dezembro 26, 2012

"O que um morto deixa não é nada"



– De certeza que atiraram a arma à lagoa. – O comissário falava, meio perdido. – Há muitas facas no fundo do rio. Quando era pequeno mergulhava e encontrava sempre…
  – Facas?
 – Facas e mortos. Um cemitério. Suicidas, bêbados, índios, mulheres. Cadáveres e mais cadáveres debaixo da lagoa. Vi um velho, um dia, o cabelo comprido e branco tinha continuado a crescer-lhe e parecia um tule na água transparente.
 – Deteve-se. – Na água o corpo não se corrompe, a roupa sim, por isso os mortos flutuam nus entre as ervas. Vi mortos pálidos, de pé, com os olhos abertos, como grandes peixes no aquário.


“Alvo noturno” (pp.61-62), Ricardo Piglia. Tradução de Jorge Fallorca. Teorema/leya.

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