Após um bacalhau com todos, acompanhado de um branco simpático (e mais qualquer coisa depois), entremeado com dois ou três singelos pensamentos, paralelos ao sonho, e alguns cogumelos televisivos de passagem, eis que:
As minhas primeiras emoções haviam sido de pura melancolia e da mais sincera piedade; mas à medida que o desamparo de Bartleby crescia e se desenvolvia na minha imaginação, essa mesma melancolia transformou-se em medo, aquela piedade em repulsa. Tão verdadeiro ele é, e tão terrível também, que até certo ponto o pensamento ou o espectáculo da miséria ganha o melhor dos nossos sentimentos; mas, em certos casos especiais, para além desse limite não. Erram quantos afirmam que tal se deve, invariavelmente, ao egoísmo inerente ao coração humano. Antes tem a origem num certo desânimo, incapaz de remediar um mal excessivo e orgânico. Para um ser sensível, a piedade é, não raras vezes, sofrimento. E quando finalmente entende que uma tal piedade não pode levar a uma efectiva ajuda, o senso comum obriga o espírito a ver-se livre dela. O que eu vira naquela manhã persuadiu-me de que o escrivão era vítima de um incurável e inato desconcerto. Podia dar esmolas ao corpo, mas não era o corpo que lhe doía, era a sua alma que sofria, e essa alma eu não a alcançava.
"Bartleby", Herman Melville, Tradução Gil de Carvalho
As minhas primeiras emoções haviam sido de pura melancolia e da mais sincera piedade; mas à medida que o desamparo de Bartleby crescia e se desenvolvia na minha imaginação, essa mesma melancolia transformou-se em medo, aquela piedade em repulsa. Tão verdadeiro ele é, e tão terrível também, que até certo ponto o pensamento ou o espectáculo da miséria ganha o melhor dos nossos sentimentos; mas, em certos casos especiais, para além desse limite não. Erram quantos afirmam que tal se deve, invariavelmente, ao egoísmo inerente ao coração humano. Antes tem a origem num certo desânimo, incapaz de remediar um mal excessivo e orgânico. Para um ser sensível, a piedade é, não raras vezes, sofrimento. E quando finalmente entende que uma tal piedade não pode levar a uma efectiva ajuda, o senso comum obriga o espírito a ver-se livre dela. O que eu vira naquela manhã persuadiu-me de que o escrivão era vítima de um incurável e inato desconcerto. Podia dar esmolas ao corpo, mas não era o corpo que lhe doía, era a sua alma que sofria, e essa alma eu não a alcançava.
"Bartleby", Herman Melville, Tradução Gil de Carvalho
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