outubro 19, 2009

“E o que eu tenho de fazer é ficar à espera no centeio e apanhar todos os que desatarem a correr para o abismo”


Confesso que ando às voltas com aquela coisa da literatura contemporânea. Essa merda não quer dizer nadinha, claro. Inutilmente, o (meu) anacronismo clássico resulta agora numa indisfarçável queima de pestanas, pálpebras e até de sobrancelhas a dar a dar para um gosto mais ou menos duvidoso. Para não dizer popular. Nas artes plásticas (ou pélvicas), baliza-se sempre a coisa sem grandes espasmos de nomenclatura até chegar à instalação, coisa vulgaríssima, mas ruinosa do ponto de vista do incrédulo visitante. Podem sempre ler o sr. Augusto França. Na literatura (e nem sequer estou a falar do burgo - a porca torce o rabo até desfalecer - anatomicamente falando). Um gajo mastiga o William Golding enquanto descasca uma banana, e facilmente se enriquece com as tais férias a ler o Ulisses do Joyce, plano insano que remonta ao (meu) modernismo de 1991/2 (e entretanto já lá - me - estão a segredar o sr. Bellow, e um tal de “Herzog”, e eu a pensar, sei lá bem porquê, num outro gajo (Inglês) que vivia no México Debaixo do Vulcão). “Lê isso, lê isso”, dizem-me na penumbra, e eu encaixo um Herzog, ai se encaixo, mas em alemão, só me dá para aí, numa televisão pequenina (Grundig - era uma Grundig), a passar o Aguirre o Conquistador, ui… e o Klaus Kinski, parece que o estou a ver, com uns olhos azuis de criar bicho, de macaco a tiracolo…no meio da água de um caraças de um rio…vê-se bem que é a merda de um rio na América latina… “Herzog o realizador?”, questiono. “Não idiota. O do livro do Below”. 
Mas afinal como se chega ao Salinger, um gajo com nome de pistoleiro fatela? Chega-se à boleia do Enrique Vila-Matas, esse parasita literário que eu considero mais do que o meu gato. Na verdade, o gato não é bem meu, mas não interessa para o caso. Se eu escrevesse, isto é, se eu alguma vez abandonasse os graffitis no meu fato de treino Converse (de cor cinzenta), gostaria de escrevinhar como o gajo. Muito mais, muito mais mesmo, do que rabiscar como o Lobo Antunes nos seus cadernos de receitas do hospital Júlio de Matos. O Salinger ermitão é um gajo difícil de (lá) chegar. É um gajo americano, mas com o caralho de uma alma meio mexicana, ou coisa pior. É um bicho sem mato que o valha. O gajo é mesmo bom. Ou era. Quando o encontrei, por um acaso, não estava em Nova Yorque. Estava em casa (numa das trezentas em que já vivi) a aturar o meu vizinho louco barrido do 2ºandar, espécime rançoso a dar para o coleccionador de garrafas de plástico que juntava religiosamente na sacada entre latas de atum vazias, e, diz-se, tratados de economia política anacrónicos, forjados na pastelaria editora da rua. Era cruel. Mas eu nem sequer tinha pena do gajo, afinal até lhe achava graça enfiado no seu sobretudo nojento, ou (no verão) naquele fatinho de fino corte, igualmente nojento. Mas lá que estava presente quando eu cheguei ao J.D. Salinger lá isso estava.

Adenda: frase título retirada da obra "À Espera no Centeio", J.D. Salinger, Difel, 2005,pp.187.

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