"É ele mesmo, agora que está mais próximo é fácil reconhecê-lo, e no seu rosto não se lê nenhuma tristeza especial. Não se rebelou, pois; não pediu a demissão, engoliu a injustiça sem uma palavra e está de volta ao seu posto. No fundo do seu espírito grassa até a pávida satisfação de ter evitado mudanças bruscas de vida, de poder instalar-se de novo nos seus velhos hábitos. Ilude-se, Drogo, com a ideia de uma gloriosa vingança a longo prazo, julga ter ainda uma imensidade de tempo à sua disposição e renuncia assim à luta miudinha pela vida de cada dia. Há-de chegar o dia em que será generosamente recompensado, pensa. Mas entretanto os outros antecipam-se, disputam avidamente a passagem para serem os primeiros, superam a correr Drogo sem tão-pouco lhe darem atenção, deixando-o para trás. Ele vê-os desaparecer ao fundo, perplexo, assaltado por dúvidas insólitas: e se de facto estivesse enganado? Se não fosse mais do que um homem comum, a quem, por direito, cabe apenas um destino medíocre? "
"O Deserto dos Tártaros" (pp. 167), Dino Buzzati, Cavalo de Ferro, tradução de Margarida Periquito
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