janeiro 29, 2019

Há VAR e BAR, há ir e voltar


A chegada de Keiser despertou as luminárias da bola, todas elas versadas em futebol holandês e croissants amanteigados. Com as primeiras vitórias o desassossego instalou-se (Bernardo Soares escreveu sobre isso), e tiveram que se arranjar duas ou três explicações para o fenómeno enquanto se entrevistava Jorge Jesus algures no médio oriente. Após as primeiras derrotas, um dos analistas avançou com um ou dois pensamentos que fizeram escola no liceu de Carrazeda de Ansiães: nas vitórias os oponentes eram fracos, nas derrotas os oponentes eram consideravelmente superiores. Por exemplo, o Tondela. Do lado dos fracos ficava o Rio-Ave, a mesma equipa que o analista havia elogiado pouco tempo atrás como grande candidata ao quinto lugar. Em Carrazeda, duas teses de finalistas explicam em dezoito páginas esta linha avançada de pensamento.

Entretanto, uma convenção de treinadores portugueses reunia-se para discutir o calendário do cozido à portuguesa nos estágios e a importância das chicotadas psicológicas num curriculum vitae que se preze. José Mota foi um dos oradores mais aplaudidos. Lito Vidigal e Jorge Simão terão sido vistos a trocar papelinhos suspeitos. Conceição dissertou sobre bipolaridade: uma coisa é quando se ganha, outra quando se perde. Aplausos. Este debate foi seguido com muita atenção por todo o país.

Mais ou menos por essa altura, talvez um pouco antes, um conhecido dirigente terá visto a luz. Primeiro ainda se pensou que este iria a caminho do estádio com o mesmo nome, mas não, estávamos apenas a entrar num território bem conhecido do futebol português: o espiritismo. Quem diz espiritismo diz mezinhas, bruxaria, capelinhas, ou apenas feelings. Talvez seja por isso que o treinador contratado de seguida pelo dirigente que viu a luz, seja um expert em feelings. Tudo coisas que um treinador holandês, não possui, nem nunca possuirá, obviamente. A associação de treinadores portugueses que vão para os jogos de motorizada, aplaudiu com agrado.

Se possível fazer golos. Foi mais ou menos assim que Abel Ferreira lançou o jogo da meia-final da taça da liga contra o Sporting. Ainda não se descobriu outra forma de ganhar jogos, mas Abel, ainda assim acrescentou: e se possível não sofrer. Diz isto em todos os jogos, e apostamos que nas convenções de treinadores portugueses também, mas é sempre bom escutar estes pensamentos. Como já se sabia que o Braga ia à final, embora tivesse que marcar mais golos que o adversário, ficava apenas em suspenso quem seria o oponente. Salvador, lá no íntimo (como muitos bracarenses) preferia o Benfica, mas a conduta do dirigente que tinha visto a luz ao ir buscar dois jogadores ao Leixões com quem o Braga tinha (supostamente) acordo, deixou Salvador triste. Embora traído reagiu com elevação, à imagem do ano passado quando a altercação era com BdC e o Sporting.

Depois aconteceu aquilo: o VAR foi ao BAR, ou ao contrário, existem várias versões. Registe-se a conduta digna, urbana e elevada dos dirigentes mesmo na derrota. Um dos árbitros decidiu até auto suspender-se por se achar indigno de acompanhar tão ilustres personagens. Entregou-se a taça ao Porto, com o jogo da final a servir apenas de consagração. Sérgio Conceição apelou (sem se rir) ao desportivismo e contenção relativamente aos árbitros. As favas contadas chegaram a uns colegas meus de trabalho. Antes do jogo já estava três a zero. Chegou o dia e foi o que se viu e se poderá ler na excelente posta anterior do Rui. No final, destaque-se, mais uma vez,  a conduta digna e elevada, tanto de treinadores como de dirigentes do Porto. A nova modalidade de lançamento de medalhas avançará inexoravelmente rumo às olimpíadas. Está tudo na nova dissertação de Conceição aos peixinhos, perdão, aos treinadores portugueses. O mestre Madureira, da claque, também estará presente. Por via das dúvidas.


(originalmente publicado no aqui)

Nenhum comentário: