maio 04, 2009

"Já tenho uma certa idade"?


Após um bacalhau com todos, acompanhado de um branco simpático (e mais qualquer coisa depois), entremeado com dois ou três singelos pensamentos, paralelos ao sonho, e alguns cogumelos televisivos de passagem, eis que:

As minhas primeiras emoções haviam sido de pura melancolia e da mais sincera piedade; mas à medida que o desamparo de Bartleby crescia e se desenvolvia na minha imaginação, essa mesma melancolia transformou-se em medo, aquela piedade em repulsa. Tão verdadeiro ele é, e tão terrível também, que até certo ponto o pensamento ou o espectáculo da miséria ganha o melhor dos nossos sentimentos; mas, em certos casos especiais, para além desse limite não. Erram quantos afirmam que tal se deve, invariavelmente, ao egoísmo inerente ao coração humano. Antes tem a origem num certo desânimo, incapaz de remediar um mal excessivo e orgânico. Para um ser sensível, a piedade é, não raras vezes, sofrimento. E quando finalmente entende que uma tal piedade não pode levar a uma efectiva ajuda, o senso comum obriga o espírito a ver-se livre dela. O que eu vira naquela manhã persuadiu-me de que o escrivão era vítima de um incurável e inato desconcerto. Podia dar esmolas ao corpo, mas não era o corpo que lhe doía, era a sua alma que sofria, e essa alma eu não a alcançava.  

"Bartleby", Herman Melville, Tradução Gil de Carvalho

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