O psicólogo norte-americano Julian Jaynes afirmou que muito depois do desenvolvimento da linguagem, quando a escrita foi inventada, há cerca de cinco mil anos, a decifração dos signos escritos produziu no cérebro humano uma percepção auricular do texto, de modo que as palavras lidas penetravam na nossa consciência como presenças físicas.
“A cidade das palavras”, Alberto Manguel
A decifração dos signos sempre
foi, para mim, uma espécie de milagre. Já não me lembro de não saber ler, de não
conseguir operar o milagre da transformação dos signos em leitura, comunicação,
de não sentir essa percepção auricular do texto. Gosto de ler e leio tudo: obviamente,
livros, jornais, revistas, mas também bulas de medicamentos, publicidade, a
informação das caixas dos objectos que compramos, as letrinhas pequenas da
pasta dentífrica, a rua toda, estabelecimentos, novas lojas abertas, informação
avulsa, coisas perdidas nos dentistas, no barbeiro, eu sei lá. Nunca vou à casa
de banho ou à consulta da asma sem (ter) levar alguma coisa para ler.
Só recentemente soube (não
procurava saber se existia um nome) que sofria de gutembergomania (talvez o
menor - sem desprimor- dos meus vícios), não sei se no grau de FernandoVeríssimo, mas certamente percebendo as suas palavras escritas:
(…) o pânico de estar, por exemplo num quarto de hotel com
insónia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das minhas neuroses. O
vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependência patológica da
palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve.
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