janeiro 08, 2013

Libertinagem de pensamentos e obras


Telmo não se compadecia com a disciplina imposta aos educandos pela férula e a vergasta. Da pauta pedagógica não se fala. A regra fazia carneiros e aquele menino gostava de pensar, bem ou mal, pela sua cabeça. Os alunos (…) não precisavam de ter mais ideias que aquelas que lhes ministravam os padres-mestres, por sua vez metidos dentro das velhas sebentas aristotélicas.  Como tal, carecendo de ideias próprias, a tendência natural, era que as não admitissem nos outros. Tratava-se, bem entendido, de ideias comezinhas, de trazer por Braga ou por casa, nada se parecendo com a prova ontológica, sol do sistema divino, mas ideias subalternas, ideias ínfimas de que se compõe a personalidade do fabiano em geral e do braguês em particular. Ora Telmo, rico, rebelde, malcriado, mimalho, era o contrário de tais tortulhos, com dentes alçados para o açafate da vida. Toda a questão para eles estava nesta habilitação. Faziam-na encornando bem os compêndios e autores dos programas. O “quid”, por conseguinte, consistia em ter memória. A memória pedia-se à milagrosa Santa Catarina, advogada dos estudantinhos junto do Espírito Santo. Pedia-se-lhe todas as manhãs à missa obrigatória, ao terço obrigatório, e mais rezas litúrgicas ao sentarem-se e erguerem-se da mesa. Telmo, que não compartilhava de magro refeitório colegial, era havido como libertino. Libertino de pensamentos e obras.

“A casa grande de Romarigães” (pp.253-254), Aquilino Ribeiro. Bertrand Editora


[imagem fumada]

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