junho 29, 2009

Se já verifiquei o prazo de validade?

Boris Vian (10/3/1920 - 23/06/1959)

Deve estar a fazer anos que apanhei um autocarro com Amadis Dudu e reparei que o tipo tirava, segundo recordo (já foi há muito tempo), 2 bilhetes e meio para saltar a meio entre a segunda e a terceira paragem. Era Outono e estávamos em Pequim. Para falar verdade, eu estava numa cidadezinha, algures no noroeste peninsular, e folheava um livro cujo título era “O Outono em Pequim”, embora também aí não se estivesse em Pequim e provavelmente nem fosse Outono. O Sr. que tinha escrito o livro estava morto. Chamava-se Boris Vian, e naquele momento arremeteu contra mim com um autocarro fluorescente, um trompete e duas embalagens de “livros fora de prazo” (não resisti a colocar aqui o título de um livro –sem livro- que um amigo meu não anda a escrever). No dia 23 de Junho passado cumpriram-se 50 anos após a sua morte. O dia é irrelevante. Passou-me, como (nos) passam (ainda hoje mo disseram) até as mortes mais íntimas que já carregamos. Tudo passa; mas entretanto vai-se lendo e já aqui trouxe o Sr. Vian à nossa irrelevante companhia. Lembro-me de uma parede em Coimbra onde se lia que a vida é água a correr. “Corre atrás dela”, alguém acrescentou. Mais a mais, se calhar nem isto (fica):


Vou ser sincero – uma vez sem exemplo –  

Ora bem:
Ficarei feliz quando se disser
Ao telefone – se ainda houver
Quando se disser
V como Vian…

Tenho muita sorte que o meu nome não comece com Q
Porque Q* como Vian, seria humilhante.


“O Fundo do Meu Coração”, Boris Vian, in “Cantilenas em Geleia”, Relógio D’Água, tradução de Margarida Vale de Gato

* Em Francês, a letra é praticamente homófona da palavra queue, que significa “cauda” e é também calão para “pénis” – nota do tradutor

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