fevereiro 10, 2019

O Vollmann, eu, o Gabriel, e outras cenas literárias (II)


(continuação daqui)

Sabática nem vê-la. Fui ao fundo do fundo buscar coragem e acabei por arranjar um manual indicado para a leitura (deixem passar) de grandes calhamaços, enquanto providenciamos pães de ração através da força do nosso trabalho. Numa dessas noites, após a dose de cervejas diária, sonhei com Paul Lafargue (meu deus, em vez de sonhar com ninfas de dentes afiados) e o seu “O direito à preguiça”, acordei todo suado e com o cérebro a indicar-me variadíssimas direções. Todas elas indefinidas. Não se pode confiar no nosso próprio (deixem passar) cérebro. Apenas nesse momento, antes do pequeno-almoço, percebi que ao ler um manual para a leitura de grandes calhamaços, passam a ser dois livros em vez de um que temos de ler. Fiquei todo contente com esta minha ideia que era ao mesmo tempo uma evidencia e deixei o manual para trás, não sei bem onde. Consegui finalmente começar a ler o Central Europa, uma edição de apenas quinhentos exemplares, um quilograma e picos de livro, mais de novecentas páginas (dados do Gabriel), dois pares de óculos, alguns livros de reserva para o caso da coisa correr mal, uma enciclopédia para embelezar o quadro e algumas rações de combate, providenciadas pela força do meu trabalho que continuei a realizar sem qualquer tipo de alegria e com o Lafargue à perna. Todos os dias ia para o trabalho com esta imagem de fundo:

Imagem relacionada

e esta:

Europe Central

Depois de uma grande dor nas costas, doze dores nos olhos (não consecutivas), e uma sensação de estranheza na clavícula (porquê?), lá fui ler outra vez. Um mês (ou quase) entre despertadores, dores, almoços, lanches, centenas de cervejas e duas (pelo menos) derrotas do Sporting, acho. Sempre a trabalhar e a ler quando podia. Quando acabei senti-me possuído por uma grande tristeza, uma daquelas tristezas que experimentava quando era pequeno e uma novela acabava, ou uma coleção de cromos do Sandokan acabava, uma sensação de vazio acompanhada de um uuf, que mais ou menos se poderá traduzir por: finalmente.


Eu já volto com a análise técnico táctica da obra Central Europa, de William T. Vollmann. Obrigado.


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