fevereiro 22, 2012

Bênção por engano


A guerra de trincheiras moderna requer conhecimentos e experiência. Uma pessoa tem de ter uma boa noção da geografia do terreno; os ruídos e efeitos dos diferentes tipos de projécteis no ouvido e tem de saber calcular antecipadamente onde é que estes vão cair, como serão os estilhaços e como abrigar-se.
É evidente que estes jovens recrutas nada sabem de tudo isto. São dizimados porque não distinguem os estilhaços dos explosivos potentes, e são ceifados aos molhos porque ouvem, aterrorizados, os ruídos dos grandes projécteis do tipo «caixa de carvão» – que não são perigosos porque caem muito para trás de nós –, mas não ouvem o silvo, o sibilar baixo daqueles pequenos estupores de pouca envergadura. Amontoam-se como ovelhas, em vez de se afastarem, e até os feridos são caçados como coelhos pelos aviões de combate!
As suas caras pálidas, de nabos; os miseráveis punhos cerrados; a deplorável bravura destes pobres diabos, que, apesar de tudo, avançam e atacam…Pobres diabos ousados, tão massacrados que já nem se atrevem a gritar, apenas gemem suavemente os nomes das mães no meio do chão – com os peitos, as tripas e os braços desfeitos – e calam-se quando alguém se aproxima! 
As suas caras esquálidas, pubescentes, mortas, têm aquela horrível ausência de expressão que se vê nas crianças mortas.
Ficamos com um nó na garganta quando os vemos. A forma como saltam para fora da trincheira e correm e caem…Apetece-nos desancá-los por serem tão descuidados e pegar neles e levá-los daqui, afastá-los deste lugar, onde não pertencem! Envergam uniformes de combate – calças, botas da tropa… –, mas os uniformes são demasiado grandes para a maioria deles e ficam-lhes largos, pois os seus ombros são demasiado estreitos e os seus corpos demasiado franzinos. Não se fazem uniformes para estes tamanhos de criança
…"

“A oeste nada de novo”, Erich Maria Remarque. Edições Saída de Emergência.
Para além da adopção das regras do novo acordo ortográfico (neste pequeno excerto, obviamente, não respeitadas), a tradução (de Luís Miguel Coutinho) é feita a partir de uma versão inglesa , o que manifestamente não se compreende a necessidade. Em vez de baixarmos as calcinhas reiteradamente aos alemães noutras situações, mais valia honrar a sua literatura com traduções do original. Não falta para aí quem o faça e que precisa de trabalho.

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