– Mas como vive? – perguntou-lhe a duquesa, condoída.
– A mãe das crianças fia; a filha mais velha
está na quinta duns liberais, onde guarda carneiros, e eu roubo, na estrada de
Placência a Génova.
– E como é que harmoniza o roubo com os seus
princípios liberais?
– Tomo nota das pessoas a quem roubo e, se um
dia tiver alguma coisa, hei-de devolver-lhes as quantias roubadas. Entendo que
um tribuno do povo como eu executa um trabalho que, devido ao seu perigo, vale
bem cem francos por mês; por isso tenho o cuidado de não roubar mais de mil e
duzentos francos por ano.
Minto, roubo algumas pequenas quantias além
disso, pois graças a elas posso pagar a impressão das minhas obras.
– Que obras?
– A… virá um dia a ter um quarto e um
orçamento?
– Como! – disse a duquesa, espantada. – É o
senhor um dos maiores poetas deste século, o famoso Ferrante Palla!
– Famoso, talvez, mas muito desgraçado; isto é
que é certo.
– E um homem do seu talento, senhor, ser
obrigado a roubar para viver!
– É talvez por isso que tenho algum talento.
Até hoje, todos os nossos autores que se tornaram conhecidos eram pessoas pagas
pelo governo ou pelo culto que eles pretendiam minar. (…)
“A Cartuxa de Parma” (pp.370), Stendhal. Tradução de Adolfo Casais Monteiro. Relógio d’Água.
[sorry]
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