Sabemos que vamos morrer e que estaremos mortos tanto tempo como não estivemos
à espera para nascer. É banal dizer-se que a vida é um intervalo ou uma
passagem ou um instante. Não é. A vida é uma excepção generosamente comprida à
regra nem triste nem alegre da inexistência. A vida está para o nada como o
planeta Terra está para o sistema solar a que pertence. Sim, pode haver vida
noutros planetas. Mas será uma vida que vale a pena viver? Ou que apenas vale a
pena estudar? Sabemos que temos muito tempo de vida: muito mais do que
precisamos. O direito à preguiça e à procrastinação está consagrado na nossa vida
e faz logo, à partida, parte dela. Sabemos que somos obrigados a pensar, errada
e repetidamente, que o tempo em que estamos vivos é importante. E que as nossas
noções de declínio ("dantes é que era bom; os jovens de hoje não sabem o
que perdem") são lugares-comuns de todas as gerações antes de nós. Sabemos
que não há ninguém que não envelheça, desde o bebé que nasceu neste segundo até
ao velho que, por ter morrido agora mesmo, deixou de envelhecer. A vida é uma
eternidade, por muito que seja bonito fingir o contrário. Chega e sobra para o
que queremos fazer. A oportunidade de existir é-nos oferecida. O resto é merda
ou ouro. Sabemos que estamos cá para cá estar. E que não haverá segunda
oportunidade. O luxo é saber que podemos enganar-nos. É saber que podemos
perder tempo. O tempo é o luxo que a nossa vida não só desrespeita como
desmerece.
Miguel Esteves Cardoso (in Público 17/01/2014)
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