julho 27, 2019

A marcha de Radetzky


A marcha ainda não acabou, tenho, aliás, uma tendência pueril para enconar quando gosto de alguma coisa, apreciar com deleite, não chegar ao fim. Ainda. Serve para muita coisa. Falar de obra-prima, neste caso, é uma redundância que não trairemos com análises supérfluas. Lê-se de um trago até que a tendência para enconar não nos deixe chegar ao fim. Até à página cento e noventa e cinco, por exemplo, é de um fôlego que se trata, entretanto, algumas descrições levam-nos para estruturas literárias muito próximas das corridas de fundo em atletismo, ou da vertigem dos asmáticos em várias situações nem sempre dignificantes. Já agora, sou asmático. Faltam cerca de cento e oitenta páginas. Com licença:

Naquela época, os costumes eram severos, como se sabe. Mas eles tinham as suas excepções e até as estimavam. Eram daqueles poucos princípios aristocráticos de acordo com os quais os simples cidadãos eram pessoas de segunda classe, mas um ou outro oficial da burguesia tornava-se ajudante-de-campo do Imperador; os judeus não podiam pretender ter  distinções, mas alguns judeus tornavam-se nobres eram amigos de arquiduques; as mulheres viviam segundo os códigos de uma moral tradicional, mas uma ou outra mulher podia amar como um oficial de cavalaria. Eram os princípios que hoje consideramos hipócritas, porque somos muito mais intransigentes; intransigentes, honestos e sem humor.  

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