novembro 22, 2018

Tourear as pedreiras



Não é, de todo, civilizado, falar sobre civilização. E com isto teríamos encerrado o assunto, ainda a tempo de ver o Macgyver no canal memória. Mas não. Quando a ministra (da cultura, dizem) escorregou no termo civilização, não se terá recordado (saberia?) que muitas disputas terão começado por muito menos. Quando invocamos civilização, necessariamente distanciámo-nos do “outro”, o bárbaro. Já era assim entre gregos e persas, ou entre romanos e os povos do Norte. É assim entre sportinguistas e benfiquistas. Temos que ter alguma cautela quando barricamos o nosso pensamento em facções. As barricadas são lugares inseguros. Temos um ou dois livros que confirmam isso mesmo.

Cheguei às touradas como em tudo na vida pré-história dos anos oitenta (do século passado): através da RTP. Às touradas, ao TV Rural, às novelas brasileiras, ao Júlio Isidro, ao Duarte e Companhia, ao Zé Gato, ao Verão Azul, e ao cinema, muito cinema. Anos setenta (apanhei o final), oitenta, noventa. E não sou o único a dizê-lo. Das touradas só sei o que vi na TV. A mesma coisa para os saltos de esqui, coisa que via religiosamente no ano novo. Não frequento e nunca entrei numa praça. Conheço alguns touros por percalços da minha imaginação, ou de viagens pelo país. Quase sempre a Sul. Sei que existiu um tal de campo dos toiros em Barcelos, no século XIX, provavelmente relacionado com a feira semanal, longe de ser caso único no Minho. Resquícios de tudo isso se vislumbram na vaca das cordas de Ponte de Lima. Com travessia para os Açores. Bovinidades sem toureiro a cavalo, sem forcados, sem bancadas, normalmente integradas em festividades ou em promoção pecuária. Na minha terra já ninguém se recorda disso, o que não quer dizer que não tenha existido.

Não gosto de touradas sejam elas quais forem. Os toiros concordarão comigo. Mas não partilho o endeusamento e a moda dos bichinhos que se vive por aí. Num filme de 1990, Anjos Caídos, protagonizado por Sean Penn e o Gary Oldman (assim de cor), a páginas tantas fala-se sobre a apropriação do bairro da sua infância (descendentes de Irlandeses) pela especulação imobiliária, tomado aos poucos por yuppies que trazem os seus animais de estimação para dentro dos seus modernos apartamentos. Um comportamento bárbaro segundo os locals, habituados a animais soltos e não aprisionados em apartamentos. Para isso temos as pessoas.

Ora, essa moda dos animais em apartamentos demorou mas chegou cá ao burgo. Poderia dar milhares de exemplos de animais verdadeiramente abandonados durante todo o dia em marquises, garagens, terraços, ou simplesmente em salas, alguns a gritar (de felicidade?) durante todo o dia. Assim vai o amor incondicional pelos animais. Lá chegaremos ao toiro numa loja de porcelanas, 2º esquerdo. E os preços das habitações continuam a disparar. Já repararam, ou não é importante?

Parece que as pedreiras não se enquadram na logística civilizacional. As pedreiras são técnica, antes de serem comércio ou indústria. E, como tal, devem ser da responsabilidade de técnicos. Ponto. Comunicada a informação técnica, quando esta existe, a responsabilidade passa a ser política. Se há uma pedreira e uma estrada, certamente que haverá gente. Sabemos que não é de estimação, mas podíamos, ao menos, deixar de tentar disfarçar.

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