto de vulcão

meu riso de charco escondido onde se afogam profetas distraídos

minha cheia de groselha minha borboleta de míscaro

minha cascata azul como um maremoto que espalha a primavera

meu revólver de coral cuja boca me atrai como o olho dum poço

cintilante

gelado como o espelho onde contemplas a fuga dos colibris do teu olhar

perdido numa exposição de roupa branca rodeada por múmias

amo-te

"Allô", Benjamin Péret