novembro 27, 2011

O anúncio do fracasso tinha sido muito poético*

Cartoon  de Luís Afonso

Derivado ao muito trabalho desperdiçado em horas vagas, apenas hoje, enquanto desmantelo todo um sistema neuropsicomotor alicerçado num procedimento rotineiro que demorou dois anos a construir de raiz, apenas hoje, digo, estou em condições de analisar superficialmente o estado das coisas. A saber, para começar aquela notícia que passou ao lado da gaiola da luz: Portugal paga 34,4 mil milhões em juros à troika. Este valorzeco é para aí ou mais metade do empréstimo, depois de se pagar o valor total do empréstimo, claro. Um óptimo negócio, já se vê. Entretanto a Itália, por sorte, já se junta a este grupo avançado de caminheiros rumo ao abismo. Modernos, ainda assim não resistimos à devassa alheia por aí fora, mas em conformidade passam-nos ao lado cenas sem próximos capítulos dentro de casa, nunca se sabe. Por exemplo, da mesma forma que a cena da Grécia nunca cá arribaria, também esta cena da Grécia nunca cá vai arribar, pois não?: Surto de malária na Grécia sem risco de contágio a Portugal.


*Frase título retirada de "Milénio I. Rumo a Cabul" de M.V. Montalbàn

Ser sportinguista é meio caminho andado para um pacemaker...

novembro 20, 2011

Tudo bons rapazes



Como se diz na minha terra, faz-me espécie que a mesma gente que em qualquer questiúncula de trânsito apite, insulte, ameace e até se bata; a mesma que num qualquer jogo de bola (pode ser no café) se chateie, provoque, insulte e ameace e até se bata; ou aquela mesma que por assuntos de um murete ou um qualquer rego de água desate logo a puxar da caçadeira, e aqueloutra que sob um qualquer diz-se que improvise um arremesso de ácido sobre a putativa causa de embaraço; essa gente é a mesma que encara com bonomia budista a irremediável crise, as imprescindíveis medidas e a inevitável austeridade e miséria. Essa mesmíssima gente acolhe com um enfadado são todos iguais, os casos e as pessoas envolvidas nos BPN, BPP e nas sucatices, ou a pornográfica relação entre o poder e algumas empresas privadas com um entra e sai desmedido de um lugar para o outro sem qualquer pejo. A mesma gente que convive paredes meias, diariamente, com delações, favorecimentos, luvas, atropelos, abusos de poder e muito medo à mistura. E sobretudo, dando-se bem com o silêncio conveniente. A ágil dobragem de espinha.

Será quiçá a esses que o Sr. Alemão da troika Jürgen Kröger se refere como gente boa, eventual eufemismo para corno manso. Não sabemos se este senhor conduzirá o seu automóvel enquanto nos pastoreia, mas ainda vai muito a tempo de numa qualquer das nossas maravilhosas rotundas mudar de opinião.

novembro 13, 2011

Enquanto decorre o saque curiosas impressões na 1ª pessoa de alguns tipos não propriamente próximos

"O saque de Roma" pintura de Martin van Heemskerck (1527)
"Limitado como sou, só há pouco tempo me dei conta que todas as teorias e saberes académicos pouco ou nada interferem no processo de decisão, na prática de quem detém responsabilidades e muito menos na arte de manter o poder. Com ou sem socialismo, com ou sem liberalismo, com ou sem nacionalismo, os portugueses continuariam a ser irresponsáveis, corrompíveis, timoratos, gananciosos, nepotistas, fisiologistas, sem respeito pela lei, agarrados a pandilhas e lóbis para todos os gostos e oportunidades, avessos ao bem-comum, críticos cáusticos de toda e qualquer forma de autoridade, maledicentes, invejosos, ingratos, servis ou respondões. São traços de carácter colectivo, pelo que um golpe de Estado seria seguido de um novo regime salpicado de Varas, Loureiros, Sucateiros, Godinhos, Joaquins Pessoa, Pedros Soares, Duartes Limas, Felgueiras, Isaltinos".

Escreve o Sr. Combustões, um tipo para aí monárquico conservador a frio e a sério, muito próximo de histórias asiáticas – In Combustões

"A responsabilidade é sempre dos principais dirigentes, mas também é de todos. Nós temos uma maneira de estar que nos leva a estas situações. A pequena cunha, a pequena vigarice, a economia paralela. Como eu digo às vezes, isto já não é um país, isto é um lugar mal frequentado. Somos o que somos. Ainda sofremos as consequências da inquisição, que secou as elites em Portugal, e faltam-nos elites."

Diz em entrevista ao Jornal I (12-11-11) o improvável Vasco Lourenço, Militar de Abril, um tipo que alguns gostam de não gostar. Um tipo quase próximo – diz ele – de um Mário Soares mais antigo. 

"Fico muito irritado. Não Suporto o Portugal da moscambilha e da tranquibérnia. Videirinhos, patos bravos a enriquecer. Fulanos a falar engravatados na televisão que deviam estar na cadeia, muitos deles. Deve obrigar também a uma reflexão."

Diz-nos Mário de Carvalho em entrevista ao Jornal I (12-11-11), um tipo escritor que gosta de dizer palavras difíceis a jornalistas já de si pouco dados a literaturas e a escrevinhares, e nós levamos por tabela. Um tipo que estudou direito porque não tinha jeito para nada, e que talvez esteja próximo de alguma esquerda antiga não comprometida e por aí fora, quem sabe.

Caro Mário de Carvalho, moscambilha pode ser  por exemplo tramóia, e tranquibérnia, por exemplo, trampolinice ou falcatrua. Não havia necessidade. 


Hoje amanhecemos assim


                                       
                                             por acaso: RTP2 (12-11-11)

novembro 06, 2011

E portanto eu queria ser um

explorador indefinido de países improváveis(...)


in "Milénio I. Rumo a Cabul" - Manuel Vazquez Montalbàn

novembro 01, 2011

Coisas mesmo importantes

Feirense 0 - Sporting 2 (Estádio de Aveiro 30-10-11)

Parece que foi o Camus que um dia escreveu – e cito de cor – que apenas no teatro e no futebol, ao domingo à tarde, um tipo se sente verdadeiramente inocente. No teatro não digo nada. Quanto ao futebol raramente é ao domingo à tarde. A imagem em cima foi tirada num domingo à noite, pouco antes de uma ameaça de coçório perpetrada por uns elementos da força policial, desejosos de bater em algo e em força, embora tivessem esbarrado com uns gajos como nós, mais pacíficos que um coala, e guarnecidos de uma capacidade de diálogo muito superior ao Guterres. Ao intervalo lá descemos para junto da turva onde se está muito bem, e até se canta uma canção contra os jogos à segunda-feira e outros dias que tais e contra os rufiolas da SportTV – só nós sabemos porque não ficamos em casa.
“ Vai Reinaldo, dizia um gajo atrás e mim,  “vai Van Wincla” gritava outro, e eu pensava entre berros que tudo aquilo fazia sentido, e o que fazia falta era um sentido para a vida, e vai daí lembrei-me (mas isto tudo muito rápido) que o Julian Barnes, que gosta largo de futebol, tinha escrito no seu “Nada a Temer” que o Camus tinha dito que a “reacção adequada à falta de sentido da vida era inventar as regras de jogo, como fizéramos para o futebol”. Foda-se, esta merda anda mesmo toda ligada, pensei assustado…