Na padaria o Sr. Custódio (das ferragens), portista solarengo que a ele “já ninguém apanha nos estádios à noite”, explicava entre sandes de presunto e Sagres mini, a “estratégia “ do Sr. Eng. para este ano de eleições. O seu interlocutor, completamente senil pelo consumo exacerbado de Martini com cerveja, João Asinhas, julgava que a conversa ainda estava na terça-feira anterior, depois daquela roubalheira na Luz ao Braga, roubalheira que ele, cerimoniosamente, não admitia, entre vários encolher de ombros. O Sr. Custódio, indiferente, continuava resoluto: “à direita, já se sabe está tudo morto…e bem morto, nada com que se ralar. Guina à esquerda, vai daí, o cabrão, e nós que andamos nos setentas a segurar as coisas”. O Asinhas, a despeito do 7º Martini, continuava numa luta sem quartel com uma sandes de fiambre e queijo, sem hora para terminar. Chegou o Copinhos e eu refugiei-me no final do balcão, a dar para as traseiras da gordinha que sempre me espanta com aquele sorriso de pingue para rojões. O Custódio continuava enlevado e já em pleno parlamento, simulando nos gestos e no trato (numa mescla oscilando entre o serralheiro e Armani), o deputado que tinha na cabeça: “virou-se, pimba, à esquerda lá com a tal de moção ou o caralho, para calar o Alegrete, e agora com esta cena do casamento entre panisgas, fazendo a corte aos gajos do bloco”... Nisto, o Copinhos pegou-se com o Asinhas sobre um jogo entre Sporting/Porto, ou o contrário, nos oitentas e a Sãozinha clamava vergonha entre homens feitos. A gordinha arrepiou-se com a entrada do filho do Alfaiate Valadas, rapaz de ginásios e peito revestido a fios de ouro e prata. Aproveitei para sair de fininho e sentei-me na praceta antiga. “Porque será que agora não se projectam praças?”, perguntei-me. Sem saber porquê o meu pensamento resvalou para toda esta loucura do mundo de hoje e acabei imaginando Antonin Artaud, ele próprio um suicidado da sociedade, como o seu Van Gogh, sentado ao meu lado com o bastão de S. Patrick que ele afirmava ter descoberto. Apeteceu-me reler o seu “Héliogabale ou l'anarchiste couronné”. Levantei-me e principiei a caminhar na esperança, ou talvez não, de sentir atrás de mim, como Artaud um dia na sua Marselha natal, a alma do rufia a rasgar-se.
janeiro 20, 2009
vertigens inúteis
Na padaria o Sr. Custódio (das ferragens), portista solarengo que a ele “já ninguém apanha nos estádios à noite”, explicava entre sandes de presunto e Sagres mini, a “estratégia “ do Sr. Eng. para este ano de eleições. O seu interlocutor, completamente senil pelo consumo exacerbado de Martini com cerveja, João Asinhas, julgava que a conversa ainda estava na terça-feira anterior, depois daquela roubalheira na Luz ao Braga, roubalheira que ele, cerimoniosamente, não admitia, entre vários encolher de ombros. O Sr. Custódio, indiferente, continuava resoluto: “à direita, já se sabe está tudo morto…e bem morto, nada com que se ralar. Guina à esquerda, vai daí, o cabrão, e nós que andamos nos setentas a segurar as coisas”. O Asinhas, a despeito do 7º Martini, continuava numa luta sem quartel com uma sandes de fiambre e queijo, sem hora para terminar. Chegou o Copinhos e eu refugiei-me no final do balcão, a dar para as traseiras da gordinha que sempre me espanta com aquele sorriso de pingue para rojões. O Custódio continuava enlevado e já em pleno parlamento, simulando nos gestos e no trato (numa mescla oscilando entre o serralheiro e Armani), o deputado que tinha na cabeça: “virou-se, pimba, à esquerda lá com a tal de moção ou o caralho, para calar o Alegrete, e agora com esta cena do casamento entre panisgas, fazendo a corte aos gajos do bloco”... Nisto, o Copinhos pegou-se com o Asinhas sobre um jogo entre Sporting/Porto, ou o contrário, nos oitentas e a Sãozinha clamava vergonha entre homens feitos. A gordinha arrepiou-se com a entrada do filho do Alfaiate Valadas, rapaz de ginásios e peito revestido a fios de ouro e prata. Aproveitei para sair de fininho e sentei-me na praceta antiga. “Porque será que agora não se projectam praças?”, perguntei-me. Sem saber porquê o meu pensamento resvalou para toda esta loucura do mundo de hoje e acabei imaginando Antonin Artaud, ele próprio um suicidado da sociedade, como o seu Van Gogh, sentado ao meu lado com o bastão de S. Patrick que ele afirmava ter descoberto. Apeteceu-me reler o seu “Héliogabale ou l'anarchiste couronné”. Levantei-me e principiei a caminhar na esperança, ou talvez não, de sentir atrás de mim, como Artaud um dia na sua Marselha natal, a alma do rufia a rasgar-se.
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Um comentário:
Numa blogosfera egocêntrica, banal e mal escrita é raro um artigo com interesse e fora do normal, ainda por cima bem escrito. Talvez precisasse de mais artigos e publicidade…
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