O Jornal I hoje faz capa com os cinquenta anos do início do Maio de 68. Durou um mês, mais coisa, menos coisa, mas o seu
espírito (dizem alguns) chegou até nós. Como espírito não sei, como slogan
publicitário de certeza, aliás devidamente empacotado (e domesticado) na
estrutura do sistema capitalista. Como as calças rotas do Punk que se podem
comprar por aí, ou as t-shirts dos Ramones na primark.
Parece que foi Roger Scruton que disse
ter visto no Maio de 68 meninos burgueses a atirar pedras a polícias oriundos
do povo. Estes polícias (supostamente) oriundos do povo são uma forma de
contornar a questão e antecipam em muitos anos as t-shirts dos Ramones da
primark. Não fosse a polícia o braço mandado de qualquer elite e estaríamos
conversados. Charles de Gaulle terá aplaudido. Sucede que esses meninos
burgueses, pelo menos, ainda tinham capacidade para se entediar, ou mesmo para
se indignar. Nada, de resto, que fosse possível hoje. A não ser num qualquer
púlpito indignatório de uma rede social.
Debord e os situacionistas, nas
suas críticas à sociedade do espectáculo, foram absolutamente visionários. Longe
de transparecerem (apenas) a realidade de uma época (e eles surgem como
movimento ainda nos anos cinquenta) criam, isso sim, um movimento (sobretudo) artístico,
absolutamente embrionário na perceção da sociedade que se estava a criar e que
desaguou naquilo que somos hoje. E isto em
termos de urbanismo, arte, economia, sociedade.
A parque tematização da nossa
sociedade radica na parque tematização do pensamento. Não sei se a sociedade do espetáculo de Debord
serve para compreender tudo. Não servirá. Nem Debord nos seus devaneios mais
bem bebidos terá sonhado com isso e com isto. E se sonhou, em breve teremos uma t-shirt ou
um vídeo numa rede social a confirmarem-no.
Nota: temos que reconhecer que a imaginação terá mesmo chegado ao poder: basta observar a forma como o ex Ministro Pinho (entre muitos outros) toureou de forma criativa a nossa democracia, para reconhecermos a nossa reiterada burrice.
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