E por assim dizer castiço. Aos repelões açordam-se os javardos na lareira dos centros comerciais e outros acotovelam-se nas ruas direitas deste país a babar-se constantemente para as vidraças translúcidas onde maduram os manequins e as meninas tutti frutti. Finalmente, depois de muito caminhar, uma rua… duas memórias de árvores recebem a mijadela atenta de um canino e seu dono. Ofegante, sento-me e observo um velhote a ler as notícias da semana passada, onde se enxergam em fundo baço numerosos destroços e alguns corpos estendidos, ou o que deles resta. Parece que essas ruínas e corpos, a mim pareceu-me pelo menos, não são (ou não foram) encaradas da mesma forma que outras ruínas e outros corpos em chãos diferentes, noutros locais. Talvez seja uma questão de proximidade ou de indiferença; talvez não passe de um lugar comum esmiuçado às postas em Telejornais com a duração de longas-metragens. Pensava nisto e já caminhava. De repente uma tristeza que ainda não era bem angústia percorreu-me a espinha, “a realidade ultrapassa qualquer ficção”, disse, creio que em voz alta. O rapazinho que me seguia com o olhar sorriu e abanou a cabeça ligeiramente, à laia de coitadito, exactamente da mesma maneira que um outro o fez há uns anos quando caí, a vinte à hora, de motoreta. Foi perto do mar e o rapaz olhava-me e oscilava a cabeça do alto do seu triciclo. Já refeito, relembrei uma frase de um texto do Alfredo: Essa tristeza que não é bem angústia e ninguém a colhe em seu seio. Quando finalmente aterrei na padaria já não tinha tanta certeza de ter vivido aqueles momentos, deambulando ao acaso no crepúsculo, nem sequer que Alfredo alguma vez tivesse escrito aquela frase. Ocorreu-me Dylan Thomas, não sei porquê, talvez pelo “em seu seio” e pedi três pães de água e uma Bohemia. “Bohemia não temos”, ainda escutei, seguido de um “não há direito, aquele golo anulado ao benfica”. Saí de campo com letra pequena e agarrado, por uns segundos até suspenso, ao cordel invisível que nos suporta a vida.
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